O RITUAL DO SANTUÁRIO

M. L. ANDREASEN

Diretor do Union Collage, nos Estados Unidos,
e professor de Exegese Bíblica no Seminário
Teológico Adventista, em Washington.


Segunda Edição
4º Milheiro
1948

CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Santo André, E. F. S. J., São Paulo

Título do original em inglês:
THE SANCTUARY SERVICE

Digitação e Diagramação:
S.J.



 

ÍNDICE

01.  INTRODUÇÃO
02.  PREFÁCIO
03.  O SISTEMA SACRIFICAL
04.  OS SANTUÁRIOS DE DEUS NA TERRA
05.  O SACERDÓCIO
06.  SACERDOTES E PROFETAS
07.  A CONSAGRAÇÃO DE AARÃO E SEUS FILHOS
08.  OFERTAS QUEIMADAS
09.  OFERTA DE MANJARES
10.  OFERTAS PACÍFICAS
11.  OFERTAS PELO PECADO
12.  OFERTA PELOS PECADOS E AS CULPAS
13.  O SERVIÇO DIÁRIO
14.  O DIA DA EXPIAÇÃO
15.  O BODE EMISSÁRIO
16.  FESTAS E SANTAS CONVOCAÇÕES
17.  ORAÇÃO
18.  A LEI
19.  O SÁBADO
20.  O ULTIMO CONFLITO
21.  A ÚLTIMA GERAÇÃO
22.  O JUÍZO



01.  INTRODUÇÃO


Desde aquele dia trágico no Jardim do Éden em que nossos primeiros pais pecaram contra Deus, pela desobediência, o amante Pai celestial tem sempre procurado reaver o amor e a companhia de Seus transviados filhos neste mundo. Antes mesmo de ser proferida a maldição contra Adão e Eva, já era feita a promessa relativa à “Semente da mulher”, que Se ofereceria como holocausto pelos pecados do mundo, triunfando, por fim, sobre Satanás, a serpente, que induzira a humanidade a rebelar-se contra Deus.
 

Consoante o plano divino, trouxe Abel dos primogênitos do seu rebanho como sacrifício a Deus; e através dos séculos, até a vinda da “Semente”, os que aceitaram o evangelho de salvação manifestaram sua fé no Salvador vindouro, tirando a vida a inocentes animais. Todos esses sacrifícios apontavam para “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Mediante esses sacrifícios de animais, conservava-se vívida no espírito a grande verdade de que sem derramamento de sangue não há remissão de pecados (Heb. 9:22), e de que unicamente pelo ato de dar a vida o Substituto apontado poderiam homens pecadores ser reconciliados com Deus.
 

Ao ser o povo de Israel organizado como nação, afim de ser o depositário dos santos oráculos e transmitir ao mundo de antanho a divina mensagem de misericórdia, ordenou o Senhor a Moisés: “E Me farão um santuário, e habitarei no meio deles”. O santuário foi construído de acordo com o “modelo” apresentado a Moisés, e Deus prescreveu o ritual para o serviço contínuo.
 

Esse santuário terrestre, o lugar em que, num sentido especial, Deus habitou entre Seu povo escolhido como Seu Salvador e guia, era o mais sagrado lugar da Terra, e para ele devia convergir o interesse do mundo inteiro.
 

O centro vital dos serviços do santuário era o sacrifício. Os holocaustos que diariamente ali se ofereciam, apontavam para o maior e perfeito sacrifício que no Calvário se faria.

O ministério de mediação, que tinha em vista a reconciliação e dia após dia se efetuava, e que culminava no extraordinário serviço anual do Dia da Expiação, era “a sombra dos bens futuros”. É aí que vamos encontrar os princípios fundamentais do plano da salvação. Todo o sistema era “uma profecia condensada do evangelho”, e prefigurava o sacrifício e sacerdócio de Cristo, que, “pela morte”, triunfou sobre “o que tinha o império da morte”, abrindo assim um caminho vivo para os pobres pecadores transviados.
 

Quão importante é, pois, que estudemos esse “santuário terrestre” e seu ritual, que eram “sombra das coisas celestiais”, e proporcionava uma visão mais ampla da atitude de Deus para com o pecado, de Seu plano para salvar os pecadores, da obra mediadora de Cristo e dos gloriosos mistérios da redenção. Nossa esperança se concentra no “interior do véu”, onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, “feito eternamente Sumo-Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque”. Processa-se ali o ministério do Seu sangue pelos que hão de herdar a salvação. Ali Sua obra final pela salvação dos perdidos breve chegará a termo.
 

Deus incumbiu os adventistas do sétimo dia de proclamar as gloriosas verdades atinentes ao ministério de Cristo, no santuário celestial, e a Sua obra final pela redenção dos perdidos. Foi-nos confiada a mensagem da hora do juízo que deve ser dada ao mundo. Para sermos fiéis a esta incumbência, mister se faz que, sempre e sempre, mais e mais nos aprofundemos nestes sagrados mistérios, tornando-nos aptos a apresentar a derradeira mensagem divina à humanidade em toda a sua beleza e poder.
 

Grandemente abençoou Deus o autor desta obra no estudo e ensino destas verdades magníficas, e, de nossa parte, sinceramente recomendamos este amplo e claro tratado sobre os serviços do santuário a todos os que almejam mais cabalmente conhecer os caminhos divinos.



M. E. KERN

Diretor do Seminário Teológico dos A. S. D.



02.  PREFÁCIO

Durante séculos, a presença de Deus na Terra esteve relacionada com o santuário. Por intermédio de Moisés foi dada a primeira ordem: “E Me farão um santuário e habitarei no meio deles”. Êxo. 25:8. Terminado que foi o tabernáculo – este foi o nome que se deu ao primeiro santuário – “a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo”. Êxo. 40:34. A partir daí, Deus Se comunicou com Seu povo “de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins (que estão sobre a arca do testemunho)”, no lugar santíssimo, no segundo compartimento do tabernáculo. Êxo. 25:22
 

Como local de habitação terrena de Deus, o santuário deve despertar sempre o mais profundo e duradouro interesse da parte de Seu povo. Quando compreendemos que os serviços efetuados no tabernáculo e, mais tarde, no templo, eram símbolos de um ministério mais elevado no verdadeiro tabernáculo do céu; que todo o ritual e os sacrifícios todos apontavam para o verdadeiro Cordeiro de Deus, o santuário passa a ter importância ainda maior. Nele é revelado o evangelho.
 

Bem andarão os crentes ao estudar o santuário e seu ritual. Encerram estes lições preciosas para o estudioso devoto. Cristo é apresentado como o grande Sumo-Sacerdote, título que, para não poucos membros da igreja, perdeu sua significação. E, no entanto, a missão de Cristo como Sumo-Sacerdote é a essência mesma do Cristianismo, o coração da obra expiatória.
 

É esperança e oração do autor que este modesto trabalho possa guiar a alguns, e a muitos quiçá, a uma compreensão mais ampla do que Cristo para eles significa e do que por eles está fazendo; e que possam pelo novo e vivo caminho que para eles consagrou através do véu, acompanhá-lo ao lugar santíssimo onde agora oficia.



O Autor.


 

03.  O SISTEMA SACRIFICAL


O primeiro quadro que de Deus se nos apresenta depois de o homem haver pecado, é aquele em que, passeando no jardim pela viração do dia, pergunta a Adão: “Onde estás?” Gen. 3:9. O quadro tanto tem de belo como de significativo. O homem pecara e desobedecera ao Senhor, mas Deus o não desamparou. Pôs-Se à procura de Adão. E interroga: “Onde estás?” São estas as primeiras palavras de Deus ao homem, depois da queda, que ficaram registradas.
 

O sermos assim apresentados a Deus não é um fato destituído de significação. Ele está procurando Adão, e chamando-o, buscando o pecador que se escondia de Sua presença. Temos aqui um quadro idêntico ao do pai da parábola, que dia após dia procurava divisar no horizonte o vulto do filho pródigo, e corre a encontrá-lo “quando ainda estava longe”. S. Lucas 15:20. Um quadro semelhante ao do pastor que vai “pelos montes... em busca da que se desgarrou”, e “maior prazer tem por aquela do que pelas noventa e nove que se não desgarraram”. S. Mat. 18:12 e 13.
 

Adão não compreendeu em toda a sua plenitude o que havia feito ou os resultados de sua desobediência. Dissera-lhe Deus que o pecado implicava em morte, e que “no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Gen. 2:17. Mas Adão jamais contemplara o quadro da morte, de modo que não compreendia o que ela significava. Foi com o intuito de impressionar-lhe o espírito com a natureza do pecado que Deus vestiu a Adão e a Eva com peles de animais que haviam sido sacrificados. Adão, contemplando o quadro da morte pela primeira vez, deve ter ficado profundamente impressionado com a terribilidade do pecado. O cordeiro ainda ali está, e o sangue corre. Não tornará ele a viver jamais? Jamais tornará a comer, a andar ou a brincar? A morte assume, de pronto, aos olhos de Adão, um novo e mais profundo significado. Começa a compreender que a menos que o Cordeiro seja imolado em seu lugar, ele terá de morrer, como o animal que tem aos seus pés, sem futuro, sem esperança, sem Deus. Depois, sempre, a pele que lhe vestia o corpo lembrava-o de seu pecado, mas também, e mais ainda, da salvação do pecado.
 

O quadro que nos apresenta Deus a fazer vestes para Seus filhos prestes a serem afastados de seu lar, revela o amor divino pelos Seus, e Sua terna consideração por eles, mau grado haverem pecado. Como a mãe que veste os filhinhos com roupas quentes e confortáveis antes de os mandar para o cortante vento, assim Deus bondosamente veste Seus dois filhos antes de os despedir. Se é preciso afastá-los, devem levar consigo a prova de Seu amor. Devem ter consigo alguma evidência de que Deus ainda tem cuidado deles. Não é Seu intento deixá-los a lutar sozinhos. É necessário afastá-los do Jardim do Éden, mas ainda os ama. Supre-lhes o que lhes falta.
 

Por causa do pecado, Deus teve de afastar Adão e Eva do lar que lhes preparara. Por certo deve ter sido com grande pesar de coração que os dois abandonaram o lugar, em que pela primeira vez se haviam visto, e que tão gratas evocações lhes trazia. Mas imensurávelmente maior deve ter sido a dor por Deus experimentada ao ordenar-lhes que saíssem. Ele os havia criado. Amava-os. Providenciara quanto ao seu futuro. Eles, porém, Lhe haviam desobedecido. Tinham escolhido outro senhor. Do fruto proibido haviam tomado. “Ora, pois”, disse Deus, “para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente... o lançou fora”. Gen. 3:22-24.
 

Deus não deixou Adão em estado de desespero. Não só lhe assegurou que o Cordeiro “morto desde a fundação do mundo” havia de morrer por ele, provendo-lhe assim real salvação, mas também prometeu auxiliá-lo a resistir ao pecado, concedendo-lhe capacidade para aborrecê-lo. “E porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua semente e a sua semente”, disse Deus. Gen. 3:15. Sem fazer violência ao texto, podemos dar-lhe a seguinte interpretação: “Em teu coração porei repulsa ao mal”. Essa repulsa é vital para a nossa salvação. Do ponto de vista humano, enquanto houver no coração amor ao pecado, nenhum homem poderá ser salvo.

Talvez resista ao mal, mas se em seu íntimo existir amor ou apego a ele, não estará em terreno seguro. De Cristo se diz: “Amaste a justiça e aborreceste a iniqüidade”. Heb. 1:9. É importante aprendermos a aborrecer o pecado. Unicamente quando a iniqüidade do pecado se nos torna real e aprendemos a aborrecer o mal é que estamos seguros. Cristo não só amou a justiça; também aborreceu a iniqüidade. Essa repulsa é fundamental no Cristianismo. E Deus prometeu colocar em nosso coração essa repulsa ao pecado.
 

O Evangelho está sintetizado nas promessas que Deus fez a Adão e no modo por que o tratou. Deus não deixou Adão entregue à própria sorte depois de pecar. Procurou-o, chamou-o. Providenciou-lhe um Salvador, simbolizado pelo cordeiro sacrifical. Prometeu ajudá-lo a odiar o pecado, a fim de que, pela graça de Deus, dele se afastasse. Se Adão tão somente cooperasse com Deus, tudo estaria bem. Foi-lhe apresentado o meio para voltar ao estado de que havia caído. Não precisava ser vencido pelo pecado. Com o auxílio divino podia triunfar sobre ele.
 

De um modo frisante isso nos é revelado no caso de Caim e Abel. Caim está irado; seu semblante decaído. Em seu coração já cometeu o assassínio, e está pronto a matar Abel. Deus o adverte de que “o pecado jaz à porta... e sobre ele dominarás”. Gen. 4:7. Era esta uma misericordiosa advertência a Caim, e uma afirmação de esperança de que não precisava ser vencido pelo pecado. Qual selvagem animal que está pronto para arremessar-se sobre a presa, o pecado jaz à porta. Segundo a expressão do Novo Testamento, Satanás anda em derredor “bramando como leão”. Mas Caim não precisava ser derrotado. “Sobre ele dominarás”- são as palavras de Deus. Isto é mais do que uma declaração; é uma promessa. O homem não precisa ser vencido. Existe esperança e auxílio em Deus. O pecado não deve ter domínio sobre nós. Devemos triunfar sobre ele.
 

Originariamente era plano de Deus que o homem entretivesse livre comunhão com seu Criador. Essa intenção desejava Ele ver realizada no Jardim do Éden. Mas o pecado contrariou o Seu desígnio original. O homem pecou, e Deus o pôs fora do jardim. A partir daí, a tristeza passou a ser o quinhão da humana criatura.

Mas o Ser Supremo concebeu um plano mediante o qual poderia reaproximar-Se de Seu povo. Se eram obrigados a abandonar o lar que para eles fora preparado, por que Deus não havia de ir com eles? Se não podiam morar no Paraíso, onde lhes era dado gozar perfeita comunhão com o Pai Celestial, por que não habitaria Deus com eles? Assim, em chegando o tempo apontado, Deus dirigiu ao Seu povo as palavras: “E Me farão um santuário, e habitarei no meio deles”. Êxo. 25:8. Amor admirável! Deus não pode suportar a separação dos que Lhe pertencem! Seu amor arquiteta um plano mediante o qual Lhe é possível habitar entre eles. Acompanha-os em seu jornadear através do deserto, guiando-os à Terra Prometida. Está novamente com Seu povo. Com efeito, existe agora uma parede de permeio. Deus habita no santuário, e o homem não se pode aproximar dEle diretamente. Mas Deus está tão perto quanto Lhe permite a presença do pecado. Está “no meio” do Seu povo.
 

Diz de Cristo o Novo Testamento: “E chama-Lo-ão Emanuel, que traduzido é: Deus conosco”. S. Mat. 1:23. O ideal do crente é a comunhão com Deus, união com Ele, e não separação. “Enoc andou com Deus”. Gen. 5:24. Moisés com Ele falou face a face. Êxo. 33:11. Mas Israel não estava preparado para essa experiência. Era mister que se lhe ensinassem lições de reverência e santidade. Precisava aprender que sem santidade ninguém pode ver a Deus. Heb. 12:14. Foi com o propósito de ensinar-lhes isto que Deus ordenou que Lhe fizessem um santuário para que pudesse habitar entre eles.
 

Antes, porém, de pedir-lhes que Lhe construíssem um santuário, lhes deu os Dez Mandamentos. Êxo. 20. Deu-lhes a Sua lei para que estivessem ao par do que deles se exigia. Estiveram ao pé do monte que fumegava. Ouviram os trovões e viram os relâmpagos; e, ao falar o Senhor, “todo o monte tremia grandemente” e tremia também o povo. Êxo. 19:16-18. O espetáculo foi tão impressionante, e “tão terrível era a visão, que Moisés disse: Estou todo assombrado, e tremendo”, e “os que a ouviram pediram que lhes não falasse mais”. Heb. 12:21 e 19. O povo, contudo, pôde tão somente ver e reconhecer a justiça dos reclamos divinos e, tanto antes como depois da proclamação da lei, respondeu: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos” (ver Êxo. 19:8; 24:3 e 7).
 

Ao assumirem tão tremendo compromisso, por certo bem pouco compreendiam de usa incapacidade para cumprir o que haviam prometido. De sua experiência passada podiam ter aprendido que sem o auxílio divino não poderiam guardar a lei. Todavia, prometeram assim fazer, mau grado não muito depois se acharem a dançar em torno do bezerro de ouro. A lei proibia a adoração de ídolos, e haviam prometido guardar a lei; no entanto, estavam a adorar um de seus antigos ídolos. No culto que renderam ao bezerro de ouro, revelaram sua incapacidade ou relutância para cumprir o que haviam concordado em fazer. Haviam quebrado a lei que tinham prometido observar, e agora ela os condenava. Deixou-os num estado de desalento e desengano.
 

Ao permitir isso, Deus tinha um propósito em vista. Desejava ensinar a Israel que em si mesmos nenhuma esperança havia de que sempre guardassem a lei divina. E essas injunções eram necessárias à santidade, e sem santidade ninguém pode ver a Deus. Isso os colocou face a face com sua condição desesperadora. A lei que lhes havia sido dada para vida, trouxera-lhes condenação e morte. Sem Deus, estavam sem esperança.
 

Deus não os abandonou nessa situação. Assim como no Jardim do Éden o cordeiro morto prefigurava Cristo, agora, mediante os sacrifícios e a intercessão do sangue, Deus lhes ensinava que providenciara um meio de escape. Abraão compreendeu isso quando o carneiro preso no mato foi aceito em lugar de seu filho. Por certo não havia compreendido perfeitamente a significação de sua própria resposta, quando Isaac lhe perguntou: “Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?” ao que Abraão respondeu: “Deus proverá para Si o cordeiro para o holocausto, meu filho”. Gên. 22:7 e 8. Ao erguer ele o cutelo, disse Deus: “Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada”. Vs. 12. Ao olhar Abraão em volta, viu um carneiro preso no mato e, tomando-o, “ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho”. Vs. 13. Disso Cristo disse: ‘Abraão, vosso pai, exultou por ver o Meu dia, e viu-o, e alegrou-se”. S. João 8:56.

No carneiro preso no mato, que morreu em lugar de seu filho, Abraão viu Cristo. Regozijou-se e alegrou-se.
 

A lição que Abraão aprendera, Deus desejava ensinar agora a Israel. Pelo cordeiro pascal; pelo novilho, pelo carneiro, pelo bode, pelas rolas e pombos; pelo espargir do sangue sobre o altar da oferta queimada, sobre o altar do incenso, para o véu ou sobre a arca; pelos ensinos e mediação do sacerdote, Israel devia aprender como aproximar-se de Deus. Não deviam ser deixados sem esperança ao enfrentar a condenação da santa lei divina. Havia um meio de escape. O Cordeiro de Deus morreria por eles. Pela fé em Seu sangue podiam entrar em comunhão com Deus. Pela mediação do sacerdote podiam vicariamente entrar no santuário, e na pessoa do sumo-sacerdote podiam comparecer na própria sala de audiência do Altíssimo. Para os fiéis em Israel, isso prefigurava o tempo em que o povo de Deus poderia entrar sem receio, mediante o sangue de Jesus, no santíssimo. Heb. 10:19.
 

Tudo isso desejava Deus ensinar a Israel pelo sistema sacrifical. Para eles era o caminho de salvação. Infundiu-lhes esperança e coragem. Conquanto a lei divina, os dez mandamentos, os condenasse por causa de seus pecados, o fato de que o Cordeiro de Deus devia morrer por eles os enchia de esperança. O sistema sacrifical era o evangelho para Israel. Aponta claramente o caminho à comunhão e companheirismo com Deus.
 

Há entre os cristãos professores os que não atribuem muita importância ou valor aos serviços do templo que foram ordenados por Deus; no entanto, verdade é que o plano evangélico da salvação, conforme revelado no Novo Testamento, se torna muito mais claro pela compreensão do Velho Testamento. Com efeito, pode-se dizer com certeza que aquele que compreende o sistema levítico do Velho Testamento, pode muito melhor compreender e apreciar o Novo Testamento. Um prefigura o outro, servindo-lhe de tipo.
A primeira lição que Deus Se propôs a ensinar a Israel, por meio do sistema sacrifical, era que o pecado implica em morte. Bastas vezes seu espírito foi impressionado com esta lição.

Cada manhã e tarde, durante o ano inteiro, um cordeiro era oferecido pela nação. Dia após dia o povo levava ao templo ofertas por seus pecados, seus sacrifícios ou ofertas de gratidão. Em todos os casos um animal era imolado e o sangue aspergido no lugar apontado. Em cada cerimônia e solenidade estava impressa a lição: O pecado significa morte.
 

Esta lição é hoje mais necessária do que nos dias do Antigo Testamento. Alguns cristãos têm uma idéia muito imprecisa da gravidade do pecado. Imaginam-no como uma fase transitória da vida que a humanidade vencerá. Outros o têm como lamentável, mas inevitável. Carecem de que em seu espírito se grave indelevelmente a lição de que o pecado significa morte. O Novo Testamento, com efeito, afirma que o salário do pecado é a morte. Rom. 6:23. Mas mesmo assim muitos deixam de perceber ou aprender a importância disso. Uma concepção mais nítida do pecado e da morte como inseparavelmente unidos, muito auxiliará na apreciação e compreensão do evangelho.
 

Outra lição com que Deus desejava impressionar a Israel era a de que o perdão do pecado pode ser obtido unicamente pela confissão e intercessão do sangue. Isso impressionava profundamente a Israel com o preço do perdão. O perdão do pecado significa mais do que passar por alto faltas. Perdoar custa alguma coisa; e o preço é a vida, a vida do próprio Cordeiro de Deus.
 

Esta lição também é importante para nós. Para alguns, a morte de Cristo se afigura desnecessária. Deus podia, ou devia perdoar, sem o Calvário, pensam eles. A cruz não se lhes apresenta como parte integrante e vital da obra de expiação. Bem andariam os cristãos, hoje, se contemplassem mais do que o fazem o preço de sua salvação. O perdão não é um simples fato. Custa alguma coisa. Mediante o sistema cerimonial Deus ensinou a Israel que ele pode ser obtido unicamente pelo derramamento de sangue. Precisamos dessa lição hoje.
 

Cremos que um estudo das prescrições do Antigo Testamento, relativas à maneira de que o homem se aproximar de Deus, pagará generosos dividendos.

