Bandidos e Mocinhos

Uma conspiração sórdida faz com que um nobre inocente seja condenado e enviado a uma prisão distante. Estamos no século XVII e, embora essa prisão seja francesa, direitos humanos ainda não freqüentam o discurso de ninguém – estar preso ali significa ficar isolado do mundo em uma cela de pedras enormes, sem latrina e sem mais que um retalho de luz solar entrando por uma minúscula janela. Em sua cidade, seu ex-melhor amigo dorme em sua cama, gasta seu dinheiro e diverte-se com aquela que teria sido sua esposa. O conde de Monte Cristo, no clássico de Alexandre Dumas, protagoniza uma fuga espetacular e dá início a uma vingança ainda mais impressionante.

Enredo parecido com a história de Próspero, de A Tempestade, de Shakespeare, com os roteiros de metade dos filmes de Schwarzenegger e com o recente Kill Bill, de Quentin Tarantino.

 

Vinganças mirabolantes são garantia de sucesso. Especialmente, hoje em dia, é imprescindível que o sofrimento do mocinho seja exacerbado, que sua força de vontade e argúcia sejam elevados à enésima potência, mas, sobretudo, que o vilão morra com requintes de crueldade ao final.

 

O vilão tem que morrer. Mais que isso: ele tem que sofrer. Se não for assim, nosso senso de justiça ficará ofendido. Da mesma forma o marido canalha ou simplesmente distraído tem que ser passado para trás, o valentão da escola tem que ser desmoralizado em público e aí por diante. Faz parte da cultura pop.

 

A Bíblia, entretanto, tem duas histórias de vingança espetacular, mas às avessas. Uma, em larga, outra em pequena escala. Esta última é a história de José. Como os mocinhos vingadores dos filmes, ele sofreu demais: foi, ainda adolescente, vendido a mercadores de escravos (pessoas que também nunca haviam ouvido falar de direitos humanos, suponho), acabou numa masmorra egípcia, mas de lá, com força de

vontade, argúcia e "algo mais", chegou à situação em que podia vingar- se exemplarmente dos vilões da história. Mas, em pleno "gran finale", ele chora e os abraça.

 

A outra história mostra – absurdo dos absurdos para a mente natural - um Deus Se deixando matar. Os vilões somos nós.  Mel Gibson, que filmou a Paixão de Cristo, só aparece na tela uma única vez no filme. Aliás, ele não aparece, quem aparece são suas mãos: elas é que martelam o prego na mão de Jesus. Em meio à polêmica sobre o filme ser ou não ser antisemita, quando perguntado sobre quem havia matado

a Cristo, ele repetiu sempre a mesma resposta, sem titubear: "fui eu". Os vilões somos nós. Nós matamos o Mocinho dos mocinhos. Nós o fizemos com requintes de crueldade e a cada escolha que fazemos, enterramos mais fundo os cravos em Suas mãos.

 

Sua vingança, entretanto, é dizer: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Sua vingança é beber o cálice até o final. Sua vingança é amar. Eu não consigo entender, mas o meu Salvador decide deliberadamente alterar o final lógico da história.

 

Cá pra nós, qual, dos autores de histórias aqui citados, merece maior aplauso. Você já O aplaudiu hoje?

 

Feliz sábado, @migos!

 

Marco Aurelio Brasil

28/01/05

 

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