No sistema sacrifical se contêm os princípios fundamentais da piedade e santidade que encontram seu pleno cumprimento em Cristo. Alguns há que, por não haverem compreendido perfeitamente estas lições fundamentais, são incapazes e não estão preparados para prosseguir na consecução de maiores coisas que por Deus lhes foram preparadas. O Antigo Testamento é básico. Aquele que está bem firmado nele, será capaz de construir uma superestrutura que não ruirá ao caírem as chuvas e soprarem os ventos. Estará edificado “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina”. Efés. 2:20.


 

04.  OS SANTUÁRIOS DE DEUS NA TERRA

Não foi muito depois de ter dado a lei no monte Sinai que o Senhor ordenou a Moisés: “Fala aos filhos d’Israel, que Me tragam uma nova oferta alçada: de todo o homem cujo coração se mover voluntariamente, dele tomareis a Minha oferta alçada”. Êxo. 25:2. Essa oferta devia consistir em “ouro, e prata, e cobre, e azul, e púrpura, e carmesim, e linho fino, e pêlos de cabras, e peles de carneiros tintas de vermelho, e peles de texugos, e madeira de cetim, azeite para a luz, especiarias para o óleo da unção e especiarias para o incenso, pedras sardônicas, e pedras d’engaste para o éfode e para o peitoral”. Vs. 3-7. Isso devia ser usado na construção de “um santuário, e habitarei no meio deles”. Vs. 8.
 

O santuário aqui mencionado toma, pelo comum, o nome de tabernáculo. Era em realidade uma tenda com paredes de madeira, tendo o forro quatro camadas de materiais: a interior de linho fino dobrado, a exterior “de peles de carneiro, tintas de vermelho, e outra coberta de peles de texugo em cima”. Êxo. 26:14. O edifício propriamente dito não era muito grande, pois tinha cerca de 6 metros por 18, e uma parte fechada externa chamada pátio, com aproximadamente 30 metros de largura por 60 de comprimento.
 

O tabernáculo era um edifício portátil, de maneira que podia ser desmontado e facilmente transportado. Ao tempo em que foi construído, Israel jornadeava pelo deserto. Aonde quer que fossem, transportavam consigo o tabernáculo. As tábuas da construção não eram pregadas uma à outra como em geral se faz, mas separadas, e cada uma delas mantida em pé por meio de uma base de prata. Êxo. 36:20-34. As cortinas que cercavam o pátio pendiam de pilares fixos em bases de cobre. Êxo. 38:9-20.

A mobília do tabernáculo era feita de maneira que pudesse ser facilmente transportada. O edifício inteiro, conquanto formoso e magnífico em suas linhas, revelava sua natureza transitória. Destinava-se a servir somente até ao tempo em que Israel se estabelecesse na Terra Prometida e um edifício de natureza mais estável pudesse ser erigido.
 

O Edifício propriamente dito tinha dois compartimentos, o primeiro e maior, chamado santo; e o segundo, o santíssimo. Uma rica cortina ou véu separava esses compartimentos. Como não havia janelas no edifício, tanto um como outro compartimento, e especialmente o interior, se dependessem da luz do dia, forçosamente haviam de ficar às escuras. Em virtude da natureza temporária da estrutura, alguma luz talvez penetrasse; porém, na melhor das hipóteses, devia ser muito pouca. No primeiro compartimento, contudo, os candeeiros do castiçal de sete lâmpadas produziam suficiente luz para que os sacerdotes efetuassem o serviço diário segundo prescrevia o ritual.
 

Havia no primeiro compartimento três objetos do mobiliário, a saber: a mesa dos pães da proposição, o castiçal de sete lâmpadas e o altar do incenso. Quem penetrasse no compartimento pela frente do edifício, que estava voltada para o nascente, veria quase na extremidade da sala o altar do incenso. Veria à direita a mesa dos pães da proposição, e à esquerda, o castiçal. Dispostos sobre a mesa, em duas fileiras, os doze pães da proposição, juntamente com o incenso e os copos para a oferta memorial. Nela se encontravam também pratos, colheres e tigelas usados no serviço diário. Êxo. 37:16. O castiçal era feito de ouro puro. “O seu pé, e as suas canas, os seus copos, as suas maçãs e as suas flores da mesma peça”. Vs. 17. Tinha seis canas, três de cada lado e uma no centro. Os copos que continham o óleo tinham a forma de amêndoas. Vs. 19. Não só o castiçal era feito de ouro, mas também os espevitadores e apagadores. Vs. 23.
 

A mais importante peça do mobiliário desse compartimento era o altar do incenso. Tinha cerca de um metro de altura e quase meio de largura. Era forrado de ouro puro, e tinha uma coroa de ouro ao redor. Era sobre esse altar que o sacerdote, no serviço diário, colocava as brasas tiradas do altar das ofertas queimadas, e o incenso. Ao pôr incenso sobre as brasas do altar, o fumo ascendia, e, como o véu entre o santo e santíssimo não alcançava o teto do edifício, o incenso enchia logo não só o lugar santo mas o santíssimo também. Deste modo, o altar do incenso, embora estivesse no primeiro compartimento, servia igualmente o segundo. Por essa razão ficava “diante do véu que está diante da arca do testemunho, diante do propiciatório, que está sobre o testemunho, onde Me ajuntarei contigo”. Êxo. 30:6.
 

No segundo compartimento, o santíssimo, existia apenas uma peça de mobiliário: a arca. Tinha ela a forma de caixa com pouco mais de um metro de comprimento e aproximadamente 60 centímetros de largura. A cobertura dessa caixa chamava-se propiciatório. Sobre o propiciatório havia uma coroa de ouro ao redor, como se dava com o altar do incenso. Na arca colocou Moisés os dez mandamentos escritos sobre duas tábuas de pedra, com o próprio dedo de Deus. Pelo menos durante algum tempo continha ela também o vaso de ouro com o maná e a vara florescida de Aarão. Heb. 9:4. Sobre o propiciatório havia dois querubins de ouro, de obra batida, ficando um de um lado e outro de outro. Êxo. 25:19. Diz-se desses querubins que “estenderão as suas asas por cima, cobrindo com as suas asas o propiciatório; as faces deles uma defronte da outra: as faces dos querubins estarão voltadas para o propiciatório”. Êxo. 25:20. Ali Deus Se comunicaria com Seu povo. Disse Ele a Moisés: “Ali virei a ti, e falarei contigo de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins (que estão sobre a arca do testemunho), tudo o que Eu te ordenar para os filhos d’Israel”. Êxo. 25:22.
 

No pátio, bem em frente da porta do tabernáculo estava uma pia, uma enorme bacia cheia de água. Era feita de cobre obtido dos espelhos que as mulheres haviam dado para esse fim. Nessa pia deviam os sacerdotes lavar as mãos e os pés antes de entrar no tabernáculo e começar o serviço. Êxo. 30:17-21; 38:8.
 

No pátio ficava também o altar dos holocaustos, que desempenhava parte muito importante por servir em todas as ofertas sacrificais. Tinha cerca de um metro e meio de altura e em cima 2m,40 de largura, e era oco por centro e coberto de cobre. Êxo. 27:1. Sobre esse altar colocavam-se os animais que eram oferecidos em holocaustos.

Aí também era consumida a gordura e colocada a parte da carne que se requeria. Nas quatro extremidades havia saliências que se assemelhavam a chifres. Em certas ofertas sacrificais, o sangue era colocado sobre essas pontas ou aspergido sobre o altar. O resto do sangue, que não se usava na aspersão, era derramado na base do altar.

 

O Templo de Salomão

Ao assumir o reino Salomão, o velho tabernáculo devia achar-se em condições precárias. Contava várias centenas de anos e estivera exposto ao vento e à intempérie por todo esse longo tempo. Davi se havia proposto edificar ao Senhor uma casa, mas lhe foi dito que, visto ser ele homem guerreiro, não lhe seria dado fazê-la. Seu filho Salomão construi-la-ia. E esse templo foi edificado “com pedras preparadas, como as traziam se edificava: de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. I Reis 6:7.
 

O templo propriamente dito tinha cerca de 9 metros de largura por 27 de comprimento. Na frente, que ficava para o lado do nascente, havia um vestíbulo com aproximadamente 9 metros de comprimento por 5 de largura. Ao redor das outras paredes do templo foram construídas três filas de câmaras, sendo algumas delas usadas para aposentos dos sacerdotes e levitas que oficiavam no templo, e as demais para depósito do dinheiro e outras dádivas ofertadas. Por dentro era forrado de cedro coberto de ouro e esculpido com figuras de querubins, palmas e flores abertas. I Reis 6:15, 18, 21, 22 e 29. Deles se diz: “Assim edificou Salomão aquela casa, e a aperfeiçoou. Também cobriu as paredes da casa por dentro com tábuas de cedro: desde o soalho da casa até ao teto tudo cobriu com madeira por dentro: e cobriu o soalho da casa com tábuas de faia”. I Reis 6:14 e 15.
 

O tabernáculo original não tinha soalho, mas no templo Salomão colocou “tábuas de cedro nos lados da casa, desde o soalho até às paredes: e por dentro lhas edificou para o oráculo, para o Santo dos Santos”. Vs. 16. Depois de haver coberto toda a parte interior do templo com cedro, de modo que “pedra nenhuma se via”, “cobriu Salomão a casa por dentro de ouro puro:

E com cadeias de ouro pôs um véu diante do oráculo, e o cobriu com ouro. Assim toda a casa cobriu de ouro, até acabar toda a casa”. Vs. 18, 21 e 22.
 

No oráculo, ou lugar santíssimo, foi colocada a arca do concerto do Senhor. A arca original tinha dois querubins de ouro puro. Agora, dois outros querubins foram feitos e fixados sobre o soalho, e entre estes foi a arca colocada. Foram feitos de madeira d’oliveira, tendo cada um deles cerca de quatro metros e meio de altura. “Ambos os querubins eram duma mesma medida e dum mesmo talhe”. I Reis 6:25. “Os querubins estendiam as asas, de maneira que a asa dum tocava na parede, e a asa do outro querubim na outra parede: e as suas asas no meio da casa tocavam uma na outra”. I Reis 6:27. Isso fazia com que as asas dos dois querubins combinadas cobrissem uma área de 9 metros aproximadamente. Esses querubins eram cobertos de ouro e em todas as paredes da casa, tanto por dentro como por fora, estavam esculpidas figuras de querubins, palmas e flores abertas. Até o soalho era coberto de ouro. Vs. 29 e 30.
 

No primeiro compartimento várias mudanças foram feitas. Diante do oráculo, e que é mencionado como a ele pertencendo (I Reis 6:22, Vs. Brás.), estava, como no tabernáculo, o altar do incenso. Em vez de um castiçal, havia agora dez, cinco de um lado e cinco de outro. Esses castiçais eram de ouro puro, como o eram os espevitadores, os apagadores, as bacias, os perfumadores e os braseiros. I Reis 7:49 e 50. Em vez de uma mesa com os pães da proposição, havia ali dez, “cinco à direita, e cinco à esquerda”. II Crôn. 4:8.
 

O altar dos holocaustos, ou de cobre, como é chamado, foi consideravelmente aumentado no templo de Salomão. O do antigo tabernáculo tinha cerca de dois metro e meio. O do templo de Salomão quase quatro vezes mais, ou sejam, nove metros, e quase cinco de altura. As caldeiras, pás e bacias usadas no serviço do altar eram de cobre. II Crôn. 4:11 e 16.
 

No santuário havia uma pia para as abluções. No templo ela era muito maior. Era uma ampla bacia de bronze com 4m,50 de diâmetro e quase dois e meio de altura, com uma capacidade de mais de 70 mil litros. Chamava-se mar de fundição. I Reis 7:23-26. O bronze de que era feito tinha um palmo de espessura.

Os bordos foram feitos à semelhança de um copo, com flores de lírios. O mar inteiro firmava-se sobre doze bois, “três que olhavam para o norte, e três que olhavam para o ocidente, e três que olhavam para o sul, e três que olhavam para o oriente: e o mar em cima estava sobre eles, e todas as suas partes posteriores para a banda de dentro”. I Reis 7:25.
 

Ao lado desse mar de grandes proporções havia bacias menores montadas sobre rodas, de maneira que pudessem ser movidas de um lugar para outro. I Reis 7:27-37. Cada uma dessas bacias continha mais de 400 litros de água e eram usadas para lavar as partes dos animais que deviam ser queimadas sobre o altar dos holocaustos. II Crôn. 4:6. Cada uma delas estava colocada sobre uma base de cobre; “e era a obra das rodas como a obra da roda de carro: seus eixos, e suas cambas, e seus cubos, e seus raios, todos eram fundidos”. I Reis 7:33. Os lados eram ornamentados com figuras de leões, bois, querubins e palmas, “e debaixo dos leões e dos bois junturas d’obra estendida”. Vs. 29 e 36. O tamanho do pátio não é mencionado, mas certamente devia ser consideravelmente maior do que o do tabernáculo.
 

Em I Reis 6:22 encontra-se uma declaração interessante relativamente ao altar do incenso. Os versículos anteriores descrevem o oráculo, ou o lugar santíssimo. É mencionada como ali estando a arca que continha os dez mandamentos, dizendo-se também que “cobriu de cedro o altar”. Vs. 19 e 20. Esse altar, segundo se afirma no vs. 22, “pertencia ao oráculo”. (vs. Brás.). Talvez suscite alguma dificuldade a questão que surge da leitura do capítulo nove de Hebreus, onde o altar do incenso é omitido na descrição da mobília do primeiro compartimento, e um incensário é mencionado como estando no segundo compartimento. Vs. 2-4. A Versão Brasileira registra “altar de ouro para o incenso”, ao invés de incensário. Seja, porém, qual for a idéia que se tenha desse ponto controvertido, é digno de nota que Hebreus 9:2 omite o altar de incenso ao descrever o lugar santo. A afirmação de I Reis 6:22, de que o altar de incenso conquanto localizado no lugar santo “pertencia” ao santíssimo, é geralmente considerada como a tradução correta. Da declaração de Êxodo 30:6 concluímos, portando, que o altar do incenso estava situado defronte ao véu,

No lugar santo, “diante do propiciatório”, e que seu uso era tal que, em certo sentido, “pertencia” também ao lugar santíssimo. E como na realidade o incenso enchia tanto o lugar santo como o santíssimo, esta parece ser, afinal, a melhor maneira de compreender o assunto. ( Ver Êxo. 40:26).

O Templo de Zorobabel

O templo construído por Salomão foi destruído nas invasões de Nabucodonozor, no sexto século antes da nossa era. Governantes e povo foram gradualmente se afastando do Senhor e entregando-se mais à idolatria e ao pecado. Mau grado todos os esforços divinos para conjugar esses males, Israel continuava em apostasia. Deus lhes enviou Seus profetas, com advertências e com rogos, “porém zombaram dos mensageiros de Deus, e desprezaram as Suas palavras e mofaram dos Seus profetas até que o furor do Senhor subiu tanto, contra o Seu povo, que mais nenhum remédio houve. Porque fez subir contra eles o rei dos caldeus, o qual matou os seus mancebos à espada, na casa do seu santuário; e não teve piedade nem dos mancebos, nem das donzelas, nem dos velhos, nem dos decrépitos: a todos os deu na sua mão.” II Crôn. 36:16 e 17.
 

Ao destruir Jerusalém, Nabucodonozor queimou “a casa do Senhor, e derrubaram os muros de Jerusalém; e todos os seus palácios queimaram a fogo, destruindo também todos os seus preciosos vasos.” vs. 19. “E os que escaparam da espada levou para Babilônia: e fizeram-se servos dele e de seus filhos, até ao templo do reino da Pérsia.” vs. 20. Começou assim o chamado cativeiro dos setenta anos, “para que se cumprisse a palavra do Senhor, pela boca de Jeremias, até que a Terra se agradasse dos seus sábados; todos os dias da desolação repousou, até que os setenta anos se cumpriram.” vs. 21.
 

O esplendor do templo de Salomão é visível nos despojos que Nabucodonozor levou de Jerusalém. Uma descrição do livro de Esdras se refere a “trinta bacias de ouro, mil bacias de prata, vinte e nove facas, trinta taças de ouro, quatrocentas e dez taças de prata doutra espécie e mil outros vasos. Todos os vasos de ouro e de prata foram cinco mil e quatrocentos:todos estes levou Sesbazar, quando do cativeiro subiram de Babilônia para Jerusalém.” Esdras 1:9-11.
 

Israel esteve setenta anos no cativeiro. Ao cumprirem-se os dias, obtiveram permissão de voltar, mas naquela ocasião muitos haviam estado por tanto tempo em Babilônia, que preferiram lá ficar. Contudo, um remanescente voltou, e ao tempo devido foram lançados os alicerces do novo templo. “E todo o povo jubilou com grande júbilo, quando louvaram ao Senhor, pela fundação da casa do Senhor.” Esdras 3:11. Mas a alegria não foi completa, pois “muitos dos sacerdotes, e levitas e chefes dos pais, já velhos, que viram a primeira casa, sobre o seu fundamento, vendo perante os seus olhos esta casa, choraram em altas vozes: mas muitos levantaram as vozes com júbilo e com alegria. De maneira que não discernia o povo jubilou com tão grande júbilo que as vozes se ouviam de mui longe.” Esdras 3: 12 e 13.
 

O templo assim erigido passou a ser chamado templo de Zorobabel, derivando seu nome do orientador dos trabalhos da construção. Pouco se sabe quanto à sua estrutura, mas se supõe, e talvez com boas razões, que seguiu as linhas do templo de Salomão. A arca já não existia. Desaparecera ao tempo da invasão de Nabucodonozor. Refere a tradição que homens santos a tomaram e esconderam nas montanhas para evitar que caísse em mãos profanas. De qualquer maneira, o lugar santíssimo nada mais tinha a não ser uma pedra que servia de substituto da arca no Dia da Expiação. Esse templo existiu até perto do aprimoramento de Cristo. Foi então substituído pelo templo de Herodes.

 

O Templo de Herodes

Herodes tornou-se rei no ano de 37 antes da era vulgar. Um de seus primeiros atos foi construir uma fortaleza, Antônia, ao norte dos terrenos do templo, e que se ligava ao pátio do templo por uma passagem subterrânea. Alguns anos mais tarde resolveu reconstruir o templo em proporções maiores do que das outras vezes. Os judeus não confiavam nele, e não consentiriam que procedesse à construção enquanto não houvesse demonstrado a sua boa fé, reunindo o material necessário para o edifício antes de demolir qualquer parte do antigo. Isso fez de boa vontade. Os sacerdotes também insistiram em que leigos não trabalhassem no templo, e em ser necessário que os próprios sacerdotes o construíssem. Por essa razão alguns anos foram gastos em adestrar os sacerdotes para serem pedreiros e carpinteiros, a fim de trabalhar no santuário. Fizeram todo o trabalho relativo aos dois compartimentos do templo. Ao mesmo tempo, dez mil hábeis operários foram empregados durante os trabalhos da construção.
 

Os trabalhos de construção começaram por volta do ano 20 a.C. O templo propriamente dito foi terminado em ano e meio, mas foram necessários mais oito anos para terminar o pátio e os aposentos para os sacerdotes. S. João 2:20 nos conta que ao tempo de Cristo o templo estava em construção havia já quarenta e seis anos; com efeito, somente por volta do ano 66 da nossa era, pouco antes da destruição de Jerusalém pelos romanos, é que o templo foi completamente acabado.
 

O templo de Herodes era um belíssimo edifício. Fora construído de mármore branco coberto com laminas de ouro, localizava-se numa eminência com degraus que levavam a ele por todos os lados, e que constituíam uma serie de terraços. Elevava-se a 120 metros acima do vale em baixo, e podia ser avistado a grande distância. Josefo compara-o a uma montanha coberta de neve. Apresentava um espetáculo deveras extraordinário, especialmente quando contemplado do Monte das Oliveiras numa límpida manhã, ao incidirem sobre ele os raios solares. Era uma das maravilhas do mundo antigo.
 

O tamanho dos dois compartimentos, santo e santíssimo, era o mesmo do templo de Salomão; isto é, o templo propriamente dito tinha cerca de 27 metros de comprimento e 9 de largura. O lugar santo estava separado do santíssimo por uma parede com cerca de 45 centímetros de espessura, com uma abertura diante da qual pendia o véu mencionado em S. Mateus 27:51, que se rasgou de alto a baixo por ocasião da morte de Jesus. Nenhuma mobília existia no lugar santíssimo, mas apenas a pedra que ficara do templo de Zorobabel, sobre a qual o sumo-sacerdote colocava o incensário no Dia da Expiação. A mobília do santíssimo era provavelmente a mesma do templo de Salomão.

Exatamente sobre o lugar santo e o santíssimo havia aposentos ou salas onde os sacerdotes se reuniam em determinadas ocasiões. Por algum tempo o Sinédrio também se reuniu ali. No soalho da sala que ficava sobre o santíssimo havia alçapões através dos quais uma caixa podia ser descida ao lugar santíssimo, em baixo. Essa caixa era grande bastante para conter um ou mais operários que às vezes precisavam fazer algum reparo no templo. A caixa se abria para o lado da parede, de maneira que podiam trabalhar nas paredes sem descer dela, ou melhor, sem olhar em torno. Visto como apenas o sumo-sacerdote podia penetrar no lugar santíssimo, esse plano tornava possível se fazerem os necessários reparos sem que os operários por isso precisassem entrar ou estar no santíssimo.
 

Ao lado do templo propriamente dito havia aposentos para os sacerdotes e também para depósito, como se dava no templo de Salomão. Havia também um pórtico na frente, que avançava cerca de doze metros além da parede lateral, e que dava ao pórtico a largura total de 48 metros.
 

O pátio exterior do templo de Herodes era um amplo cercado, não completamente quadrado, com cerca de trezentos metros de cada lado. Esse pátio estava dividido em outros, menores, tais como o dos gentios, o das mulheres e o dos sacerdotes. Numa parte do pátio, repousava sobre ripas ou grades uma videira de ouro cujas uvas, segundo Josefo (em quem, todavia, nem sempre se pode confiar), tinham a altura de um homem. Conforme o mesmo historiador, a videira se estendia por doze metros, do norte para o sul, e o seu topo estava a mais de trinta metros do solo. Foi aí também que Herodes, muito a contragosto dos judeus, colocou uma colossal águia de ouro. Viu-se afinal obrigado a removê-la do recinto sagrado.
 

Afastado uns doze metros do pórtico, e do lado do nascente, ficava o altar dos holocaustos. Esse altar era maior do que o do templo de Salomão. Conta Josefo que tinha 22 e meio metros quadrados, mas outros mais conservadores afirmam que tinha apenas 15. Era construído com pedras não trabalhadas e tinha mais de cinco metros de altura. Um plano inclinado, também construído de pedras, chegava quase até aos bordos do altar.

Em torno deste, perto do topo, havia uma saliência por onde os sacerdotes podiam andar ao oferecer os sacrifícios prescritos.
 

No pavimento próximo do altar havia argolas às quais podiam ser atados os animais que iam ser oferecidos. Havia também mesas com vasos, facas e vasilhas usadas nos sacrifícios. O altar estava dotado de um sistema de escoamento, de modo que o sangue vertido ao pé do altar era conduzido à corrente, em baixo. Tudo isso era mantido escrupulosamente limpo, e até mesmo o sistema de escoamento era lavado em dias fixos.
 

Nas paredes que cercavam o pátio havia portas ou alpendres, às vezes chamados pórticos. A que ficava para o lado do nascente era chamada “alpendre de Salomão”. Os lados que ficavam ao norte, a oeste e leste, tinham alpendres duplos com duas fileiras de colunas e teto de cedro esculpido. Do lado do sul ficava o pórtico real com 162 colunas. Estas colunas eram dispostas de modo a formar três entradas, tendo as laterais nove metros de largura, e a central, 13 metros e meio. Nesses pórticos era possível realizar reuniões públicas. Era aí que a igreja primitiva se reunia quando ia orar no templo. Era o ponto de reunião comum quando o povo de Israel ia ao templo.
 

A parte do pátio mais próxima da entrada era chamada pátio dos gentios. Um parapeito de pedra separava esse pátio do resto. Nenhum gentio podia ir além desses limites. Havia sobre o parapeito a seguinte inscrição: “Nenhum estrangeiro pode passar além da balaustrada e da parede que cercam o lugar santo. Quem quer que seja apanhado violando este regulamento será responsável pela sua morte, que se seguirá.” Foi por pensar que Paulo havia transgredido esta ordenança que os judeus lançaram mão dele no templo e os romanos o prenderam. Atos 21:28. Em 1880 encontrou-se essa inscrição, que atualmente se acha num museu.
 

O templo de Herodes foi talvez o mais belo edifício que o mundo já viu. Era o orgulho dos judeus. Todavia, foi destruído. “Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada”, foram as palavras de Cristo. S. Mat. 24:2. Esta profecia teve literal cumprimento. Nenhuma pedra foi deixada.

O templo já não existe, e o seu ritual cessou. Mas as lições permanecem. Bem andaremos em estudar cuidadosamente os serviços levados a efeito no santuário terrestre. Isso nos dará uma melhor compreensão do que agora se passa no santuário celestial.
 

O santuário original e os três templos aqui mencionados tinham três coisas em comum, embora divergissem um pouco nos detalhes. Todos eles tinham dois compartimentos, o santo e o santíssimo. Todos tinham um altar de incenso, um altar dos holocaustos, uma pia, uma mesa dos pães da proposição e um castiçal. Os dois primeiros tinham uma arca, que desapareceu por volta do ano 600 antes da nossa era. O sacerdócio era sempre o mesmo, como também o eram as ofertas sacrificais. Durante mais de mil anos Israel se reuniu no santuário. Que benção lhes teria sobrevindo se houvessem discernido em seus sacrifícios o Prometido no jardim do Éden, o Cordeiro que tira o pecado do mundo! “Temamos, portanto, que, sendo-nos feita uma promessa de entrarmos no seu descanso, não haja algum de vós, porventura, que pareça ter falhado.” Heb. 4:1.

 

05.  O SACERDÓCIO

Enquanto Moisés recebia no monte instruções de Deus atinentes à construção do santuário, o povo se cansou de esperar por ele. Lá permanecia mais de um mês, e não sabiam ao certo quando havia de voltar, ou se nunca mais regressaria. “Não sabemos o que lhe sucedeu”, disseram. Por conseguinte, pediram a Aarão que lhes fizesse deuses como tinham no Egito, a fim de que os pudessem adorar e tomar parte nas festas que celebravam entre os egípcios. Aarão dispôs-se a atender ao pedido do povo, e logo um bezerro de ouro estava pronto, do qual o povo disse: “Estes são teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do Egito.” Êxo. 32:4.
 

Aarão levantou um altar, e anunciou uma festa ao Senhor. Holocaustos e ofertas pacíficas foram oferecidos “e o povo assentou-se a comer e a beber; depois levantou-se a folgar.” vs. 6. Moisés, é claro, nada sabia disso até que Deus o informou: “Depressa se tem desviado do caminho que Eu lhes tinha ordenado; fizeram para si um bezerro de fundição, e perante ele se inclinaram, e sacrificaram-lhe e disseram: “Estes são os teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do Egito.” vs. 8.
 

Sem dúvida, com o fim de provar a Moisés, Deus propõe destruir o povo e fazer do profeta uma grande nação. Mas Moisés intercede pelo povo e pede a Deus que o poupe. E Deus misericordiosamente atende à sua súplica. “Então o Senhor arrependeu-Se do mal que dissera que havia de fazer ao Seu povo.” vs. 14.
 

Evidentemente Moisés não estava preparado para contemplar o espetáculo que aos seus olhos se apresentaria ao descer do monte. E o povo gritava e dançava, o que levou Josué a concluir: “Alarido de guerra há no arraial.” vs. 17. Ao ver Moisés até que ponto Israel havia chegado, e que se entregavam às lascivas danças pagãs que haviam aprendido no Egito, “acendeu-se” o seu furor.

Acabava de receber de Deus as duas tábuas da lei contendo os dez mandamentos, escritos com o dedo de Deus, esculpidos nas tábuas. “E arremessou as tábuas das suas mãos, e quebrou-as ao pé do monte.” vs. 16 e 19.
Talvez fosse de se supor que o quebrar dessas tábuas era aos olhos de Deus um grande pecado. Sem dúvida, o ato era simbólico. Israel pecara. Quebrara a lei. Em sinal disso, Moisés quebra as tábuas que Deus acabava de lhe dar. E Deus não o reprova: unicamente torna a escrever a mesma lei sobre duas outras tábuas. Isso também tinha um significado simbólico. A lei não é destruída por ser quebrada – Deus torna a escrevê-la.
 

Era grave o pecado cometido por Israel. Deus operara grandes coisas em seu favor. Libertara-o da servidão. Abrira-lhe o Mar Vermelho. A lei fora proclamada do Sinai, por entre trovões e relâmpagos. Deus fizera com eles um concerto, e o sangue fora aspergido sobre eles e sobre o livro do concerto. E agora se haviam afastado de Deus e esquecido todas as promessas feitas. Chegara o tempo de ação decidida. É preciso que se saiba quem está do lado do Senhor, pois é claro que nem todos se desviaram. Um repto é feito por Moisés: “Quem é do Senhor venha a mim.” Israel hesita. De toda aquela vasta multidão apenas uma tribo ousa pôr-se à frente. “Então se ajuntaram a ele todos os filhos de Levi.” vs. 26.
 

Esse corajoso ato da parte da tribo de Levi certamente influiu em sua escolha para o serviço de Deus. Numa ocasião crítica souberam colocar-se ao lado do direito, e Deus os recompensou. Foram escolhidos em lugar dos primogênitos para pertencer a Deus num sentido específico e para servir no tabernáculo. Num. 3:5-13. A uma família – a de Aarão – foi confiado o sacerdócio; os demais deviam “administrar o ministério do tabernáculo” e “tenham cuidado de todos os vasos da tenda da congregação.” vs. 7 e 8. Os “sacerdotes ungidos, cujas mãos foram sagradas para administrar o sacerdócio”, estavam relacionados de um modo mais direto com os serviços divinos no tabernáculo, tais como o acender as lâmpadas; queimar incenso; oferecer todas as espécies de sacrifícios sobre o altar dos holocaustos; espargir o sangue; preparar, acondicionar o pão da proposição e dele comer; preservar a ciência e ensinar a lei. Num. 3:3; Êxo. 30:7,8; Lev. 1:5; 24:5-9; Mal. 2:7.

Os sacerdotes eram todos levitas, mas nem todos os levitas eram sacerdotes. O oficio sacerdotal foi reservado para Aarão e seus descendentes. Num. 3:1-4; Êxo. 28:1.
 

Os sacerdotes constituíam uma classe separada do resto do povo. Somente eles podiam servir no templo nos mais importantes misteres dos sacrifícios. Conquanto em tempos recuados fosse permitido a qualquer pessoa erguer um altar onde quer que desejasse, e sobre ele oferecer sacrifícios, depois se tornou lei que somente em Jerusalém se podiam oferecer sacrifícios, e que somente sacerdotes podiam oficiar. Isso deu aos sacerdotes grande poder e influência. Tinham a direção de todo o culto público do país inteiro. Cuidavam dos terrenos do templo. Unicamente por seu intermédio podia Israel ter acesso às bênçãos do concerto simbolizado pelo espargir do sangue e pela oferta do incenso. Somente eles podiam andar nos recintos sagrados do templo propriamente dito e comunicar-se com Deus.
 

Os sacerdotes tinham também a direção em muitos assuntos civis e particulares. Decidiam se o indivíduo estava ou não impuro para as cerimônias, e tinham autoridade de excluí-lo da congregação. Os casos de lepra eram submetidos a eles para exame, e sua palavra é que decidia se o indivíduo devia se banido da sociedade ou não, ou se uma casa devia ser demolida. Levítico 13 e 14. “Guarda-te da praga da lepra, e tem grande cuidado de fazer conforme a tudo o que te ensinaram os sacerdotes levitas; como lhes tenho ordenado, terás cuidado de o fazer. Lembra-te do que o Senhor teu Deus fez a Miriam no caminho, quando saíste do Egito.” Deut. 24: 8 e 9.
 

Em caso de exclusão, somente o sacerdote podia restituir o indivíduo a sua família. Tinham jurisdição sobre certos casos de suspeita de infidelidade. Num. 5:11-31. Em virtude de interpretarem as leis exerciam grande influência e autoridade em muitos assuntos relacionados com a vida diária. Em questões difíceis de legislação, os sacerdotes auxiliavam os juizes nas sentenças judiciárias, e isto não só em questões religiosas, mas também nas que eram puramente civis, “em negócios de pendências nas tuas portas”. Deut. 17:8.

Sua sentença era inapelável. O indivíduo era advertido a fazer “conforme ao mandado da lei que te ensinarem, e conforme ao juízo que te disserem.” “O homem pois que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, o tal homem morrerá: e tirarás o mal de Israel.” vs. 11 e 12. (Ver também Deut. 19:17.)
 

É fácil de se imaginar que uma corporação que dispusesse do controle do culto de uma nação, do ensino e interpretação das leis, das relações íntimas entre os indivíduos, do cumprimento das decisões legais, havia de exercer poderosa influência sobre o povo, tanto para o bem como para o mal. E se acrescentarmos a esse prestígio, as receitas de que dispunham, receitas que, pelo menos nos últimos tempos, ascendiam a elevadas somas, é de se supor que os sacerdotes se tornassem uma organização muito exclusivista.
 

Grandes eram os privilégios do sacerdócio, e de seus direitos mantidos muito ciosamente. Somente Aarão e seus descendentes podiam oficiar no culto sacrifical. Êxodo 28 e 29; Levítico 8-10; Numeros 16-18. Unicamente quem nascesse na família podia tornar-se sacerdote. Isso deu logo grande importância à questão do nascimento e aos registros genealógicos que comprovavam esse nascimento. Todo sacerdote devia provar de modo incontestável sua ascendência de Aarão. Não devia haver solução de continuidade na sucessão. Cada passo devia estar claro.
 

Cabia a certos sacerdotes a tarefa de examinar a genealogia de todos os candidatos. Mais tarde isso ficou a cargo do Sinédrio, que dedicava parte de seu tempo a esse mister. Se o sacerdote provasse satisfatoriamente seu direito genealógico ao ofício e fosse declarado apto no exame físico exigido - se não tivesse nenhum defeito físico que o incapacitasse para o cargo – era vestido de branco, e seu nome inscrito na lista oficial dos sacerdotes autorizados. É provável que Apocalipse 3:5 se fundamente nesse costume. Por outro lado, se não conseguisse satisfazer aos examinadores, era vestido de preto.
 

O defeito físico – se o registro genealógico fosse satisfatório – não excluía o sacerdote de compartilhar do sustento devido ao sacerdote do templo. Lev. 21:21-23.

Se o defeito não fosse tão manifesto, podia até servir em ocupações menos importantes, tais como providenciar a lenha usada nos serviços do altar, ou como guarda.
 

Sendo muito sagrado o ofício sacerdotal, observavam-se estritamente os regulamentos quanto à mulher com que o sacerdote podia ou não podia casar-se. Não podia casar-se com a repudiada ou divorciada. Não se podia casar com uma prostituta ou com moça deflorada. Lev. 27:7 e 8. Podia desposar unicamente a virgem pura ou uma viúva, embora o sumo-sacerdote estivesse proibido de casar-se até com a viúva. “E ele tomará uma mulher na sua virgindade. Viúva, ou repudiada, ou desonrada, ou prostituta, estas não tomará, mas virgem dos seus povos tomará por mulher.” Lev. 21:13 e 14.
 

Os sacerdotes deviam também ser muito cuidadosos quanto à contaminação cerimonial. Não deviam tocar corpo morto, salvo no caso de se tratar de parente muito chegado. Ao sumo-sacerdote até isso era negado. Lev. 21:1-3; 11. Com efeito, em todos os atos de sua vida devia o sacerdote estar consciente da necessidade de manter-se afastado de tudo o que contaminasse. E esse cuidado no tocante à contaminação física era tão somente um símbolo da maior pureza espiritual. “Santidade ao Senhor” era a senha do sacerdócio.
 

Os sacerdotes e levitas não tinham herança na terra, como se dava com as demais tribos. “Das ofertas queimadas do Senhor e da Sua herança comerão. Pelo que não terá herança no meio de seus irmãos: o Senhor é a sua herança, como lhe tem dito.” Deut. 18:1 e 2.
 

Ao invés de uma porção de terra, reservou Deus aos sacerdotes certas partes dos sacrifícios que o povo trazia. De todo animal sacrificado, exceto a oferta queimada, que era todo ela queimada sobre o altar, e de alguns outros sacrifícios, cabia ao sacerdote a espádua, as queixadas e o bucho. Deut. 18:3. Os sacerdotes também recebiam os primeiros frutos dos cereais, da videira, e óleo e lã de ovelhas. Além disso, ao sacerdote se dava farinha, oferta de manjares cozida ao forno ou na sertã, misturada com óleo ou seca. Lev. 2:3 e 10; 1; 2; 3; 4; 5; 24:5-9. Das ofertas queimadas recebiam o couro. Lev. 7:8. Em caso de guerra, certa porção do despojo também cabia ao sacerdócio, tanto em homens como em gado e ouro.

Por vezes isso atingia uma soma considerável. Num. 31:25-54. Todas as ofertas alçadas e movidas eram dos sacerdotes. Num. 18:8-11. Todas as ofertas dedicatórias eram igualmente dos sacerdotes. vs. 14.
 

O primogênito em Israel, tanto de homem como de animal, pertencia ao sacerdote, “porém os primogênitos dos homens resgatarás”, isto é, Israel devia pagar uma soma estipulada, cinco ciclos, para cada filho primogênito. vs. 15-19. No ano do jubileu, campos que não eram resgatados, ou que haviam sido vendidos e não podiam resgatados, revertiam aos sacerdotes. Lev. 27:20 e 21. Em caso de dano causado ao vizinho, quando não era possível a restituição à parte prejudicada, a ordem era que o “que se restituir ao Senhor, será do sacerdote.” Num. 5:8. A taxa regular do templo de meio ciclo para cada alma em Israel, “o dinheiro das expiações”, devia ser empregada no serviço do tabernáculo, isto é, nas despesas do serviço divino, e não ia diretamente para o sacerdote. Êxo. 30:11-16. Além das fontes de renda acima mencionadas, havia ainda outras menores, que não precisam ser aqui consideradas.
 

As receitas aqui enumeradas não incluíam o dízimo recebido pelos sacerdotes. Todo o Israel estava sob a obrigação de pagar o dízimo. Lev. 27:30-34. Esse dízimo devia ser entregue aos levitas, e a eles pertencia. Num. 18:21-24. Do dízimo que os levitas assim recebiam, deviam dar uma “oferta alçada do Senhor a Aarão, o sacerdote”. Num. 18:26-28. Parece que em tempos posteriores o dízimo foi pago diretamente aos sacerdotes. Heb. 7:5. É pensar de alguns que isso se deu ao erigir-se o segundo templo, quando poucos eram os levitas que voltaram do cativeiro, tornando-se necessário empregar os netineus em seu lugar, mas esse ponto não está bem esclarecido. Esdras 8:15-20. De qualquer modo, os sacerdotes recebiam os dízimos direta ou indiretamente do povo, e como os sacerdotes eram originalmente poucos em Numero, as receitas dessa fonte eram talvez mais do que suficientes para as suas necessidades.

Os sacerdotes eram ministros de Deus, divinamente apontados como mediadores entre Deus e os homens, particularmente autorizados a oficiar no altar e nos serviços do santuário. Nos tempos em que os livros não eram comuns, eles eram não só os intérpretes da lei, mas em muitos casos a única fonte de conhecimento dos reclamos divinos. Por seu intermédio era o povo instruído na doutrina do pecado e sua expiação, na justiça e santidade. Por seu ministério o povo era ensinado como se devia aproximar de Deus; como o perdão podia ser alcançado; como a oração se podia tornar agradável a Deus; quão inexorável é a lei; como o amor e a misericórdia prevalecem, por fim. Todo o plano da salvação lhes era esclarecido até ao ponto em que era possível ser revelado em símbolos e ofertas. Cada cerimônia visava impressionar-lhes o espírito com a santidade de Deus e as fatais conseqüências do pecado. Ensinava-lhes também a admirável provisão feita mediante a morte do cordeiro. Fosse embora um ministério de morte, era glorioso em suas promessas. Contava de um redentor, de alguém que levava o pecado, que compartilhava a carga, um mediador. Era o evangelho em perspectiva.
 

No serviço do sacerdócio três coisas se destacavam preeminentemente do resto: mediação, reconciliação, santificação. Cada uma delas merece ser destacada.
 

Os sacerdotes eram, antes de mais nada, os mediadores. Era esta a sua obra precípua. Conquanto o pecador pudesse trazer a oferta, não podia espargir o sangue ou queimar a carne sobre o altar. Nem podia comer o pão da proposição, ou oferecer incenso, ou mesmo espevitar as lâmpadas. Tudo isso outro devia fazer por ele. Embora pudesse aproximar-se do templo não podia nele entrar: embora pudesse suprir o sacrifício, não podia oferecê-lo; embora pudesse imolar o cordeiro, não podia oferecer o sangue. Deus era acessível a ele unicamente pela mediação do sacerdócio. Podia aproximar-se de Deus só por intermédio de outra pessoa. Tudo isso devia gravar-lhe na mente o fato de que necessitava alguém para interceder por ele, alguém para interferir. Isso pode ser apresentado mais vividamente ao espírito, imaginando-se uma ocorrência que muito bem pode ser real.
 

Um pagão que sinceramente deseje adorar ao verdadeiro Deus ouve que o Deus de Israel é o Deus verdadeiro, e que habita no templo de Jerusalém. Faz longa jornada e afinal chega ao sagrado lugar. Ouviu dizer que Deus habita entre os querubins no lugar santíssimo, e resolve penetrar no recinto onde possa adorar a Deus.

Mas não dá muitos passos quando é detido por um aviso que o informa de que nenhum estranho pode transpor aquele limite sem perigo de vida. Fica perplexo. Deseja adorar ao verdadeiro Deus de quem ouviu falar, e também lhe foi dito que Deus quer ser adorado. No entanto, é impedido nisso. Que poderá ser feito? Interroga um dos adoradores e é-lhe dito que necessita prover-se de um cordeiro antes de se poder aproximar de Deus. Provê-se imediatamente com o animal requerido e volta. Pode agora ver a Deus? Novamente lhe é dito que não pode entrar.
 

- Para que, afinal, é o cordeiro? Pergunta.
 

- Deve entregá-lo ao sacerdote para sacrificá-lo.
 

- Poderei então entrar?
 

- Não, pois não existe meio de jamais entrar no templo ou ver a Deus. Não é assim que se procede.
 

- Mas por que não posso ver vosso Deus? Quero adorá-Lo.
 

- Nenhum homem poderá ver a Deus e viver. Ele é santo, e somente quem é santo O pode ver. O sacerdote pode entrar no primeiro compartimento, mas existe ainda uma cortina entre ele e Deus. Somente o sumo-sacerdote pode de vez em quando entrar no santíssimo. Não poderá o senhor ir em pessoa. Sua única esperança está em que alguém ali chegue em seu lugar.
 

O homem fica profundamente impressionado. Não lhe é permitido entrar no templo. Somente quem é santo pode fazê-lo. Precisa de alguém que por ele interceda. A lição fica-lhe gravada profundamente na alma: não pode ver a Deus; precisa de um mediador. Somente assim podem os pecados ser perdoados e a reconciliação efetuada.
 

Todo o ritual do santuário se baseia na obra de mediação. O pecador podia trazer o cordeiro; podia matá-lo; mas o rito só seria eficaz se houvesse um mediador que aspergisse o sangue e ofertasse o sacrifício.
 

A segunda característica preeminente do rito era a reconciliação. O pecado afasta de Deus. É ele que encobre o Seu rosto de nós, e impede que nos ouça. Isa. 59:2.

Mas por intermédio das ofertas queimadas e do incenso que ascendia com as orações, era possível a aproximação de Deus. Era restaurada a comunhão e efetuada a reconciliação.
 

Ao passo que a mediação era o fim precípuo do sacerdócio, a reconciliação era o desígnio dos sacrifícios oferecidos diariamente durante o ano. Por meio deles, eram restabelecidas as cordiais relações entre Deus e o homem. O pecado separava; o sangue unia. Isso era realizado pelo ministério do perdão. Fora afirmado que quando toda a congregação houvesse pecado e trouxesse sua oferta pela culpa; quando os anciãos pusessem as mãos sobre a oferta fazendo sincera confissão do pecado, “lhe será perdoado o pecado”. Lev. 4:20. E a ordem continua afirmando que quando um príncipe houvesse pecado e cumprisse com as exigências, ser-lhe-ia perdoado. vs. 26. A promessa atingia também qualquer pessoa do povo em geral: “E lhe será perdoado o pecado.” vs. 31 e 35. Pelo pecado, viera a separação; mas daí por diante tudo estava perdoado.
 

Somos reconciliados com Deus pela morte de Seu filho. Rom. 5:10. A reconciliação é efetuada pelo sangue. II Crôn. 29:24. Dia após dia o sacerdote entrava no primeiro compartimento do santuário para comungar com Deus. Havia ali o incenso santo que penetrava além do véu até o santíssimo; ali estava o castiçal que era um emblema dAquele que é a luz do mundo; a mesa do Senhor convidando à comunhão; e a aspersão do sangue. Era um lugar de aproximação de Deus, de comunhão. Por intermédio do ministério do sacerdote o perdão era concedido, efetuada a reconciliação, e o homem posto em comunhão com Deus.
 

O terceiro aspecto importante do ritual do santuário é o da santificação, ou santidade. O pecado que acariciamos no coração revela a distancia que nos separa de Deus. O estranho só podia entrar no pátio do templo. A alma penitente devia aproximar-se do altar. O sacerdote podia penetrar no lugar santo. Só o sumo-sacerdote – e isso apenas um dia no ano, e depois de ampla preparação – podia entrar no lugar santíssimo. Vestido de branco podia aproximar-se com tremor do trono divino. E mesmo assim, o incenso devia ocultá-lo parcialmente.

Aí podia ministrar não simplesmente como alguém que buscava perdão do pecado, mas lhe era permitido suplicar resolutamente que fosse apagados.
 

O ritual diário que se processava durante o ano inteiro, simbolizado pelo ministério do primeiro compartimento, não era completo em si. Precisava ser completado e arrematado pelo do segundo compartimento. O perdão só é concedido depois da transgressão. A ofensa já fora praticada. Deus perdoa o pecado. Mas seria melhor que o pecado não houvesse sido cometido. Para isso nos é concedido o poder de Deus. Não basta simplesmente perdoar a transgressão depois de cometida. Deve existir um poder que guarde do pecado. “Vai-te, e não peques mais”, é a possibilidade do evangelho. Mas “não pecar mais” é santificação. Esta é o fim da salvação. O evangelho não está completo sem ela. Devemos entrar com Cristo no santíssimo. Alguns farão isso. Seguirão o Cordeiro aonde quer que eu vá. Serão irrepreensíveis e imaculados. “São irrepreensíveis diante do trono de Deus.” Apoc. 14:5. Pela fé penetram no segundo compartimento.

 

06.  SACERDOTES E PROFETAS

O templo e o seu ritual eram para Israel uma admirável lição objetiva. Seu propósito era instruir sobre a santidade de Deus, sobre a pecaminosidade do homem e o caminho para Deus. Uma das importantes lições do sistema sacrifical consistia em ensinar o sacerdote e o povo a aborrecer o pecado e a fugir dele. Quando um homem inadvertidamente pecava ou errava, precisava trazer ao templo uma oferta pelo pecado. O primeiro requisito no ritual do sacrifício consistia em pôr as mãos sobre o animal, confessando o pecado o transgressor. A seguir, com suas próprias mãos devia ele matar o animal. Depois, o sacerdote devia tomar o sangue e pô-lo sobre as pontas do altar do holocausto. As vísceras eram então queimadas com a gordura sobre o altar, e parte da carne era comida pelo sacerdote no lugar santo.
 

Visava isso ensinar a repulsa pelo pecado. Queria Deus que essa aversão ao pecado fosse tão grande que os homens procurassem não mais pecar. Nenhuma pessoa normal tem prazer em matar um animal inocente, e isso de um modo especial se compreender que é por causa dos seus pecados que o animal deve morrer. Um sacerdote normal certamente não se deleitaria no serviço de sangue que devia efetuar por causa do pecado. Permanecer o dia inteiro lidando com animais mortos, mergulhando no sangue os dedos ou a mão, e espargindo-os sobre o altar, não podia ser coisa muito atrativa ou agradável. Deus mesmo diz que não folga “com sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes”. Isaias 1:11. Nem o verdadeiro sacerdote teria prazer nisso.
O sistema sacrifical concedia aos sacerdotes excelente oportunidade de ensinar o plano da salvação aos transgressores. Quando o pecador trazia a sua oferta, talvez o sacerdote dissesse: “Estou triste por haverdes pecado, e estou certo de que vós também estais. Mas Deus proveu o perdão para o pecado. Trouxeste aqui uma oferta. Ponde as mãos sobre a oferta e confessai vosso pecado a Deus...

Matareis depois o inocente cordeiro, e eu tomarei o sangue e por vós farei expiação da culpa. O cordeiro que ireis matar simboliza o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O Messias há de vir e dar Sua vida pelos pecados do povo. Pelo Seu sangue sois perdoados. Deus aceita vossa penitência. Ide, e não mais pequeis”.
 

Mediante esse solene ritual, o indivíduo ficaria profundamente impressionado com a terribilidade do pecado, e deixaria o templo com a firme determinação de não pecar outra vez. O ato de matar um animal ensinar-lhe-ia, melhor de que qualquer outra coisa, que o pecado significa morte, e que quando alguém peca, o cordeiro precisa morrer.
 

Belo e impressionante como era esse ritual, podia ser pervertido. Se o pecador concebesse a idéia de que a oferta era pagamento pelo pecado que cometera, e que se tão somente trouxesse uma oferta cada vez que pecasse tudo estaria bem, teria uma concepção inteiramente errônea do propósito divino. No entretanto, foi essa a idéias que muitos chegaram a ter das ordenanças. Achavam que seus sacrifícios eram o pagamento por seus pecados, e que se pecassem de novo, outro sacrifício expiaria a culpa. O arrependimento e a verdadeira tristeza se tornaram raros. O povo chegou a crer que fosse qual fosse o pecado, podia ser expiado por uma oferta. Com a apresentação de sua oferta, julgavam que tudo estava feito.
 

Muitos dos sacerdotes favoreciam essa atitude da parte do povo. O pecado não era detestado aos seus olhos como Deus pretendia que o fosse. Era uma dívida que podia ser paga com o oferecimento de um cordeiro que, em geral, custava apenas pequena soma. O resultado foi que se chegou a pensar que “milhares de carneiros”e “dez mil ribeiros de azeite” haviam de agradar ao Senhor. Miquéias 6:7
 

A remuneração dos sacerdotes que oficiavam no santuário e, mais tarde, no templo, provinha, em grande parte, dos sacrifícios oferecidos pelo povo. Os sacerdotes passaram a ver os sacrifícios como uma fonte de renda. Os levitas, que eram os arrecadadores do dízimo pago por Israel, pagavam, por sua vez, o dízimo de suas receitas para sustento dos sacerdotes. Números 18:21 e 26-29; Neemias 10:38.

Além disso, os sacerdotes deviam ficar com uma parte da maioria dos sacrifícios oferecidos. Das ofertas queimadas deviam receber o couro; da maior parte das ofertas pelo pecado e pelas ofensas, tanto o couro como parte da carne. Também recebiam parte das ofertas queimadas e dos sacrifícios pacíficos – farinha, óleo, cereais, vinho, mel e sal – bem como ofertas por ocasiões especiais. Isso independente do dízimo que recebiam dos levitas.
 

Dos sacrifícios pelos pecados comuns, o sacerdote devia comer uma parte: “Esta é a lei da expiação do pecado: no lugar onde se degola o holocausto se degolará a expiação do pecado perante o Senhor; coisa santíssima é. O sacerdote que a oferecer pelo pecado a comerá”. Levíticos 6:25 e 26. Essa era, por assim dizer, uma refeição sacrifical. Ao comer essa carne o sacerdote tomava o pecado sobre si, e assim o carregava.
 

Essa ordenança, contudo, foi pervertida. Alguns dos sacerdotes corruptos viram perfeitamente que quanto mais o povo pecasse e quanto mais ofertas pelo pecado e ofensas trouxesse, tanto maior porção lhes caberia. Chegaram ao ponto de animar o povo a pecar. Está escrito acerca dos sacerdotes corruptos: “Alimentam-se do pecado do Meu povo, e da maldade dele têm desejo ardente”. Oséias 4:8. Afirma este texto que os sacerdotes, ao invés de admoestar o povo e insistir em que deixasse o pecado, tinham “desejo ardente” de sua maldade, e almejavam que pecasse outra vez e voltasse com outra oferta pelo pecado. Para o sacerdote existia vantagem financeira em que fossem trazidas muitas ofertas pelo pecado, pois cada oferta lhes aumentava as receitas. Ao tornar-se mais corrupto o sacerdócio, mais acentuada se tornou a tendência para animar o povo a trazer ofertas.
 

Um comentário interessante que nos revela até que ponto alguns sacerdotes haviam pervertido as ordenanças, é nos dado no segundo capítulo de Primeiro Samuel: “O costume daqueles sacerdotes com o povo era que, oferecendo alguém algum sacrifício, vinha o moço do sacerdote, estando-se cozendo a carne, com um garfo de três dentes em sua mão; e dava com ele na caldeira, ou na panela, ou no caldeirão, ou na marmita: e tudo quanto o garfo tirava, o sacerdote tomava para si: assim faziam o todo o Israel que ia ali a Silo.

Também antes de queimarem a gordura vinha o moço do sacerdote, e dizia ao homem que sacrificava: Dá essa carne para assar ao sacerdote: porque não tomará de ti carne cozida, senão crua. E, dizendo-lhe o homem: Queimem primeiro a gordura de hoje, e depois toma para ti quanto desejar a tua alma, então ele lhe dizia: Não, agora a hás de dar, e, se não, por força a tomarei”. I Samuel 2:13-16.
 

Isso revela a degradação do sacerdócio já na primeira fase de sua existência. Deus ordenara que a gordura fosse queimada sobre o altar, e que se a carne fosse comida, devia ser fervida. Os sacerdotes, contudo, desejavam a sua porção crua com a gordura, de modo que a pudessem assar. Deixara de ser uma oferta sacrifical, para tornar-se, em vez disso, uma festa de glutonaria. E o seguinte comentário é feito: “Era pois muito grande o pecado destes mancebos perante o Senhor, porquanto os homens desprezavam a oferta do Senhor”. I Samuel 2:17.
 

Essa tendência dos sacerdotes de animar o povo a trazer sacrifícios pelo pecado, ao invés de afastar-se dele, com o passar dos anos foi-se tornando mais manifesta. No tabernáculo a princípio erguido por Moisés, o altar dos holocaustos era pequeno, pois tinha apenas cinco cúbitos quadrados. No templo de Salomão foi aumentado em vinte cúbitos, ou sejam cerca de 9 metros. No templo de Herodes ainda era maior, embora não se saiba ao certo qual era seu tamanho exato. Afirma um relato que tinha trinta cúbitos ou sejam 13m,50 quadrados, e Josefo conta que tinha cinqüenta cúbitos ou 22m,50 quadrados. De qualquer modo, parece que o altar dos holocaustos era sempre aumentado para acomodar as ofertas postas sobre ele.
 

Chegou, por fim, o tempo em que Deus precisou fazer alguma coisa, ou, em caso contrário, todo o ritual do santuário seria corrompido. Por isso Deus permitiu que o templo fosse destruído, e muitos do povo foram levados cativos para Babilônia. Privados do templo, os serviços naturalmente cessariam. A atenção do povo seria despertada para a significação espiritual das ordenanças que tantas vezes haviam presenciado, mas que já não mais existiam. Em Babilônia não mais existia holocausto nem oferta pelo pecado, nem a solene festa do Dia da Expiação. Israel pendurou suas harpas nos salgueiros.

Passados setenta anos de cativeiro, Deus lhes permitiu voltar à terra natal e reconstruir o templo. Esperava que houvessem aprendido a lição.
 

Mas isso não se dera. O altar dos holocaustos foi feito maior do que antes. O povo se apegou ainda mais firmemente às meras formas e ritos do templo e seus serviços sacrificais, e não atendeu à mensagem profética segundo a qual “obedecer é melhor do que sacrificar”. I Samuel 15:22. As receitas dos sacerdotes provindas das ofertas se tornaram grandes; tão grandes, com efeito, que o dinheiro acumulado no templo constituía um dos mais vastos tesouros da antigüidade, e os sacerdotes se tornaram banqueiros.
 

Por ocasião de festas como a Páscoa; Jerusalém ficava repleta de peregrinos judeus que vinham tanto da Palestina como de outras terras. É nos dito que de uma vez houve um milhão de visitantes na cidade. A Israel fora ordenado que não aparecesse de mãos vazias perante o Senhor, de maneira que, está visto, todos os peregrinos traziam ofertas. Deut. 16:16. Para os sacerdotes era humanamente impossível oferecer todos os sacrifícios necessários para satisfazer a todo o povo. Em virtude desse fato foram animados a transformar suas ofertas em dinheiro para o templo, com o qual os sacerdotes ofereceriam, segundo as suas conveniências, o sacrifício que o dinheiro requeria. Logo se achou que era mais fácil e seguro não levar de casa o animal para o sacrifício. O ofertante corria não só o risco de ver o animal rejeitado pelo sacerdote por causa de algum defeito, real ou imaginário, ma podia ter ainda prejuízo maior, pois não era fácil vender um animal que havia sido rejeitado pelos sacerdotes. Para alguns fins somente o dinheiro do templo podia ser usado, o que tornava necessária uma transação de câmbio. A troca de dinheiro comum por dinheiro do templo era outra fonte de volumosas receitas para o sacerdócio.
 

Os sacerdotes estavam divididos em vinte e quatro turnos, e cada um deles devia servir durante uma semana de cada vez, duas vezes por ano. Ao revestir-se de caráter político o ofício do sumo-sacerdote, e ao ser ele designado pelo governo, a corrupção se generalizou. Ao tornar-se um cargo muito lucrativo, o ofício do sumo-sacerdote foi posto em leilão, e era vendido ao que fizesse melhor oferta. Para reaver o dinheiro gasto, o sumo-sacerdote controlava a escolha dos turnos; e eram chamados para servir em Jerusalém ao tempo das festas os sacerdotes que repartissem com os oficiais as enormes receitas que entravam nessas ocasiões. De novo prevaleceu a corrupção, e muitos eram os sacerdotes chamados ao templo por ocasião das grandes festas, somente porque se dispunham a repartir o espólio com os oficiais superiores. Alterou-se a ordem em que os sacerdotes deviam servir no templo, e todo o pleno de Deus corrompeu-se. A expressão de Cristo mais tarde, “um covil de ladrões”, não era simples expressão poética; era de fato uma realidade.
 

Está visto que não se chegou a essa situação abruptamente. Foi depois de séculos haverem transcorrido que a corrupção atingiu os extremos aqui descritos. Foi relativamente cedo, contudo, que os abusos começaram a aparecer, conforme evidencia a passagem do livro de Samuel, citada no princípio deste capítulo.
 

Ao assim perderem de vista o propósito original das ofertas, pervertendo o plano de Deus com respeito aos sacrifícios, tornou-se necessário enviar advertência aos sacerdotes. Para esse fim, Deus usou os profetas. Desde o início, a mensagem dos profetas ao Seu povo era: “Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do Senhor? eis que o obedecer é melhor do que sacrificar: e o atender melhor é do que a gordura de carneiros”. I Sam. 15:22.
 

Para alguns dos sacerdotes que estavam apostatando, parecia sobrevir uma calamidade se o povo deixasse de pecar; pois nesse caso cessariam as ofertas pelo pecado. É a isso que se refere o autor da epístola aos hebreus quando diz: “Porque, sendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam. Doutra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque, purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado”. Heb. 10:1 e 2.
 

O Antigo Testamento pode ser melhor compreendido, quando a luta entre o sacerdote e o profeta é esclarecida. Era uma luta trágica, que terminava, muitas vezes, com a vitória dos sacerdotes. O profeta é o porta-voz de Deus.

O povo pode errar e o sacerdote também. Deus, todavia, não fica sem uma testemunha. Em tais circunstâncias, envia um profeta ao Seu povo para reconduzi-lo ao bom caminho.
Facilmente se pode supor que os profetas não eram muito populares entre os sacerdotes. Ao passo que os sacerdotes ministravam no templo dia após dia, convidando o povo a trazer seus sacrifícios, os profetas podiam receber ordens de Deus para se colocarem próximo à porta do templo e advertir o povo a não trazer mais ofertas. Acerca de Jeremias está escrito: “A palavra que foi dita a Jeremias pelo Senhor, dizendo: Põe-te à porta da casa do Senhor, e proclama ali esta palavra, e dize: Ouvi a palavra do Senhor, todos os de Judá, os que entrais por estas portas, para adorardes ao Senhor. Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus d’Israel: Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras, e vos farei habitar neste lugar. Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este”. Jer. 7:1-4.
 

Vêm depois outras advertências dos profetas ao povo para que corrija os seus caminhos e não confie em palavras mentirosas. “Furtareis vós, e matareis, e cometereis adultério, e jurareis falsamente?” diz o Senhor por intermédio do profeta, “e então vireis, e vos poreis diante de Mim nesta casa, que se chama pelo Meu nome, e direis: Somos livres, podemos fazer todas estas abominações?” vs. 9-11. E acrescenta significativamente: “Porque nunca falei a vossos pais, no dia em que vos tirei da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma acerca de holocaustos ou sacrifícios. Mas isto lhes ordenei, dizendo: Daí ouvidos à Minha voz, e Eu serei o vosso Deus, e vós sereis o Meu povo; e andai em todo o caminho que Eu vos mandar, para que vos vá bem”. vs. 22 e 23.
 

Ouçamos o que Isaias nos tem a dizer: “De que Me serve a Mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura d’animais nédios; e não folgo com o sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecerdes perante Mim, quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis pisar o Meus átrios? Não tragais mais ofertas debalde: o incenso é para Mim abominação e as luas novas, e os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade, nem mesmo o ajuntamento solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades as aborrece a Minha alma; já Me são pesadas: já estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os Meus olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos Meus olhos: cessai de fazer mal: aprendei a fazer bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido: fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas”. Isa. 1:11-17.
 

Notemos estas vigorosas expressões: “Estou farto dos holocaustos de carneiros”; “quem requereu isto de vossas mãos?” “não folgo com o sangue de bezerros”; “não tragais mis ofertas debalde”; “o incenso é para Mim abominação”; “as vossas solenidades as aborrece a Minha alma”; “já estou cansado de as sofrer”; “as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue”.
 

Amós diz: “Aborreço, desprezo as vossas festas... Ainda que Me ofereçais holocaustos, e ofertas de manjares, não Me agradarei delas: nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos”. Amós 5:21 e 22.
 

Miquéias, no mesmo diapasão, pergunta: “Com que me apresentarei ao Senhor e me inclinarei ante o Deus altíssimo? Virei perante Ele com holocaustos? com bezerros de um ano? Agradar-Se-á o Senhor de milhares de carneiros? De dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão? O fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma?” Miquéias 6:6 e 7. E responde à pergunta deste modo: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; que é que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência, e andes humildemente com o teu Deus?” vs. 8.
 

O último profeta do Velho Testamento diz: “Agora, ó sacerdotes, este mandamento vos toca a vós”. Vós vos desviastes do caminho, a muitos fizestes tropeçar na lei: corrompestes o concerto de Levi, diz o Senhor dos exércitos. Por isso também Eu vos fiz desprezíveis, e indignos diante de todo o povo, visto que não guardastes os Meus caminhos, mas fizestes acepção de pessoas”. Mal. 2:1, 8 e 9.


Andou bem Davi quando disse; “Porque Te não comprazes em sacrifícios, senão eu os daria; Tu não Te deleitas em holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus”. Sal. 51:16 e 17.
 

Dificilmente poderia Deus ter usado palavras mais vigorosas do que as empregadas para repreender tanto os sacerdotes como o povo, mas isso é perfeitamente justificável. Os sacerdotes haviam corrompido o concerto. Tinham ensinado o povo a pecar, e o fizeram crer que uma oferta ou sacrifício servia de pagamento pelo pecado. Mereciam a reprovação do Senhor, que a tinha enviado pelos Seus profetas. Os resultados foram os que se podiam esperar nessas circunstâncias. Um amargo ressentimento contra os profetas surgiu entre muitos dos sacerdotes. Odiavam os homens que eram enviados para repreendê-los. Muitas das perseguições movidas contra os profetas no Antigo Testamento foram chefiadas ou instigadas pelos sacerdotes. Perseguiram-nos, torturaram-nos e mataram-nos. Não foi só o povo, mas sim os sacerdotes, que se opuseram e perseguiram aos profetas.
 

Os oponentes de Cristo eram sempre os sacerdotes, os escribas e os fariseus. A eles Cristo dirigiu Suas mais incisivas palavras de reprovação: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos, e dizeis: Se existíssemos no tempo de nossos pais, nunca nos associaríamos com eles para derramar o sangue dos profetas. Assim, vós mesmos testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. Enchei vós pois a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Portanto, eis que Eu vos envio profetas, sábios e escribas; e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vos caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre esta geração”. Mat. 23:29-36.
 

Cristo foi profeta. Como tal, fez soar a mensagem profética: ”Obedecer é melhor do que sacrificar”. “Vai-te, e não peques mais”,

Foi o caminho que apontou. João 8:11. Oferecendo-SE sobre o calvário tornou sem valor o sistema sacrifical. Pessoalmente, Cristo não ofereceu sacrifício algum. Ele não pecou; e, ensinando os homens a não pecar, feriu o cerne da perversão sacerdotal. Conquanto Cristo fosse cuidadoso em não ofender sem necessidade, e mandasse os leprosos nos sacerdotes para certificação (Lucas 17:14), não passou despercebido aos oficiais que Ele não foi visto no templo com a oferta costumeira. Sentiam que Sua mensagem era uma reprovação a suas práticas, e alegraram-se quando encontraram uma acusação contra Ele em Suas divulgadas palavras acerca do templo. Mateus 26:61. Os sacerdotes odiavam a Cristo e, em chegando o tempo, seguiu Ele a longa procissão de nobres heróis dentre os profetas, dando Sua vida. Os sacerdotes rejeitaram a mensagem profética. Foram eles que em realidade causaram a crucifixão de Cristo. Enchiam com isso a faça da iniqüidade. Acreditavam nos sacrifícios pelo pecado e que por esse meio podiam obter perdão. A mais ampla mensagem de vitória sobre o pecado – a mensagem profética – muitos dos sacerdotes não a compreendiam, ou pelo menos não a ensinavam.
 

Não se deve pensar, todavia, que todos os sacerdotes eram ímpios. Muitos homens fiéis se encontravam entre eles. Houve entre eles profetas como Ezequiel. Era desígnio de Deus que cada sacerdote tivesse o espírito profético e fizesse soar a mensagem profética. No plano divino não basta procurar remediar as coisas depois de se haver cometido mal. É muito melhor evitar o mal do que procurar remedia-lo. É admirável alguém se levantar do pecado e da degradação, mas ainda mais admirável é ser guardado de cair. “Vai-te, e não peques mais”, é a verdadeira mensagem profética. Obedecer é melhor do que sacrificar. Todo verdadeiro servo de Deus deve fazer soar esta mensagem, se é que deseja cumprir o conselho divino. Deus sempre precisou de profetas. São Seus mensageiros para corrigir o erro. Ao surgirem entre o povo de Cristo tendências que por fim levarão ao desastre, Deus envia Seus profetas para corrigir essas tendências e advertir o povo.
 

A lição para este tempo não deve ser perdida. A obra do profeta não estará terminada, enquanto a obra do Senhor na terra não estiver concluída.

Deus quer que Seus Ministros façam soar a mensagem profética. Ao surgirem abusos, uma voz deve soar, conclamando o povo a voltar para os retos caminhos do Senhor. E cada mensagem assim deve ser seguida da clarinada que convida à abstinência do pecado, à santificação, à santidade. Disse o profeta: “Obedecer é melhor do eu sacrificar”. Cristo disse: “Vai-te e não peques mais”. Todo ministro deve exemplificar esta doutrina em sua vida e ensiná-la com seus lábios. Sempre que deixe de assim proceder, não vive à altura de seu elevado privilégio. É agora o tempo de enviar a mensagem profética até os confins da terra. Foi esta a ordem de Cristo quando nos confiou a grande comissão evangélica de ensinar todas as nações e batizá-las, “ensinando-as a guardar todas as coisas que Eu vos tenho mandado”. Mat. 28:20. Essa ordem – de observar todas as coisas – está a par com a mensagem profética, de que obedecer é melhor do que sacrificar. Uma vez feita esta obra, o fim virá.

 

07.  A CONSAGRAÇÃO DE AARÃO E SEUS FILHOS

As vestes dos sacerdotes tinham significação simbólica, como, aliás, tinha a maioria das coisas concernentes ao santuário. Isto se verificava especialmente quanto ao sumo-sacerdote, encarnação do povo, e seu representante. A respeito das vestes, está escrito o seguinte: “Estes pois são os vestidos que farão: um peitoral, e um éfode, e um manto, e uma túnica bordada, uma mitra, e um cinto: farão pois vestidos santos a Aarão teu irmão, e a seus filhos, para Me administrarem o ofício sacerdotal”. Êxodo 28:4. Além destes são mencionadas ceroulas de linho, em Levítico 16:4, e a coroa da santidade em Êxodo 29:6; 28:36-38.
 

O peitoral mencionado em primeiro lugar, era uma peça em “quadrado e dobrado” suspensa sobre o peito da cadeiasinhas. Neste peitoral havia quatro ordens de pedras preciosas de três cada uma, com os nomes dos filhos de Israel gravados sobre elas, um nome em cada pedra. Êxodo 28:31. Esta peça do vestuário chamava-se “peitoral do juízo”, e Aarão devia trazê-la “sobre o seu coração, quando” entrasse “no santuário”. vs. 29. No peitoral também se dizem está Urim e Tumim, aquelas duas misteriosas pedras que indicavam o agrado e o desagrado do Senhor quando O consultavam em tempos de necessidade. Lev. 8:8; Êxo. 28:30; I Sam. 28:6. Pelo fato de se dizer que elas estavam no peitoral, alguns tem suposto que se achassem um bolso aí posto para este fim. Parece preferível crer, no entanto, que elas fossem colocadas de maneiras preeminente no peitoral, como as outras pedras, uma do lado direito, outra do lado esquerdo, bem à vista.
 

O éfode era uma curta peça de vestuário feita de “ouro, e de azul, e de púrpura, e de carmesim, e de linho fino torcido, de obra esmerada”. Êxo. 28:6. Não tinha mangas, e pendia para baixo, tanto no peito como nas costas. Nas ombreiras achavam-se duas pedras sardônicas com os nomes dos filhos de Israel gravados, seis nomes em cada pedra.

“E porás as duas pedras nas ombreiras do éfode, por pedras de memória paras os filhos de Israel: e a Aarão levará os seus nomes sobre ambos os seus ombros, para memória diante do Senhor” Êxo. 28:12.
Sob o éfode havia longo manto de linho azul, sem mangas, e inconsútil. Ao redor, as bordas, havia romãs de azul, e de púrpura, e de carmesim. “E campainhas de ouro no meio delas ao redor... E estará sobre a Aarão quando ministrar, para que se ouça o seu sonido, quando entrar no santuário diante do Senhor, e quando sair, para que não morra”. vs. 33 a 35. Sob o manto do éfode achava-se a túnica ordinária de linho dos sacerdotes, e a ceroulas de linho.
 

O cinto do sumo-sacerdote era feito de ouro, azul, púrpura e carmesim, da mesma maneira que o éfode; o do sacerdote, de linho branco bordado de azul, púrpura e vermelho. Era colocado sobre o manto do éfode, um tanto para cima, servindo para prender a roupa. Êxo. 35:5; 29:5.
 

Os sacerdotes usavam a túnica de linho branco, as ceroulas, o cinto e a mitra. O sumo-sacerdote usava além disso o éfode, o manto do éfode, o peitoral e a coroa sobre a mitra, e mais, naturalmente, as pedras preciosas com os nomes de Israel nelas gravadas, e o Urim e Tumim.
 

As vestes de Aarão eram “para glória e ornamento”. Êxo. 28:2. As vestes ordinárias do sacerdote que ele usava sob as roupas de sumo-sacerdote, eram simbólicas da pureza interior, e também de utilidade. As que eram estritamente do sumo-sacerdote, serviam de glória e beleza, sendo, um sentido especial, simbólicas.
 

As vestimentas usadas por Aarão não foram escolhidas por ele. Foram prescritas. Eram “vestidos santos”, feitos por aqueles que eram “sábios de coração a quem Eu tenha enchido do espírito da sabedoria, que façam vestidos a Aarão para santificá-lo: para que Me administrem o ofício sacerdotal”. Êxo. 28:3. Na cor e no peitoral se harmonizavam com o próprio tabernáculo, sendo adornados de pedras preciosas.
 

“E farão éfode de ouro”. “E o cinto de obra esmerada do seu éfode, que estará sobre ele, será da mesma obra”. “Farás também o peitoral do juízo... de ouro. Também farás o manto do éfode todo de azul... e campainhas de ouro”. Êxo. 28:6, 8, 15, 31 e 33.

Se bem que estas vestimentas fossem feitas de diversos materiais, o ouro formava parte preeminente delas. Se as vestes se acrescenta a coroa de ouro sobre a mitra, sobre a qual estava escrito: “Santidade ao Senhor”, as doze pedras preciosas com os nomes de Israel nelas gravadas, e as duas pedras sardônicas, tendo também o nome de Israel, e afinal, Urim e Tumim; o efeito do conjunto deve ter sido glorioso e belo. Ao mover-se o sumo-sacerdote, lenta e dignamente, de um lugar para outro, a luz solar se refletia nas dezesseis pedras preciosas, as campainhas produziam um som musical, e o povo era profundamente impressionado com a solenidade e a beleza do culto de Deus.
 

O sumo-sacerdote, em sua posição oficial, não era simplesmente um homem. Era uma instituição; era um símbolo, não representava meramente a Israel era sua própria encarnação. Levava o nome Israel nas duas pedras sardônicas “nas ombreiras do éfode, por pedras de memória”; levava-os nas doze pedras preciosas “no peitoral do juízo no seu coração”; levava “o juízo dos filhos de Israel sobre o seu coração diante do Senhor continuamente”. Êxo. 28:30. Assim levava Israel tanto sobre os ombros, como sobre o coração. Sobre os ombros levava o fardo de Israel; no peitoral significando a sede das afeições e do amor – o propiciatório – levava a Israel. No Urim e Tumim – isto é “as luzes e as perfeições (Ver a margem) – ele levava “o juízo dos filhos de Israel sobre o seu coração”; na coroa de ouro sobre a mitra, tendo a inscrição “santidade ao Senhor”, levava “a iniqüidade das coisas santas, que os filhos de Israel santificarem em todas as ofertas”, e isto “para que tenham perfeita aceitação perante o Senhor”. vs. 36-38.
 

O sumo-sacerdote devia agir pelos homens nas coisas pertencentes a Deus, “para expiar os pecados do povo” (Heb. 2:17). Era o mediador que ministrava pelo culpado. “O sumo-sacerdote representava todo o povo. Todos os israelitas eram considerados como nele estando. A prerrogativa gozada por ele pertencia a todo o povo (Êxo. 19:6),.. (vitringa)”. Que o sumo-sacerdote representava toda a congregação se vê, primeiro pelo fato de levar sobre si o nome das tribos gravadas nas pedras sardônicas que trazia nos ombros, e segundo, pelos mesmos nomes gravados nas doze pedras preciosas do peitoral. A divina explicação dessa representação dupla de Israel, na vestimenta do sumo-sacerdote, é que ele “levará os seus nomes sobre ambos os seus ombros, para memória diante do Senhor” (Êxo. 28:12 e 19). Além disso, ele cometendo pecado odioso, envolvia o povo em sua culpa: “se o sacerdote ungido pecar para escândalo do povo” (Lev. 4:3). A versão dos Setenta reza: “se o sacerdote ungido pecar de modo a trazer pecado sobre o povo”. O sacerdote ungido, naturalmente, é o sumo sacerdote. Quando ele pecava, o povo pecava. Sua ação oficial era reputada como sendo deles. A nação inteira partilhava do pecado do seu representante. O contrário também verificar-se. O que ele fazia na sua função oficial, segundo era previsto pelo Senhor, era considerado como sendo feito por toda a congregação: “todo sumo-sacerdote... é constituído a favor dos homens” (Heb. 5:1). – The International Standard Bible Encyclopaedia, pág. 2439.
 

O caráter representativo do sumo-sacerdote deve ser salientado. Adão era o representante do homem. Quando ele pecou, pecou o mundo, e a morte passou a todos os homens. Rom. 5:12. “Pela ofensa de um só, a morte reinou”; “pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores”. vs. 17 e 19.
 

Semelhantemente, Cristo, sendo o segundo homem e o último Adão, era o representante do homem. “Está também escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente: o último Adão em espírito vivificante”. “O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu”. I Cor. 15:45 e 47. “Assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação devida”. Rom. 5:18. “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justo”. Rom. 5:19. “Porque assim como todos morrem em Adão, assim também serão vivificados em Cristo”. I Cor. 15:22.
 

Sendo o sumo-sacerdote, em sentido especial, uma figura de Cristo, era também o representante do homem. Ele figurava por todo o Israel.

Levava-lhes as cargas e os pecados. Levava a iniqüidade de todas as coisas santas. Levava-lhes o juízo. Quando ele pecava, Israel pecava. Quando fazia expiação por si mesmo, Israel era aceito.
 

A consagração de Aarão e seus filhos o sacerdócio foi uma ocasião muito solene. O primeiro ato, era um banho. “Então fará chegar Aarão e seus filhos à porta da tenda da congregação, e os lavarás com água”. Êxo. 29:4. Os sacerdotes não se lavavam a si mesmos. Sendo um ato simbólico, figura da regeneração, não se podia lavar a si mesmo. Tito 3:5.
 

Estando lavado, Aarão era então revestido de seus trajes de beleza e de glória. “Depois tomarás os vestidos, e vestiras a Aarão da túnica e do manto do éfode, e do éfode mesmo, e do peitoral e do peitoral: e o cingirás com o cinto de obra de artífice do éfode. E a mitra porás sobre a sua cabeça: a coroa da santidade porás sobre a mitra”. Êxo. 29: 5 e 6. Notai outra vez que Aarão não se vestiu a si mesmo daqueles trajes. Foram-lhe vestidos. Como eram simbólicos das vestes da justiça, ele não se podia vestir a si mesmo. “Vistam-se os Teus sacerdotes de justiça, e alegra-te os Teus santos”. Sal. 132:9. “Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus: porque me vestiu de vestidos de salvação, me cobriu com o manto justiça, como o noivo que se adorna de atavios, como a noiva que se enfeita com as suas jóias”. Isa. 61:10.
 

Aarão está agora pronto. Tem por baixo a túnica branca, o longo manto azul, com campainhas e romãs, o éfode com as duas belas pedras sardônicas com os nomes dos filhos de Israel nelas gravados, o peitoral com as doze pedras e Urim e Tumim, a mitra e a coroa de ouro com a inscrição: “Santidade ao Senhor”. Está lavado, limpo, vestido; todavia ainda não está pronto para oficiar. Vem em seguida a unção. O óleo santo é lhe derramado sobre a cabeça por Moisés. “E tomarás o azeite da unção, e o derramarás sobre a sua cabeça: assim o ungirás”. Êxo. 29:7. Não somente Aarão é ungido, mas também o tabernáculo. “Então Moisés tomou o azeite da unção, e ungiu o tabernáculo, e ungiu o altar e todos os seus vasos, como também a pia e a sua base, para santificá-los”. Lev. 8:10 e 11. Essa unção incluía toda a mobília, tanto do santo como do santíssimo. Êxo. 30:26-29.

É de notar, que, enquanto o tabernáculo e o que nele se achavam eram aspergido com óleo, sobre Aarão foi o mesmo derramado. Lev. 8:10 a 12; Êxo. 29:7.
 

A unção com óleo é um símbolo do dom do espírito de Deus. I Sam. 10:1 e 6; 16:13; Isa. 61:1; Luc. 4:18; Atos 10:38. A profusão de azeite usado no caso de Aarão – ele “desse sobre a barba, a barba de Aarão”, “desce a orla dos seus vestidos” – é simbólica da plenitude do espírito que Deus concede à igreja.
 

Até aqui todas as cerimônias – com exceção da lavagem – disseram respeito a Aarão somente. Agora, entretanto, os quatro filhos têm parte igual ao pai no que se segue.
 

Uma oferta de expiação pelo pecado, um novilho, foi trazido, e Aarão e seus filhos sobre ele puseram as mãos, sendo o mesmo depois morto. O sangue foi apanhado por Moisés, que o pôs “com o seu dedo sobre as pontas do altar em redor”, e expiou “o altar; depois derramou o resto do sangue à base do altar, e o santificou, para fazer expiação por ele”. Lev. 8:15. Observemos que o sangue do novilho não foi levado para dentro do santuário, como no caso em que o sacerdote ungido, o sumo-sacerdote, pecava. Lev. 4:6. Talvez o motivo seja que esta oferta particular pelo pecado não era por Aarão apenas, mas também por seus filhos, e que ela parece aplicar-se em especial ao altar para sua purificação e santificação, para que a reconciliação se pudesse efetuar sobre ele. Lev. 8:15. Alguns opinam, em verdade, que essa oferta não era absolutamente por Aarão, mas só pelo altar.
 

Feita a oferta da expiação do pecado, era trazida uma oferta queimada. Isto era oferecido pela maneira regular, sendo tudo queimado sobre o altar, de onde subia ao Senhor em cheiro suave. vs. 18-21.
 

A obra até aqui foi preparatória. O serviço de consagração propriamente dito começa ao trazer-se “o carneiro da consagração”, ou literalmente “o carneiro do enchimento”, matando-o após haverem imposto as mãos sobre a sua cabeça. O sangue é levado por Moisés, que o põe “sobre a ponta da orelha direita de Aarão, e sobre o polegar da sua mão direita, e sobre o polegar do seu pé direito”. vs. 23. O mesmo é feito com os filhos, sendo também espargido no altar.

“Também fez chegar os filhos de Aarão; e Moisés pôs daquele sangue sobre a ponta da orelha direita deles, e sobre o polegar do seu pé direito: e Moisés espargiu o resto do sangue sobre o altar em redor”. Lev. 8:24.
 

Depois disto vem o “encher”. Pão asmo, um bolo de pão azeitado e um coscorão, junto com a gordura do carneiro e a espádua direita, são colocados nas mãos de Aarão e nas de seus filhos, e movidos por oferta de movimento perante o Senhor. Havendo ela sido movida por Aarão e seus filhos, Moisés tira-a de suas mãos e a queima sobre o altar. O peito é reservado para Moisés como sua parte. vs. 26-29.
 

Em seguida, Moisés tomou do azeite e do sangue “e o espargiu sobre Aarão e sobre os seus vestidos, e sobre os seus filhos, e sobre os vestidos de seus filhos com ele; e santificou a Aarão e os seus vestidos, e seus filhos, e o vestido de seus filhos com ele”. vs. 30.
 

Com essa cerimônia termina a consagração de Aarão e seus filhos. Estavam agora revestidos de poder para oficiar no santuário, conquanto tivessem de esperar ainda sete dias, durante os quais não se deviam afastar do santuário, mas tinham de ficar “à porta da tenda da congregação dia e noite por sete dias, e fareis a guarda do Senhor, para que não morrais: porque assim me foi ordenado”. vs. 35.
 

Até então, Moisés oficiara em todas as ofertas feitas. Ao fim dos sete dias, Aarão começa seu ministério. Oferece uma oferta pelo pecado por si mesmo, um bezerro, e um carneiro por oferta queimada. Lev. 9:2. Oferece também uma oferta pelo pecado, uma oferta queimada, uma oferta de manjares, e uma oferta pacífica pelo povo. vs. 3 e 4. Ao fim das ofertas, Aarão levanta as mãos e abençoa o povo. Moisés une-se-lhe nisto, e aparece a glória do Senhor. Moisés concluiu sua obra, e não mais precisa oficiar como sacerdote.
 

Todo o serviço de consagração tende a impressionar Aarão e seus filhos quanto à santidade de sua vocação. Deve ter sido uma nova experiência para Aarão o haver sido lavado por Moisés. Dificilmente poderia ele escapar à lição que Deus lhe visava dar. Ao dirigirem-se os dois irmãos para a pia, pode-se facilmente imaginar que falavam entre si acerca da obra a ser feita. Moisés comunica ao irmão que o deve lavar. Aarão admira-se de o não poder fazer ele próprio.

Discutem a situação. Moisés informa Aarão de que Deus lhe dera instruções específicas quanto a que devia ser feito. “Isto é o que o Senhor ordenou que se fizesse”, diz Moisés. Lev. 8:5. Em virtude das palestras que entretinha com Deus, Moisés tem melhor compreensão de Suas exigências do que Aarão. Entende que isto não é um banho ordinário. Fosse assim, e Aarão poderia provavelmente fazê-lo melhor por si mesmo. Trata-se de uma purificação, espiritual. Ele não se pode purificar a si mesmo do pecado. Alguém o deve fazer por ele; daí a lavagem simbólica.
 

Depois de lavado, Aarão não tem permissão de se vestir a si mesmo. Moisés o faz por ele. Aarão sente-se por completo impotente. Deverá ser feito tudo para mim? Cogita ele. Não me é permitido fazer coisa alguma por mim mesmo? Não, ele não deverá nem mesmo colocar a mitra. Tudo deverá ser feito para ele.
 

Que maravilhosa lição ensina esse relatório! Deus faz todas as coisas. Tudo quanto o homem precisa fazer é submeter-se. Deus purifica; Deus veste. Provê o vestido de justiça, as vestes de glória e de beleza. Tudo quanto Deus pede é que não rejeitemos o vestuário oferecido, como fez o homem, na parábola.


No serviço de consagração, Moisés tocou a orelha de Aarão com o sangue, significando assim que ele devia dar ouvidos aos mandamentos de Deus e cerrá-los a todo mal. “Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros”. I Sam. 15:22. Cristo foi obediente até a morte. Fil. 2:8. Nossos ouvidos dever ser consagrados ao serviço de Deus.
 

Moisés tocou também o polegar da mão direita, significando que Aarão devia fazer justiça. Como o ouvir se relaciona com a mente, assim a mão tem que ver com a atividade do corpo. Ela representa as energias vitais, o ato exterior, a prática da justiça. De Cristo diz a Escritura: “Eis aqui venho... para fazer, ó Deus, a Tua vontade”. Heb. 10:7. Cristo veio a fazer a vontade de Deus. “A minha comida”, disse Ele, “é fazer a vontade dAquele que Me enviou, e realizar a Sua obra”. João 4:34. O tocar a mão com o sangue significa a consagração da vida e serviço a Deus – Inteira dedicação.

O tocar o polegar do pé direito com o sangue, tem idêntico sentido. Quer dizer andar no caminho direito, cumprir as ordens de Deus, estar ao lado da verdade e da retidão. Isto significa andar na vereda da obediência, tendo seus passos ordenados pelo Senhor. Toda faculdade do ser cumpre dedicar a Deus e consagrar ao Seu serviço.
 

No ministério de Deus não se deve entrar levianamente. Tremenda é a responsabilidade é agir como mediador entre Deus e os homens. O que isso faz tende carregá-los sobre seus ombros, levá-los no coração, deve se achar a santidade em sua fronte, e suas próprias vestes deve ser santificadas. É preciso que esteja limpo, ungido com o espírito santo, o sangue deve ser-lhe aplicado ao ouvido, à mão e ao pé. Cada um dos seus passos deve ser acompanhado de melodia de uma vida consagrada, seu progresso assinalado por uma frutífera satisfação, tornando, mesmo de longe, manifesta a doce harmonia de uma vida bem ordenada. Deve ser pronto a discernir a vontade de Deus no clarão fugaz ou na sombra da sua aprovação ou desaprovação; o ouro do valor e da obediência deve se achar entremeado na própria estrutura de seu caráter; no semblante, no vestuário e no coração cumpre-lhe refletir a pureza, a paz e amor de Deus. Ele tem de ser submisso e pronto a deixar que Deus faça como Lhe apraz; e esquecer o próprio eu e pensar nos outros, não se eximindo a pesadas cargas. Cumpre-lhe ter de continuo em mente que o bem estar e a felicidade de outros dele depende, de cada ato seu, em virtude de seu caráter público e oficial é de vasta significação.
 

Ao contemplar o verdadeiro ministro a responsabilidade que sobre ele impende, bem como as conseqüências adviriam de um fracasso ou falta sua, pode bem exclamar: Para essas coisas, quem é idôneo?

 

08.  OFERTAS QUEIMADAS

A palavra hebraica comumente empregada para oferta queimada é olah. Ela significa “aquilo que sobe ou ascende”. Outro termo por vezes empregado é Kallil, que quer dizer “inteiro”. Certas versões usam a palavra “holocausto”, aquilo que é inteiramente queimado.
 

Essas palavras descrevem a oferta queimada, que era inteiramente consumida sobre o altar, e da qual coisa alguma se comia. Das outras ofertas, apenas uma parte era queimada no altar da oferta queimada; o resto era comido ou se lhe dava algum outro fim. No caso de uma oferta queimada, porém, todo o animal era consumido, em chamas. Ela “ascendia” a Deus em cheiro suave. Era agradável ao Senhor. Simbolizava inteira consagração. Coisa alguma era retida. Entregava-se tudo a Deus. Lev. 1:9, 13 e 17.
 

O sacrifício da manhã e da tarde era chamado o contínuo sacrifício. Não se consumia num momento, mas devia queimar “sobre o altar toda a noite até pela manhã, e o fogo do altar arderá nele”. Lev. 6:9; Êxo. 29:42. Durante o dia as ofertas queimadas individuais eram acrescentadas ao sacrifício regular da manhã, de maneira havia sempre uma oferta queimada sobre o altar. “O fogo arderá continuamente sobre o altar; não se apagará”. Lev. 6:13.
 

As ofertas queimadas individuais eram voluntárias. A maior parte das outras eram preceptivas – isto é, envolviam preceito. Quando, por exemplo, um homem havia pecado, cumpria-lhe levar uma oferta por expiação do pecado. Não lhe cabia escolher muito quanto ao que havia de levar. Quase tudo era prescrito. Não acontecia o mesmo quanto à oferta queimada. Eram ofertas voluntárias, e o ofertante podia levar um novilho, uma ovelha, um cordeiro, rolas ou pombos, segundo lhe aprouvesse. Lev. 1:3, 10 e 14. A esse respeito, diferiam da maioria dos sacrifícios.
 

As ofertas queimadas eram, talvez, as mais importantes e características de todas as ofertas. Encerravam as qualidades e os elementos essenciais dos outros sacrifícios.

Conquanto fossem voluntárias, de dedicação, essas ofertas, não se relacionando assim diretamente com o pecado, efetuava-se expiação por meio delas. Lev. 1:4. Jó oferecia ofertas queimadas por seus filhos, pois pensava: “Porventura pecaram meus filhos, e blasfemaram de Deus no seu coração”. Jó 1:5. Essa espécie de ofertas se destaca como instituída “no monte Sinai, em cheiro suave, oferta queimada ao Senhor”. Num. 28:6. Era um sacrifício “contínuo”, que devia estar sempre sobre o altar. Lev. 6:9. Por dezesseis vezes, nos capítulos 28 e 29 de Números, acentua o Senhor que nenhuma outra oferta deve tomar o lugar das contínuas ofertas queimadas. Cada vez que é mencionado outro sacrifício, declara-se que o mesmo é oferecido além do “holocausto contínuo”. Isso parece indicar-lhes a importância.
 

Como foi declarado, a oferta queimada era um sacrifício voluntário. O ofertante podia levar qualquer animal limpo ordinariamente usado para sacrifício. Exigia-se, entretanto, que o animal fosse um macho sem mancha. A pessoa devia oferecer “de sua própria vontade”, “à porta da tenda da congregação”, “perante o Senhor”. Lev. 1:3. Havendo escolhido o animal, levava-o ao pátio, para que fosse aceito. O sacerdote o examinava a ver se cumpria os requisitos quanto aos sacrifícios. Uma vez examinado e aceito, o ofertante punha a mão na cabeça do animal. Matava-o então, esfolava-o e o cortava em pedaços. vs. 4-6. Ao ser o animal morto, o sacerdote colhia o sangue, espargindo-o sobre o altar em redor. vs. 5 e 11. Partindo o animal em pedaços, as entranhas e as pernas eram lavadas com água, a fim de remover toda a imundície. Feito isto, o sacerdote tomava os pedaços e os colocava em sua devida ordem sobre o altar da oferta queimada, para aí ser ela consumida pelo fogo. vs. 9. O sacrifício assim colocado sobre o altar incluía todas as partes do animal, tanto a cabeça, como os pés, as pernas, e o corpo mesmo, menos a pele. Esta era dada a sacerdote oficiante. Lev. 1:8; 7:8.
 

Em caso de se usarem rolas ou pombos, o sacerdote os matava, torcendo-lhes o pescoço e espremendo seu sangue na parede do altar. Em seguida, o corpo da ave era posto no altar, sendo aí consumido como a oferta queimada comum, depois de removidos as penas e o papo. Lev. 1:15 e 16.
 

As ofertas queimadas eram usadas em muitas ocasiões, como na purificação de leprosos (Lev. 14:19 e 20), na purificação das senhoras depois do parto (Lev. 12:6-8), bem como para a contaminação cerimonial. Lev. 15:15 e 30). Nesses casos usava-se uma oferta de expiação pelo pecado, da mesma maneira que uma queimada. A primeira expiava o pecado, a segunda mostrava a atitude do ofertante para com Deus numa consagração de todo o coração.
 

A oferta queimada teve lugar preeminente na consagração de Aarão e seus filhos (Êxo. 29:15-25; Lev. 8:18), bem como em sua introdução no ministério. Lev. 9:12-14. Também se usava em relação com o voto do nazireu. Num. 6:14. Em todos esses casos, ela representava a inteira consagração do indivíduo a Deus. O ofertante colocava-se, simbolicamente, sobre o altar; sua vida era inteiramente consagrada a Deus.
 

Não é difícil ver a relação entre estas cerimônias e a declaração feita em Romanos 12:1: “Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”. Cumpre-nos dedicar-nos inteiramente a Deus. Ser perfeitos. Só quando toda a imundície era tirada da oferta queimada, era ela aceitável a Deus, sendo permitido que fosse colocada sobre o altar, “holocausto... de cheiro suave, oferta queimada ao Senhor”. O mesmo se dá conosco. Todo pecado, toda imundície da carne e do espírito, devem ser removidos antes de podermos ser aceitáveis a Deus. II Cor. 7:1.
 

Como oferta inteiramente consumida sobre o altar, o holocausto representa, em sentido especial, a Cristo, que Se entregou de todo, completamente, ao serviço de Deus. Por assim representar a Cristo, constitui um exemplo aos homens, para que Lhe sigam os passos. Ensina inteira consagração. É apropriadamente colocada como primeira na lista das ofertas enumeradas no Levítico. Diz-nos claramente que, para ser um “cheiro suave” a Deus, o sacrifício tem de ser renúncia completa. Tudo deve ser posto sobre o altar. Coisa alguma será retida.
 

No holocausto é nos ensinado que Deus não faz acepção de pessoas.


O pobre homem que leva duas rolas é tão aceitável como o rico que leva um boi, ou como Salomão, que ofereceu mil ofertas queimadas. I Reis 3:4. As duas moedas são tão aprazíveis a Deus, como a abundância da riqueza. Segundo sua capacidade é cada um aceito.
 

Outra lição da oferta queimada, é a da ordem. Deus quer ordem na Sua obra. Dá instruções específicas a esse respeito. A lenha deve ser posta “em ordem” “sobre o fogo”, não apenas empilhada. Os pedaços do animal devem ser postos “em ordem” ”sobre a lenha”, não meramente atirados de qualquer maneira sobre o fogo. Lev. 1:7, 8 e 12. A ordem é a primeira lei do céu. “Deus não é de confusão”, Ele quer que Seu povo faça as coisas “decentemente e com ordem”. I Cor. 14:33 e 40.
 

Outra importante lição, é a do asseio. Antes de os pedaços serem queimados sobre o altar, “sua fressura e as suas pernas” deviam lavar-se com água. vs. 9. Isto parecia desnecessário. Estes pedaços iam ser consumidos no altar. Seria apenas um desperdício de tempo lavá-los antes de os queimar. Tal não é entretanto a maneira de o Senhor raciocinar. A ordem é: Lava cada pedaço; coisa alguma imunda deve ir para o altar. E, assim, os pedaços são lavados e cuidadosamente arranjados em ordem sobre a lenha, a qual é posta em ordem sobre o altar.
 

Três elementos de purificação são usados nesse serviço: fogo, água e sangue. O fogo, simbólico do espírito santo, é um agente purificador. Quando Cristo vier “ao Seu templo”, será “como o fogo de ourives”. “E assentar-Se-á, afinando e purificando a prata: e purificará os filhos de Levi, e os afinará como ouro e como prata: então ao Senhor trarão ofertas em justiça”. Mal. 3:2 e 3. Ele purificará Seu povo “com o espírito de ardor”. Isa. 4:4.
 

Pergunta-se: “Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas?” Isa. 33:14. “Nosso Deus é um fogo consumidor”. Heb. 12:29. O fogo é a presença de Deus, que consome ou purifica.
 

O fogo do altar não era fogo comum. Viera originalmente de Deus. “O fogo saiu de diante do Senhor, e consumiu o holocausto e a gordura sobre o altar: o que vendo todo o povo, jubilaram e caíram sobre suas faces”. Lev. 9:24. Deus lhes aceitara o sacrifício.

Este estava limpo, lavado e “em ordem”, pronto para o fogo; e o fogo “saiu de diante do Senhor”. Supõe-se que esse fogo foi conservado sempre ardendo, não se deixando que se extinguisse; e como viera de Deus, era chamado sagrado, em contraste com o fogo comum, devendo ser empregado no serviço levítico.
 

A água é emblema, tanto do batismo como da palavra, duas agências purificadoras. “Também Cristo amou a igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra”. Efés. 5:25 e 26. “Segundo a Sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do espírito santo, que abundantemente Ele derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador”. Tito 3:5 e 6. A Paulo foi dito que fosse batizado e lavasse os seus pecados (Atos 22:16). Quando os pedaços do animal usado como oferta queimada eram lavados antes de serem colocados sobre o altar, isto não só ensinava ao povo ordem e limpeza, mas também a lição espiritual de que, antes que qualquer coisa seja posta sobre o altar, antes que seja aceita por Deus, deve estar limpa, lavada, pura e santa.
 

Na oferta queimada – como em todas as ofertas – o sangue era o elemento vital, importante. É ele que efetua a expiação pela alma. A passagem clássica, tratando desse assunto, encontra-se em Levítico 17:11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo dei sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; portanto é o sangue que faz expiação em virtude da vida”. (Trad. Bras.)
 

A vida da carne está no sangue. É o sangue que faz expiação “em virtude da vida”. Quando o sangue era aspergido sobre o altar e o fogo descia e consumia o sacrifício, isto indicava a aceitação do substituto por parte de Deus. “Que seja aceito por ele”, ou em lugar dele, “para a sua expiação”. Lev. 1:4. Esta expiação era feita “em virtude da vida” que se achava no sangue. Mas esse sangue, que representava a vida, só era eficaz depois da morte da vítima. Houvesse Deus querido dar a idéia de que era o sangue, como tal, que era eficaz, sem a morte, tê-lo-ia declarado. Certa porção de sangue poderia ser tirado de um animal sem o matar – como se faz agora nas transfusões de sangue. Assim seria ele provido sem morte.

Não é este, porém, o plano de Deus. O sangue não era usado senão depois de ter lugar a morte. E é o sangue de alguém que morreu. Deu-se uma morte, e não é senão depois dela que se emprega o sangue. Somos reconciliados pela morte de Cristo, somos salvos por Sua vida. Rom. 5:10. Não foi senão depois da morte de Cristo que fluiu sangue e água. João 19:34. Cristo “veio por água e sangue,.. não só por água, mas por água e por sangue”. I João 5:6. Não pode ser demasiadamente acentuado esse ponto – que é “intervindo a morte” que recebemos “a promessa da herança eterna”, e que um testamento não é válido sem que haja a morte, que “um testamento tem força onde houve morte”, e que “necessário é que intervenha a morte do testador”. Heb. 9:15-17. Podemos, portanto, rejeitar qualquer teoria de expiação que faça do exemplo de Cristo o único fator em nossa salvação. O exemplo tem seu lugar; é na verdade vital, mas a morte de Cristo permanece o fato central da expiação.
 

O holocausto, “oferta queimada”, era “de cheiro suave ao Senhor”. Lev. 1:17. Era aprazível ao Senhor. Era Lhe aceitável. Algumas das razões para isso foram dadas. Salienta-las-emos aqui.
 

Como a oferta queimada era, antes de tudo e acima de tudo, um tipo da perfeita oferta de Cristo, é natural que lhe agradasse. Como o sacrifício devia ser sem mancha, perfeito, assim Cristo foi o “Cordeiro imaculado e incontaminado”, que “nos amou, e Se entregou a Si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus em cheiro suave”. I Pedro 1:19; Efés. 5:2. Cristo representa completa consagração, dedicação inteira, plena entrega, em dar tudo para que pudesse salvar alguns.
 

A oferta queimada era agradável a Deus porque revelava o desejo do coração do ofertante de se dedicar a Deus. Efetivamente, ele dizia: “Senhor, quero servir-Te. Coloco-me, sem reservas, sobre o altar. Nada retenho para mim mesmo. Aceita-me no substituto”. Tal atitude é um cheiro suave ao Senhor.
 

A oferta queimada era um cheiro suave a Deus por ser uma oferta voluntária. Não era exigida. Não havia preceito nem devia ser levada em tempos determinados. Se alguém tinha pecado, Deus requeria uma expiação, ou oferta pelo pecado.

Nunca, porém, exigia uma oferta queimada. Se alguém a oferecia, era “de sua própria vontade”. Lev. 1:3. Não havia compulsão. Tinha portanto muito mais significação do que uma oferta preceptiva. Indicava um coração cheio de reconhecimento.
Há perigo de que os cristãos façam muitas coisas pertencentes à religião, não porque as desejam fazer, mas por serem costumes, ou exigidas. Dever é uma grande palavra; mas amor é ainda maior. Não convém amesquinhar o dever; ao contrário, cumpre-nos reforçá-lo. Não esqueçamos, porém, que o amor é uma força maior ainda, e que, devidamente compreendida e aplicada, cumpre o dever, porque o incluí. O amor é voluntário, livre; o dever é exigente, obrigatório. O dever é lei; o amor é graça. Ambos são necessários, e um não deve ser acentuado com exclusão do outro.
 

Como não havia nenhuma obrigatoriedade quanto à oferta queimada, ela era, na realidade, uma oferta de amor, de dedicação, de consagração. Era alguma coisa além e acima do que era exigido. Isto agradava a Deus. “Deus ama ao que dá com alegria”. II Cor. 9:7. Alguns entendem isto como significando: Deus ama um doador liberal, que dá muito. Conquanto possa ser assim, a declaração, no entanto, é que Deus ama aquele que dá alegremente, de livre vontade. A dádiva poderá ser pequena ou grande, mas se é feita de boa vontade, é aprazível a Deus.
 

Bom seria aplicarmos este princípio ao cristianismo da vida diária. Talvez sejamos solicitados a fazer determinada coisa, a dar para certa causa, ou executar alguma tarefa não muito agradável. Fazemo-lo às vezes resignadamente, acreditando que, como aquilo é, em si mesmo, uma coisa boa, talvez devamos fazê-lo; não experimentamos, todavia, muita satisfação. Sentimos que o devemos fazer, mas folgaríamos de ser dispensados.
 

Deus Se desagrada por certo com a atitude que tomamos por vezes. Envia um de Seus ministros com alguma mensagem. Somos advertidos a dar, a fazer, a sacrificar, a orar. Não há alegre resposta ao apelo. Este tem de ser repetido aqui e ali e, afinal, apenas com metade do coração fazemos aquilo que nos é solicitado. Pomos vinte centavos ou dez cruzeiros na sacola da coleta, não porque realmente nos interesse, mas porque nos envergonharíamos de que outros vissem que não tomamos parte na oferta. Fazemos nossa parte na Recolta para as missões, não porque gostemos de fazer essa obra, mas por ser uma parte do programa da igreja.
 

Porque Davi era voluntário e alegre no serviço, em dúvida, Deus o amava. Ele pecara, e pecara de maneira terrível, mas se arrependera tão profundamente quanto pecara, e Deus lhe perdoou. Essa experiência deixou profunda impressão no espírito de Deus, e sempre, daí em diante, ele anelava fazer alguma coisa para Deus e agradar-lhe.
 

Foi esse espírito que o levou a propor-se a construir um templo para habitação de Deus. O tabernáculo erigido no deserto contava algumas centenas de anos. O material de que fora construído devia estar deteriorado. Deus Se teria agradado de que alguém Lhe edificasse um templo; decidiu, porém, não dar a conhecer Seus desejos até que alguém tivesse por si mesmo aquele pensamento. Assim o fez Davi, e alegrou-se ante a idéia de ser-lhe dado fazer qualquer coisa para Deus. Não lhe foi permitido edificar o templo, mas, para demonstrar apreço pelo que ele tinha em mente fazer, Deus lhe disse que, em vez de Davi Lhe edificar uma casa, Ele estabeleceria uma casa a Davi. I Crôn. 17:6-10. Foi em relação com isto que Deus lhe fez a promessa de que seu trono seria “firme para sempre”. vs. 14. Isto tem seu cumprimento em Cristo, que, ao vir, há de sentar-Se sobre “o trono de Davi, Seu pai”. Lucas 1:32. É uma promessa maravilhosíssima, fora do comum. Abraão, Moisés e Elias são passados por alto, e a honra é dada a Davi. Uma razão para isto, cremos, encontra-se na boa vontade desse servo para fazer para Deus alguma coisa além e acima do que era exigido.
 

Isto é ilustrado de modo frisante no desejo de Davi de edificar um templo. Como já foi declarado, Deus lhe dissera que ele não podia construir o templo. O servo do Senhor desejava-o, no entanto, grandemente. Pensando demoradamente no assunto, encontrou vários meio de fazer preparativos para a construção, sem que a executasse ele mesmo. Davi disse: “Salomão, meu filho, ainda é moço e tenro, e a casa que se há de edificar para o Senhor se há de fazer magnífica em excelência, para nome e glória em todas as terras; eu pois agora lhe prepararei materiais. Assim preparou Davi materiais em abundância, antes de sua morte”. I Crôn. 22:5.


A primeira coisa que Davi fez foi juntar dinheiro. Os algarismos dados em I Crôn. 22:14, somam muitos milhões de cruzeiros em nossa moeda – o que foi dado ou coletado por Davi. Em seguida ordenou ele que “lavrassem pedras de cantaria, para edificar a casa de Deus”. I Crôn. 22:2. Davi preparou também “ferro em abundância para os pregos das portas das entradas, e para as junturas: como também cobre em abundância, sem peso”. vs. 3. Antes de ele poder fazer qualquer destas coisas, entretanto, foi-lhe necessário ter um modelo, ou planta. Esse modelo, conta-nos Davi, ele o recebeu do Senhor. “Tudo isto, disse Davi, por escrito me deram a entender por mandado do Senhor, a saber, todas as obras deste risco”. I Crôn. 28:19. Podemos quase imaginar o que Davi disse ao Senhor: “Senhor, Tu dizes que não posso edificar o templo. Eu gostaria tanto de fazê-lo, mas estou contente em confiar em Tua decisão. Poderei fazer um modelo? Isto não seria construir, não é verdade, Senhor?”. Assim o Senhor o ajudaria a fazer uma planta, satisfeito com a boa vontade de Davi de fazer alguma coisa para Ele.
 

Existe, em I Crônicas 28:4, interessante declaração a esse respeito: “O Senhor Deus de Israel escolheu-me de toda a casa de meu pari, para que eternamente fosse rei sobre Israel; porque a Judá escolheu por príncipe, e a casa de meu pai na casa de Judá: e entre os filhos de meu pai se agradou de mim para me fazer rei sobre todo o Israel”. Esta singular expressão mostra o alto apreço de Deus por Davi. E assim este obteve permissão para preparar a pedra, a madeira e o ferro para o templo do Senhor, bem como o projeto. Talvez fosse esta a razão por que, mais tarde, na ereção do templo, não se ouvisse som de martelo. Davi preparara de antemão o material.
 

Davi não se contentou entretanto com o fazer os preparativos para a edificação do templo. Queria preparar também a música para a dedicação. Isto não era construir, de modo que se sentiu na liberdade de o fazer. Davi era o suave cantor de Israel; amava a música de todo o coração. De modo que começou a fazer preparativos para a ocasião, reunindo um grupo de quatro mil “para louvarem ao Senhor com os instrumentos, que eu fiz para O louvar”. I Crôn. 23:5.

Reuniu também os cantores e os ensaiou, segundo se acha registrado no capítulo vinte e cinco do mesmo livro. É grato imaginar Davi, depois da triste experiência de sua vida, passando alguns anos em paz e contentamento, fazendo preparativos para a construção do templo do Senhor e ensaiando os cantores e os músicos para sua consagração.
 

Todavia Davi ainda não estava satisfeito. O senhor lhe dissera que não podia construir o templo, mas que seu filho Salomão o havia de fazer. Que impediria Davi de abdicar e fazer Salomão rei de Israel? ‘Sendo pois Davi já velho, e cheio de dias, fez Salomão seu filho rei sobre Israel”. I Crôn. 23:1. Conquanto houvesse razões políticas para assim proceder, o contexto indica ter sido a idéia da construção do templo um fator vital.
 

Não admira que Deus amasse a Davi. Este estava sempre se esforçando para que Deus lhe permitisse fazer mais para Ele. Meditou no plano de fazer preparativos para a construção do templo. Arrecadou incalculável soma de dinheiro, exercitou os músicos – tudo a fim de fazer alguma coisa para Deus, que tanto por ele fizera. Davi era um alegre doador de dinheiro e de serviço, e Deus gostava dele. Não sabemos quanto tempo viveu Davi depois de Salomão ter sido feito rei, mas, ao morrer, “segunda vez fizeram rei a Salomão, filho de Davi”. I Crôn. 29:22.
 

Quem dera que tivéssemos mais homens e igrejas como Davi, dispostos a se sacrificar e a trabalhar, e ansiosos de fazer ainda mais! Então não haveria mais necessidade de concitar o povo ou as igrejas a levantarem-se e finalizar a obra. Se Davi estivesse aqui e fosse solicitado a dar 10 cruzeiros, ele indagaria, sem dúvida: “Não poderei dar 20 ou 100 cruzeiros?” E o Senhor Se agradaria e diria: “Sim, Davi, podes fazê-lo”. Foi por causa deste espírito que Davi, a despeito de seu pecado, foi escolhido, para ser o pai terrestre de Cristo. Foi o mesmo espírito que levou Cristo a dar voluntariamente, a sofrer tudo, fazendo afinal o sacrifício supremo. Deus ama ao que dá com alegria.

 

09.  OFERTA DE MANJARES


A palavra hebraica empregada para “oferta de manjares” é minchah. Significa uma dádiva feita a outro, de ordinário, a um superior. Quando Caim e Abel apresentaram suas ofertas a Deus, segundo se relata em Gênesis 4: 3 e 4, foi uma minchah que ofereceram. Assim também foi a dádiva de Jacó e Esaú. Gen. 32:13. Foi uma minchah que os irmãos de José lhe apresentaram no Egito. Gen. 43:11. Na versão mais comumente usada, a de Almeida, a designação dada a essas ofertas é de “ofertas de manjares”. Esta empregaremos daqui em diante.
 

A oferta de manjares consistia em produtos vegetais que constituíam a principal alimentação do país: farinha, azeite, cereais, vinho, sal e incenso. Ao serem apresentadas ao Senhor, parte era queimada sobre o altar em memória, como cheiro suave ao Senhor. No caso de uma oferta queimada, tudo era consumido no altar. No da oferta de manjares, apenas uma pequena parte era posta sobre o altar; o resto pertencia ao sacerdote. “Coisa santíssima é, de ofertas queimadas ao Senhor”. Lev. 2:3. Como a oferta queimada significava consagração e dedicação, assim a oferta de manjares representava submissão e dependência. As ofertas queimadas importavam em inteira entrega da vida; as de manjares eram um reconhecimento de soberania e mordomia; de dependência de um superior. Eram um ato de homenagem a Deus, e um penhor de lealdade.
 

As ofertas de manjares eram geralmente usadas em relação com as ofertas queimadas e as pacíficas, mas não com as de expiação pelo pecado ou a transgressão. O registro no capítulo quinze de Numeros, declara: “Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando entrardes na terra das vossas habitações, que Eu vos hei de dar; e ao Senhor fizerdes oferta queimada, holocausto, ou sacrifício, para Lhe cumprir um voto, ou em oferta voluntária, ou nas vossas solenidades, para ao Senhor fazer um cheiro suave de ovelhas ou vacas; então aquele que oferecer a sua oferta ao Senhor, por oferta de manjares, oferecerá uma décima de flor de farinha misturada com a quarta parte de um him de azeite.

E de vinho para libação preparareis a quarta parte de um him, para holocausto ou para sacrifício por cada cordeiro”. Num. 15:2-5. Ao ser oferecido um carneiro, a oferta de manjares era aumentada a duas décimas de flor de farinha; e quando se sacrificava um novilho, a oferta de manjares era de três décimas de flor de farinha. A oferta de libação era proporcionalmente aumentada. vs. 6-10.
 

Quando a oferta de manjares consistia em flor de farinha, era misturada com azeite, sento posto incenso sobre ela. Lev. 2;1. Uma mão cheia dessa farinha com azeite e incenso era queimada em memória sobre o altar das ofertas queimadas. Era uma “oferta queimada” “de cheiro suave ao Senhor”. Lev. 2:2. O que restava depois de haver sido a mão cheia colocada sobre o altar, pertencia a Aarão e a seus filhos. Era “coisa santíssima”, “de ofertas queimadas ao Senhor”. vs. 3.
 

Quando a oferta consistia em bolos asmos ou coscorões, devia ser feita de flor de farinha misturada com azeite, partida em pedaços, sendo derramado azeite por cima. vs. 4-6. Por vezes era cozida em sertã. vs. 7 Quando ela se apresentava assim, o sacerdote tomava uma parte, queimando-a sobre o altar em memorial. vs. 8 e 9. O que sobejava dos coscorões pertencia aos sacerdotes, sendo considerado santíssimo. vs. 10.
 

Parece evidente que a oferta de farinha e coscorões asmos untados com azeite, visava ensinar a Israel que Deus é o mantenedor de toda a vida, que dEle dependiam quanto ao elemento diário; e que, antes de participar das abundâncias da vida, cumpria-lhes reconhecê-lo como o doador de tudo. Esse reconhecimento de Deus como a fonte de bênçãos temporais, levar-lhes-ia, naturalmente, o espírito à origem de todas as bênçãos espirituais. O Novo Testamento revela essa fonte como o Pão enviado do céu, o qual dá vida ao mundo. João 6:33.
 

É especialmente declarado que nenhuma oferta de manjares se devia fazer com fermento. Nem este nem mel deviam ser postos sobre o altar. Lev. 2:11. Não obstante, ambos, fermento e mel, podiam ser oferecidos como primícias. Quando assim usados, não se deviam ainda assim colocar sobre o altar. vs. 12.

O fermento é símbolo de pecado. Por esta razão era proibido em toda oferta queimada. Com razão se poderia indagar por que motivo o fermento e o mel, proibidos com outros sacrifícios, se podiam oferecer como primícias. Lev. 2:12. Conquanto o fermento seja símbolo de pecado, hipocrisia, malícia, maldade, (Lucas 12:1; I Cor. 5:8), não há nenhuma explícita declaração na Bíblia no que respeita à significação de mel. Os comentaristas , no entanto, concordam geralmente em que o mel representa aqueles pecados carnais que agradam aos sentidos, mas que implicam em corrupção. Muitos ainda consideram o mel simbólico da justiça própria e de interesse egoísta.
 

Se aceitamos esta interpretação, compreendemos que, ao dizer Deus que Israel devia levar fermento e mel como primícias, nos convida ao buscá-lo a princípio, a levar-Lhe todas as nossas tendências pecaminosas e o acariciado mundanismo. Quer que vamos ter com Ele exatamente como estamos. Conquanto Deus não Se agrade do pecado, e este não Lhe seja um cheiro suave, e conquanto seu símbolo, o fermento, não deva ser levado ao altar, quer que cheguemos a Ele com todos os nossos pecados e justiça própria. Chegando, cumpre-nos deixar-Lhe tudo aos pés. Ele quer que Lhe levemos todos os nossos pecados. Então, devemos ir, e não pecar mais.
 

Nas ofertas de manjares, como nas outras, usava-se sal. É chamado o “sal do concerto do teu Deus”. “Em toda a tua oferta oferecerás sal”. Lev. 2:13. Todos os sacrifícios eram salgados, tanto de animais, como de vegetais. “Cada um será salgado com fogo, e cada sacrifício será salgado com sal”. Marcos 9:49. O sal tem um poder preservador. Torna também agradável a comida. Era uma parte vital de todo sacrifício. É simbólico do poder preservador e mantenedor de Deus.
 

Quando se levava uma oferta de manjares dos primeiros frutos, podiam-se usar “espigas verdes, tostadas no fogo; isto é, do grão trilhado de espigas verdes cheias”. “E sobre ela deitarás azeite e porás sobre ela incenso”. Uma parte era tomada em memorial pelo sacerdote, e queimada sobre o altar da oferta queimada. Lev. 2:14-16. “Grão trilhado de espigas verdes cheias”.

Conquanto não tenhamos que procurar uma significação oculta em cada expressão, não parece forçar o crer que o grão trilhado aqui simboliza Aquele que foi moído por nos, e por cujas pisaduras somos sarados. Isa. 53:1. As ofertas de manjares nos apresentam Cristo como o doador da vida e seu mantenedor, Aquele mediante quem e em quem “vivemos, e nos movemos, existimos”. Atos 17:28.
 

As ofertas de manjares pertence também a libação de vinho mencionada. Num. 15:10 e 24. Esta libação era apresentada perante o Senhor e derramada no lugar santo, conquanto não sobre o altar. Num. 28:7; Êxo. 30:9.
 

O molho movido ofertado como primícias da colheita, que devia ser movido perante o Senhor no segundo dia da páscoa, era também uma oferta de manjares. Lev. 23:10-12. Outra oferta de manjares eram os dois pães de movimento cozidos com fermento, que se apresentavam ao Senhor como primícias por ocasião do pentecostes. Lev. 23:17-20. Outras ainda eram, a de manjares, oferecida diariamente por Aarão e seus filhos, que devia ser uma oferta perpétua (Lev. 6:20), e a oferta do ciúme registrada em Números 5:15. Há também uma oferta que se acha registrada em Levíticos 5:11 e 12. Esta oferta, entretanto, era mais uma oferta de expiação pelo pecado, que de manjares.
 

Os pães da proposição, colocados semanalmente na mesa no primeiro compartimento do santuário, eram na verdade uma oferta de manjares apresentada ao Senhor. Seu nome em hebraico significa o “pão da Presença”, ou “pão da face”. Também é chamado “o pão contínuo”. Num. 4:7. A mesa é chamada a mesa da proposição, e a “mesa pura”. Lev. 24:6; II Crôn. 13:10 e 11. Os pães da proposição eram doze pães, cada um feito de duas dízimas de flor de farinha. Eram colocados em duas fileiras sobre a mesa, todos os sábados. Os sacerdotes chegados, que deviam oficiar na semana que vinha, começavam seu serviço com o sacrifício da tarde, no sábado. Os que se iam findavam o seu com o sacrifício do sábado de manhã. Tanto os sacerdotes que se iam como os que chegavam, uniam-se no retirar os pães da proposição, e em substituí-los. Enquanto os que deixavam o serviço removiam o velho pão, os recém-vindos colocavam o novo. Cuidavam em não retirar o velho enquanto o novo não estivesse pronto para ser posto na mesa.

O pão devia estar sempre sobre a mesa. Era o “pão da Presença”. Quanto às dimensões dos pães, há divergências de opinião. Crêem alguns eu tinham cerca de meio metro por um metro. Conquanto isto não se possa demonstrar, é claro que duas dizimas de flor de farinha, como eram usadas para cada um, dariam um pão de tamanho considerável. Sobre esse pão se colocava incenso em duas taças, isto é, um punhado em cada uma. Quando o pão era mudado no sábado, esse incenso era levado e queimado sobre o altar de oferta queimada.
 

O “pão da Presença” era oferecido a Deus “por concerto perpétuo”. Lev. 24:8. Era um testemunho constante de que Israel dependia de Deus quanto à manutenção, e uma contínua promessa da parte de Deus de que os havia de sustentar. Sua necessidade estava sempre perante Ele, e Sua promessa diante deles sem cessar.
 

O registro referente à mesa dos pães da proposição revela que havia pratos sobre a mesma, colheres, cobertas, tigelas “com que se hão de derramar os licores”. (Ver a nota à margem de Êxodo 25:29). Conquanto nada se diga em relação com isto, de se achar vinho sobre a mesa, é evidente que as tigelas aí estavam para o receber. Havia uma oferta de bebidas, ou libação, a qual era ordenada em relação com o sacrifício diário. Números 28:7. O vinho devia ser oferecido “ao Senhor” ”no santuário”. A narração não declara onde era o vinho derramado no santuário, mas unicamente que devia ser oferecido ao Senhor. Diz-se-nos, entretanto, onde ele não deve ser derramado. Quanto ao altar de incenso, Israel era proibido de oferecer “incenso estranho” sobre ele, “nem tão pouco derramareis sobre ele libações”. Êxodo 30:9. Se a libação devia ser oferecida no santuário; se não devia ser derramada sobre o altar; se havia sobre a mesa tigelas “com que se hão de derramar os licores”, parece claro que as mesmas continham vinho.
Não vai muita distância da mesa dos pães da preposição no Velho Testamento à mesa do Senhor no Novo Testamento. Lucas 22:30; I Cor. 10:21. A semelhança ressalta. O pão é Seu corpo, partido por nós. O cálice é o novo testamento em Seu sangue. I Cor. 11:24 e 25. Sempre que comemos o pão e bebemos do cálice, anunciamos “a morte do Senhor, até que venha”. vs. 26.

“O pão da Presença” é simbólico dAquele que vive “sempre para interceder por” nos. Heb. 7:25. Ele é o “pão vivo que desceu do céu”. João 6:51.


Como foi declarado no princípio deste capítulo, as ofertas de manjares eram um reconhecimento da soberania de Deus e da mordomia do homem. As ofertas queimadas diziam: Tudo quanto eu sou pertence ao Senhor. As ofertas de manjares diziam: Tudo quanto possuo é do Senhor. A última acha-se na verdade incluída na primeira; pois quando um homem se dedica a Deus, essa dedicação inclui suas posses, bem como a ele próprio. É sem dúvida por isso que a oferta de manjares acompanhava sempre a oferta queimada. Números 15:4.
 

A oferta de manjares é um sacrifício definido e separado, denotando consagração de meios, como a oferta queimada indica a consagração da vida. A dedicação dos meios deve ser precedida da dedicação da própria vida. Uma é resultado da outra. A dedicação da vida sem a dedicação dos meios não é prevista no plano de Deus. A dedicação dos meios sem a da vida, não é aceitável. Ambas têm de ir juntas. Combinadas, formam um culto completo, agradável a Deus, “em cheiro suave ao Senhor”.
 

A idéia da mordomia merece ser salientada, numa época como a nossa. Alguns que têm o nome de cristãos falam alto em santidade e de sua devoção a Deus, mas suas ações nem sempre correspondem à profissão que fazem. Os cordões da bolsa mantêm-se apertados, os apelos passam desatendidos, languesce a causa de Deus. Tais pessoas precisam compreender que a consagração da vida envolve a consagração dos meios, e que uma sem a outra não agrada a Deus.
 

Por outro lado seria errôneo pensar que a dedicação dos meios seja tudo quanto Deus requer. Somos responsáveis por quaisquer talentos que possuamos, seja dinheiro, tempo ou dons naturais. De todos esses é Deus o verdadeiro dono, e nós nada mais que mordomos. Talentos como a música, o canto, a pintura, a palavra, a liderança, pertencem a Deus. A Ele devem ser consagrados. Cumpre-nos colocá-los sobre o altar.
A flor de farinha empregada na oferta de manjares era, em parte, produto do labor humano. Deus faz crescer o grão; dá sol e chuva; põe na semente as propriedades vitalizante.

O homem colhe o grão, mói a farinha, separa todas as ásperas partículas da mesma, até que ela se torna em “flor de farinha”, isto é, fina. É então apresentada a Deus, seja como farinha, seja como pão preparado. Deus e o homem cooperam, e o produto resultante é consagrado a Deus. Representa o dom original do Senhor mais o trabalho do homem. É um devolver-Ler o que é Seu com os juros. Deus dá a semente. O homem planta-a. Deus a rega. Multiplicada, ela é devolvida ao seu Doador que graciosamente a aceita.
 

Deus dá a todo homem, pelo menos, um talento. Espera que ele o aumente e multiplique. Não é aceitável a Deus apresentar-lhe o talento original, dar-Lhe de volta apenas aquilo que Ele nos deu. Ele quer que tomemos a semente que nos proporciona, a plantemos, cuidemos dela e a colhamos. Quer que o grão passe pelo processo que parece como que esmagar-lhe a própria vida, mas que, em realidade, a prepara para servir ao homem; quer que seja removido todo quanto é rude, e que Lha apresentemos como “flor de farinha”. Quer que os talentos sejam desenvolvidos e a Ele apresentados com juros. Nada menos servirá.
 

A flor de farinha representa a obra da vida humana. Simboliza os talentos aperfeiçoados. O que representava o pão da proposição relativamente a Israel, a oferta de manjares significava com respeito ao indivíduo. É a obra da vida consagrada em símbolo.
 

Quão significativa é a expressão “flor de farinha”! Farinha é grão esmagado entre as pedras do moinho. Era grão próprio para ser plantado, para perpetuar a vida. Agora, jaz esmagado, sem vida, Jamais poderá ser novamente plantado; está morto. Foi-lhe esmagada a vida. Inútil, porém? Não, mil vezes não! Deu a sua vida, morreu, para que outros vivam. O esmagar de sua própria vida se tornou o meio pelo qual a mesma é perpetuada, enobrecida. Era a vida da semente; agora ajuda a manter a de uma alma, um ser feito à imagem de Deus. A morte enriqueceu-a, glorificou-a, tornou-a útil à humanidade.
 

Poucas vidas são verdadeira e perduravelmente valiosas para a humanidade até que sejam esmagadas, moídas. É nas profundas experiências da vida que os homens encontram a Deus. É quando as águas cobrem a alma que se edifica o caráter.

A dor, a decepção, o sofrimento, são hábeis servos de Deus. São eles os dias sombrios que trazem os aguaceiros de bênçãos, fazendo a semente germinar e produzir frutos.
 

O problema do sofrimento será talvez insondável em seus aspectos mais profundos. Algumas coisas, porém, são nos claras. O sofrimento tem um definido propósito no plano de Deus. Abranda o espírito. Prepara a alma para uma mais profunda compreensão da vida. Inspira simpatia para com os outros. Faz com que se ande mansamente diante de Deus e dos homens.
 

Só os que têm sofrido viveram. Só viveu aquele que amou. São inseparáveis as duas coisas. O amor inspira sacrifícios. Estes exigem muitas vezes sofrimentos. Não que requeira necessariamente sofrimento físico. Pois a mais elevada espécie de sofrimento é alegre, santa, exaltada. Uma mãe pode sacrificar-se pelo filho, sofrer, mas fá-lo de boa vontade, contente. O amor reputa o sacrifício um privilégio. “Regozijo-me agora no que padeço por vós”, diz Paulo, “e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo Seu corpo, que é a igreja”. Col. 1:24. A lição do sofrimento não foi aprendida enquanto não aprendemos a nele nos regozijar. E podemos regozijar-nos quando surge em nós a idéias de que “como as aflições de Cristo abundam em nós, assim também a nossa consolação abunda por meio de Cristo”; que, ao sermos “atribulados, é para a vossa consolação e salvação”; que o próprio Cristo “aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu”; e que porque “Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados”; quando se nos torna claro que nossos sofrimentos devidamente suportados e compreendidos, são permitidos para que nós, como o sumo-sacerdote outrora, nos possamos “compadecer” “ternamente dos ignorantes e errados; pois também ele mesmo está rodeado de fraqueza”. II Cor. 1:5 e 6; Heb. 5:8; 2:18; 5:2. Tal sofrimento não é doloroso, mas feliz. Cristo, “pelo gozo que Lhe estava proposto, suportou a cruz”. Heb. 12:2.
 

O sofrimento tem sido, em todos os tempos, a sorte do povo de Deus. Faz parte do plano do Senhor. Unicamente mediante o sofrimento podem certas lições ser aprendidas. Só assim podemos, em lugar de Cristo, ministrar como devemos em favor daqueles que estão passando pelo vale da aflição e “consolar os que estiverem em algumas tribulações, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus”,
II Cor. 1:4. Assim encarado, o sofrimento se torna uma bênção. Habilita a pessoa a servir

por uma maneira em que não seria possível fazê-lo sem esta experiência. Torna-se um privilégio “não somente crer nEle, como também padecer por Ele”. Fil. 1:29.
 

Para compreender quão necessário é “a comunicação de Suas aflições”, não precisamos senão lançar os olhos para a vida de alguns dos santos de Deus nos séculos passados. Recordai aqueles três terríveis dias que Abraão passou depois que Deus lhe dissera que matasse o filho. Evocai a noite da angústia de Jacó - a noite que transformou um pecador em um santo. Rememorai o tempo que José passou na cisterna esperando a morte; sua angústia ao ser vendido como escravo; sua experiência na prisão, ocasionada por falsas acusações e amarga ingratidão. Volvei a mente às perseguições sofridas por Jeremias; ao tremendo dia em que Ezequiel teve ordem de ir pregar em vez de permanecer ao lado de sua esposa moribunda; à sombria e tremenda experiência de João Batista na prisão quando sua alma foi assaltada pela dúvida; ao espinho na carne do apóstolo Paulo, o qual não lhe foi permitido que se retirasse. E todavia de todas essas provações saíram vidas mais nobres, mais amplas visões, mais vasta utilidade. Sem isso, esses santos nunca teriam podido fazer a obra que realizaram, nem haveriam suas vidas se tornado a inspiração que hoje constituem. Como as flores que exalam mais delicioso aroma ao serem esmagadas, assim pode uma grande dor enobrecer e embelezar uma vida, sublimando-a para o serviço de Deus.
 

A farinha empregada nas ofertas de manjares não devia ser oferecida seca; precisava ser misturada com óleo, ou com ele ungida. Lev. 2:4 e 5. O azeite é o Espírito de Deus. Só quando a vida é santificada pelo Espírito, com Ele misturada, ungida com ele, pode ser agradável a Deus. O sofrimento por si ou de si mesmo, pode não ser uma benção. Talvez leve apenas ao endurecimento do coração, à amargura do espírito. Mas, ao tomar o Espírito de Deus posse da alma, ao permear a vida o doce espírito do Mestre, a fragrância de uma vida consagrada se torna manifesta.

Como o incenso oferecido cada manhã e tarde no lugar santo era emblemático da justiça de Cristo, que subia com as orações do sacerdote em favor da nação, como cheiro suave ao Senhor, assim o incenso oferecido com cada oferta de manjares era eficaz para o indivíduo. Fazia uma aplicação pessoal daquilo que de outro modo era apenas geral. No sacrifício da manha e da tarde, o sacerdote orava pelo povo. Na oferta de manjares o incenso era aplicado à alma individual.
 

No espírito dos israelitas, o incenso e a oração associavam-se estreitamente. De manhã e à tarde, quando o incenso – que simbolizava os méritos e intercessão de Cristo – ascendiam no lugar santo, através de toda a nação eram oferecidas orações. Não só o incenso enchia o lugar santo e o santíssimo, mas seu perfume era notado nos arredores do tabernáculo, até longe. Por toda parte dava sinal de oração, chamando os homens à comunhão com Deus.
 

A oração é essencial ao cristianismo. É a respiração da alma. É o elemento vital em todas as atividades da vida. Tem de acompanhar cada sacrifício, tornar fragrante cada oferta. Não é tão só um importante ingrediente do cristianismo – é sua própria vida. Sem seu fôlego vital, cessa bem depressa a vida; e com a cessação da vida, inicia-se a decomposição, e aquilo que deveria ser um cheiro de vida para vida, torna-se cheiro de morte para a morte.
 

“Cada um será salgado com fogo, e cada sacrifício será salgado com sal”. Mar. 9:49. O fogo purifica, o sal conserva. Ser salgado com fogo quer dizer não só purificação, mas também conservação. Deus quer um povo puro, povo cujos pecados estão perdoados. Mas não basta achar-se perdoado e purificado. O poder de Deus, para guardar do pecado, tem de ser aceito. Temos de ser conservados puros. O fogo não deve ser fogo destruidor, mas purificador. Temos de ser primeiro purificados, depois guardados, conservados. “Salgados com fogo!” “Salgados com sal!” Purificado e conservado puro! Admirável providência!
 

A oferta de manjares, conquanto não seja a mais importante, encerra lindas lições para a alma devota. Tudo que possuímos deve achar-se sobre o altar. Tudo que temos pertence a Deus. E Deus purificará e guardará o que Lhe pertence. Oxalá habitem conosco estas lições.

 

10.  OFERTAS PACÍFICAS

A palavra hebraica traduzida por “oferta pacífica” vem de raiz de uma palavra que significa “completar, suprir o que está faltando, pagar uma recompensa”. Denota um estado em que os mal-entendidos foram esclarecidos e os erros, corrigidos, e em que prevalecem os bons sentimentos. As ofertas pacíficas eram suadas em qualquer ocasião que apelasse à gratidão e regozijo, e também para fazer um voto. Eram ofertas de cheiro suave, como holocausto de manjares. Eram uma expressão, da parte do ofertante, de sua paz com Deus e gratidão a Ele por Suas muitas bênçãos.
 

Ao escolher uma oferta pacífica, o ofertante não era limitado na escolha. Podia usar um bezerro, uma ovelha, um cordeiro ou uma cabra, macho ou fêmea. Comumente, o sacrifício tinha de ser “sem mancha”. Lev. 22:21; 3:1-17. Quando, porém, a oferta pacífica era apresentada como oferta voluntária, não precisava ser perfeita. Podia ser usada mesmo que fosse “boi, ou gado miúdo, comprido ou curto de membros”. Lev. 22:23. Como no caso do holocausto, o ofertante devia pôr as mãos sobre a cabeça do sacrifício e degolá-lo à porta do tabernáculo. O sangue era então espargido sobre o altar, em roda, pelo sacerdote. Lev. 3:2. Depois, a gordura era queimada: “Manjar é da oferta queimada ao Senhor”. vs. 11. “Toda a gordura será do Senhor. Estatuto perpétuo será nas vossas gerações, em todas as vossas habitações: nenhuma gordura nem sangue algum comereis”. vs. 16 e 17.
 

As ofertas pacíficas eram de três espécies: ofertas de gratidão, ofertas por um voto e ofertas voluntárias. Dessas, a oferta de gratidão ou de louvor era a que mais se destacava. Oferecia-se em ocasiões de regozijo, de gratidão por algum livramento especial, ou bênção recebida. Era oferecida de um coração cheio de louvor a Deus e transbordante de alegria.
 

As ofertas por pecados e ofensas suplicavam favores a Deus.

Rogavam o perdão. As ofertas queimadas eram oferecidas como dedicação e consagração da parte do ofertante. Nas ofertas de manjares, a pessoa reconhecia sua dependência de Deus, em todas as necessidades temporais, e sua aceitação da responsabilidade da mordomia. As ofertas pacíficas eram de louvor por graças recebidas, ofertas de gratidão pelas bênçãos desfrutadas, ofertas voluntárias, de um coração transbordante. Não suplicavam nenhum favor; tributavam louvor a Deus pelo que Ele havia feito, e exaltavam o Seu nome por Sua bondade e misericórdia para com os filhos dos homens.
 

As ofertas do Antigo Testamento incluíam orações. Combinavam a fé e as obras, a oração e a fé. Em sua totalidade, expressavam a completa relação do homem para com Deus e sua necessidade dEle. As ofertas pacíficas eram ofertas de comunhão. Os holocaustos eram totalmente queimados sobre o altar; as ofertas pelo pecado, ou eram queimadas fora do arraial ou comidas pelo sacerdote, mas as ofertas pacíficas não eram simplesmente divididas entre Deus e o sacerdote; uma parte, a maior, era dada ao ofertante e sua família. A parte de Deus era queimada sobre o altar. Lev. 3:14-17. O sacerdote recebia o peito movido e a espádua alçada. Lev. 7:33 e 34. O resto pertencia ao ofertante, que podia convidar a qualquer pessoa purificada para com ele participar disso. Podia ser comido no mesmo dia, ou, em alguns casos, no dia seguinte, mas não mais tarde. Lev. 7:16-21.
 

Os bolos asmos amassados com azeite, e fritos, eram parte das ofertas. A isso se acrescentava pão levedado. Uma parte era apresentada ao Senhor, como oferta alçada, e depois dada ao sacerdote, como sua porção. Lev. 7:11-13.
 

Toda a cerimônia constituía uma espécie de serviço de comunhão, em que o sacerdote e o povo participavam, com o Senhor, da Sua mesa; uma ocasião de regozijo, em que todos se uniam em gratidão e louvor a Deus, por Sua misericórdia.
 

É significativo o uso de fermento na oferta pacífica. Em geral, o fermento não era permitido em qualquer sacrifício. Numa ocasião em que ele era usado – na oferta de manjares das primícias (Lev. 2:12) – não era permitido que subisse ao altar. Nessa ocasião, era apresentado ao Senhor como oferta alçada e depois dado ao sacerdote que havia espargido o sangue. Lev. 7:13 e 14.

No caso da oferta de manjares das primícias o fermento representava o homem levando a Deus sua oferta pela primeira colheita. Devia ofertar conforme o que possuía. Mas devia fazê-lo somente uma vez. Na oferta pacífica, o pão levedado e o não levedado são ordenados. Não pode ser que, como isso é um manjar comum, de que Deus, o sacerdote e o ofertante participam, o pão não levedado represente Aquele que é sem pecado e é nossa paz, e que o fermento represente a imperfeição do homem, que e, não obstante, aceito por Deus? Efés. 2:13. A isso é feita referência em Amós 4:5. “A carne do sacrifício de louvores da sua oferta pacífica se comerá no dia do seu oferecimento”. Lev. 7:15. Conquanto isto fosse, em parte, uma medida higiênica, não era esta a única razão; pois nos casos em que a oferta pacífica era um voto ou um a oferta voluntária, também podia ser comida no dia seguinte. vs. 16. Era manifestamente impossível a um homem consumir sua oferta, caso esta fosse um novilho ou um bode, ou um cordeiro, em um dia só. Era-lhe portanto permitido, e mesmo ordenado pedir a outros que compartilhassem da refeição. “Nas tuas portas não poderás comer... nenhum dos teus votos, que houveres votado, nem as tuas ofertas voluntárias, nem a oferta alçada da tua mão; mas o comerás perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher o Senhor teu Deus, tu, e teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita que está dentro das tuas portas: perante o Senhor teu Deus te alegrarás em tudo em que puseres a tua mão. Guarda-te, que não desampares ao levita todos os teus dias na terra”. Deut. 12:17-19.
 

Este era um traço que distinguia a oferta pacífica. Devia ser comida no mesmo dia, e ser compartilhada; devia ser comida “perante o Senhor”, e “te alegrarás”. Era uma refeição de regozijo, em comum, e a esse respeito diferia de todas as outras ofertas.
 

Por vezes as ofertas pacíficas eram ofertas votivas. Por uma ou por outra razão, talvez por alguma bênção especial desejada, o ofertante fazia um voto ao Senhor. Ele podia consagrar-se a si mesmo a Deus, ou a esposa ou os filhos, ou gado, casa, terras. Lev. 27. Foi assim que Samuel foi consagrado ao Senhor. I Sam. 1:11.

No caso de pessoas, um voto podia ser resgatado mediante determinada avaliação, ajustada pelos sacerdotes no caso de pessoas muito pobres. Lev. 27:1-8. Se o voto dizia respeito a algum dos animais apropriados para sacrifício, não podia ser resgatado. Caso um homem tentasse trocá-lo por outro, ambos os animais deviam ser ofertados. vs. 9 e 10. Em caso de ser um animal imundo, o sacerdote devia fazer a avaliação do mesmo. Podia ser resgatado, acrescentando-se um quinto ao valor calculado. vs. 11-13.
 

Três coisas se mencionam como não estando sujeitas à lei do voto: todos os primogênitos (vs. 26 e 27); qualquer coisa consagrada a Deus (vs. 28 e 29); o dízimo (vs. 30-34). Estas, como já pertencentes a Deus, não podiam ser votadas.
 

Há pessoas que não olham com agrado os votos. Todavia Deus providenciou quanto a eles. Conquanto seja melhor não votar, do que fazê-lo e não pagar. (Ecles. 5:5), os votos são às vezes justos e aceitáveis diante de Deus. “Abstendo-te de votas, não haverá pecado em ti”. (Deut. 23:22); mas se uma pessoa faz um voto, “não tardará em pagá-lo”. vs. 21. O fazer um voto é coisa optativa. O homem pode ou não fazer um voto, mas se o faz, “não violará a sua palavra: segundo tudo o que saiu da sua boca, fará”. Num. 30:2.
 

Deus quer que seu povo seja honesto e digno de confiança. Quer que cumpra suas promessas. Homem algum está cumprindo seus deveres cristãos se não se puder confiar nele nas transações comerciais. Homem algum pode violar sua palavra e reter o favor de Deus. Ninguém pode “se esquecer” de pagar suas contas – ou mesmo ser negligente a esse respeito, e ser reputado honesto aos olhos do céu. O cristão mais que todos, deve ser um homem de palavra. Não precisa apenas ser reto; deve ser pontual.
 

Na época em que vivemos, muitos consideram sua palavra como de pouca monta, e pouco respeito têm por seus compromissos. Conquanto se possa esperar isto do mundo, não pode haver desculpa quanto a qualquer que usa o nome de Cristo em repudiar sua promessa.

Todavia, quantos compromissos por pagar existem, quantos votos violados! São violados os votos matrimoniais; quebra-se o voto batismal; o voto da ordenação se viola. Concertos são repudiados, acordos desrespeitados, esquecidos compromissos. O violar a fé é comum, a desconsideração da responsabilidade, quase geral. O próprio Cristo cogitava se encontraria fé na terra quando voltasse. Lucas 18:8. Em meio de toda essa confusão, deve haver um povo em quem Deus possa confiar, em cuja boca não se encontre engano, fiel à sua palavra. A pergunta feita em Salmo 15, é também aí respondida. Pergunta: “Senhor, quem habitará no Teu tabernáculo? Quem morará no Teu santo monte?”. A resposta: “Aquele que anda em sinceridade, e pratica a justiça, e fala verazmente, segundo o seu coração. Aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal a seu próximo, nem aceita nenhuma afronta contra seu próximo; aquele a cujos olhos o réprobo é desprezado; mas honra os que temem ao Senhor; aquele que, mesmo que jure com dano seu, não muda. Aquele que não empresta o seu dinheiro com usura, nem recebe peitas contra o inocente; quem faz isto nunca será abalado”.
 

Uma das condições aqui mencionadas para habitar no tabernáculo de Deus, é jurar “com dano seu” e não mudar. Um homem pode combinar vender ou comprar alguma propriedade, e, depois de feito o acordo, receber uma oferta mais vantajosa. Ficará firme no negócio mesmo com prejuízo seu? Fa-lo-á, se é cristão.
 

Respeito pela própria palavra, eis uma clamorosa necessidade. Dela necessitam as nações, para que seus acordos não fiquem sem significação. Os negociantes dela precisam, para que não venham em resultado confusão e ruína. Os indivíduos têm dela necessidade para que não pereça na terra a fé. Acima de tudo, os cristãos precisam dela, para que não percam os homens sua visão e esperança, e o desespero se apodere da humanidade.
 

Esta é a hora e oportunidade supremas da igreja. O mundo é credor de uma demonstração de que há um povo que permanece fiel em meio de uma infiel geração; que respeita própria palavra, bem como respeita a palavra de Deus; que é fiel à fé uma vez entregue aos santos. Está atrasada a manifestação dos filhos de Deus. Rom. 8:19.

Esta revelação dos filhos de Deus, não é somente “a ardente expectação da criatura”, mas “toda a criação geme e está juntamente com dores de parto” por ela. vs. 22. E esta manifestação revelará um povo que tem o selo da aprovação de Deus. Guarda os mandamentos. Tem a fé de Jesus. Sua palavra é sim, sim, e não, não. São irrepreensíveis diante do trono de Deus. Apoc. 14:12 e 5; Tiago 5:12.
 

Como antes foi declarado, a oferta pacífica era uma oferta de comunhão em que tomavam parte Deus, o sacerdote e a pessoa. Era uma refeição em comum, tomada no recinto do templo, em que predominavam a alegria e o contentamento, e os sacerdotes e o povo entretinham conversa. Não era uma ocasião em que se efetuava a paz, antes uma festa de regozijo pela posse da mesma. Era geralmente precedida de uma oferta pelo pecado ou uma oferta queimada. Fizera-se expiação, espargira-se o sangue, o perdão havia sido concedido e assegurada a justificação. Para isto celebrar, o ofertante convidava seus parentes chegados e seus servos, bem como os levitas, para comerem com ele. “Nas tuas portas não poderás comer”, era o mandamento, mas só “no lugar que escolher o Senhor teu Deus”. Deut. 12:17 e 18. E assim se reunia toda a família dentro das portas do templo para celebrar de maneira festiva a paz que se estabelecera entre Deus e o homem, e entre o homem e homem. “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”. Rom. 5:1. “Ele é a nossa paz”. Efés. 2:14. O Israel de outrora era convidado a celebrar sua paz com Deus, o perdão de seus pecados, e o ser-lhes restituído o favor divino. Esta celebração incluía filho e filha, servo e serva, bem como o levita. Todos se sentavam à mesa do Senhor e se regozijavam juntos “na esperança da glória de Deus”. Da mesma maneira nos devemos gloriar em “Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual agora alcançamos a reconciliação”. Rom. 5:2 e 11.
 

Poucos a apreciam ou se regozijam na paz de Deus como deviam. Embora a razão seja, em muitos casos, falta de apreciação do que Deus tem feito por elas, já muitas vezes almas queridas que deixam de compreender que lhes assiste o direito e o privilégio de se sentirem contentes em sua religião. Vivem à sombra da cruz, em lugar de viver aos seus gloriosos raios.

Acham que há qualquer coisa errada na felicidade, que é impróprio sorrir, e que mesmo o inocente riso é coisa sacrílega. Carregam aos ombros o fardo do mundo, e sentem que passar qualquer tempo numa recreação é, não somente um desperdício de tempo, mas positivamente irreligioso. São bons cristãos, não são felizes, porém. Caso vivessem nos dias de Cristo e O seguissem, poriam em dúvida a conveniência de ir às bodas de Cana da Galiléia. Ficariam mesmo perplexos por ver Cristo comer e beber com pecadores. Juntamente com os discípulos de João, estariam jejuando e orando. Lucas 5:29-35.
 

Isto é escrito com inteira consideração dos tempos em que vivemos. Se jamais houve um período em que a seriedade e a sobriedade devessem caracterizar nossa obra, este é aquele em que vivemos. Em face da crise a aproximar-se, que espécie de homens nos convém ser, em toda a santa conversação e piedade! Toda frivolidade e leviandade deve ser posta de lado, tomando a solenidade posse de todo elemento terreno. Grandes e momentosos acontecimentos aproximam-se a passos rápidos. Não é tempo de frivolidades e insignificâncias. O Rei está às portas!
 

Estas condições, no entanto, não nos deviam fazer perder de vista o fato de sermos filhos do Rei, de estarem perdoados os nossos pecados, e de que temos direito a estar contentes e nos regozijar. A obra deve ser finalizada, e compre-nos ter nela uma parte; mas afinal de contas é Deus que deve concluí-la. Muitos falam e agem como se fossem eles que devessem terminar a obra, como se tudo deles dependesse. Parecem pensar que têm a responsabilidade da obra sobre si, e que, conquanto Deus possa ajudar, a eles pertence na verdade o fazer o trabalho. Mesmo em suas orações, lembram muitas vezes a Deus do que Ele deve fazer, temerosos de que esqueça algumas coisas que têm no coração. São boas almas, ansiosas de fazer o que é justo em todo tempo, mas não aprenderam a lançar o seu cuidado sobre o Senhor. Estão fazendo tudo ao seu alcance para levar o fardo e, conquanto gemendo sob o mesmo, estão decididos a não desistir. Lutam para a frente, e estão conseguindo fazer muito. São valiosos obreiros, e o Senhor os ama ternamente.

Estão faltando, porém, em alguns importantes elementos, e não fruem muito regozijo de seu cristianismo. São Martas que labutam e mourejam, mas deixam fora aquela coisa que é necessária. Olham com desaprovação às Marias que não estão fazendo como fazem elas, e levam sua queixa ao Senhor. Não podem compreender como Cristo pode tomar a parte de Maria, quando, a seu ver, ele devia ser censurada. Trabalham, mas não se sentem muito contentes com isso. Pensam que outros não estão fazendo o que lhes cumpre. Lucas 10:38-42.
 

É a mesma lição salientada na história do filho pródigo. O filho mais velho nunca tinha feito qualquer coisa muito reprovável.
 

Sempre trabalhara arduamente , e nunca desperdiçara tempo em festas e bebedices. E agora que o filho mais novo estava de volta à casa, depois de malgastar sua porção em vida dissoluta, “ele se indignou, e não queria entrar” para a festa feita em honra do irmão que voltara. Não adiantou o pai sair e instar com ele. Antes o censurou, acusando-o de que vindo “este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado”. Lucas 15:30. Bondosamente lhe torna o pai: “Era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se”. vs. 32. Não nos é contado o resto da história. Entrou o filho? Prevaleceu o amor do pai? Não sabemos. A história não diz. O último quadro que nos é apresentado, é do filho mais velho do lado de fora, indignado. É de esperar que se arrependesse e entrasse, mas não sabemos.
 

Os cristãos devem ser um povo feliz, mesmo em meio dos mais solenes acontecimentos. E por que não haviam de sê-lo? Seus pecados estão perdoados. Têm paz com Deus. Estão justificados, santificados, salvos. Deus lhes tem posto nos lábios um novo canto. São filhos do Altíssimo. Estão andando com Deus. São felizes no Seu amor.
 

Poucos cristãos têm no coração a paz de Deus como deviam. Parecem esquecer sua herança. Disse Cristo: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou: não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”. João 14:27.
 

Todavia o coração de muitos se perturba. Têm temor. Andam ansiosos. Algum querido está fora do rebanho, e eles estão buscando “pô-lo para dentro”.

Dia e noite labutam e oram. Não deixam nenhuma pedra por revolver em seu esforço de pôr cerco a sua salvação. Se alguém pode ser salvo pelo trabalho de outro, estão decididos a assim fazer. E não deixam a Deus fora do plano. Oram. Rogam. Oram como se Deus necessitasse ser despertado. E afinal o querido volta para Deus. Como se sentem felizes! Agora, podem descansar. Sua obra está feita, a tarefa realizada!
 

Acaso ocorre alguma vez a essas almas que Deus está tão interessado na conversão daquele ente amado como o estão eles próprios, ou antes, mais do que eles podem estar? Acode-lhes porventura que, muito tempo antes de começarem a orar esforçar-se, Deus já planejou e operou pela salvação daquele ser querido; que está fazendo e tem feito tudo quanto é possível fazer? Que, em lugar de tomarem a obra do Senhor e Lhe suplicarem que os ajude, seria melhor se reconhecessem essa obra como pertencendo a Deus, e com Ele cooperassem? Desde o momento em que esta compreensão invade uma alma, dela se apodera a paz. Isto não faz uma pessoa orar ou trabalhar menos, mas leva-a a aliviar a sua responsabilidade. Começará a orar com fé. Se cremos que Deus está realmente operando, se acreditamos que tem interesse na salvação dos homens, oraremos mais que nunca, mas a responsabilidade deixaremos com Ele.
 

Muito de nosso trabalho se baseia na incredulidade. Com Habacuc; sentimos como se Deus não estivesse realmente fazendo Sua parte. Hab. 1:2-4. Ele precisa de ser lembrado. Há coisas para as quais Lhe devemos chamar a atenção, e começamos a pô-las perante Ele. Em vez de ter fé em Deus, em Sua sabedoria, Seu poder, tomamos sobre nós o fardo, dizendo, virtualmente, que não podemos confiar que Ele faça o que prometeu. Ao vir a fé, porém, ao raiar sobre nós a maravilhosa luz de que Deus rege ainda os negócios dos homens; que está fazendo o máximo para salvar a humanidade, e que nossas orações deveriam ser no sentido de Lhe conhecer a vontade – ao compreendermos isto, então a segurança, o descanso e a paz nos sobrevêm com abundância. Não haverá menos obras; serão, porém, obras de fé. Não haverá menos orações, mas de fé serão elas. Dia a dia ascenderão ações de graças pelo privilégio de cooperar com Deus.

Alma e coração encher-se-ão de paz. Não mais haverá lugar para a ansiedade e a aflição. Paz, doce paz, sossego, descanso, felicidade e alegria serão nossa diária porção. A vida e sua perspectiva se mudam inteiramente. Aprendemos a sentar-nos aos pés de Jesus. Enquanto Marta continua a trabalhar - e a queixar-se baixinho – Maria está escutando as palavras de vida. Encontrou a “uma só” coisa necessária. Compreende a palavra de Cristo: “A obra de Deus é esta: Que creiais”. João 6:29. E ela crê e descansa.
 

Não há mais alta bem-aventurança possível do que possuir no coração a paz de Deus. É o legado que nos deixou Cristo. “Deixo-vos a paz”, diz Ele. Maravilhosas palavras! “A Minha paz vos dou”. João 14:27. Sua paz era aquela tranqüila segurança que provém da confiança em Deus. Ao tempo em que Cristo proferiu estas palavras, estava-Se aproximando da cruz. Tinha diante de Si o Gólgota. Não vacilou, no entanto. Tinha o coração cheio de paz e segurança. Conhecia Aquele em quem confiava. E descansava na certeza de que Deus conhecia o caminho. Ele podia não ser capaz de “ver através dos portais da tumba”. A esperança talvez “não Lhe apresentasse Sua saída do sepulcro como vencedor, nem Lhe falasse da aceitação do sacrifício por parte do Pai”. Mas, “pela fé, descansava nAquele a quem Lhe tinha sido sempre deleite obedecer... Pela fé, foi Cristo vitorioso”. - O Desejado de Todas as Nações, págs. 561 e 563.
 

Aquela mesma paz nos legou Ele. Ela significa unidade com o Pai, companheirismo, comunhão. Quer dizer serena alegria, descanso, contentamento. Significa fé, esperança e amor. Nela não há temor ou ansiedade. Quem quer que a possua, tem aquilo que excede a todo entendimento. Tem uma fonte de força que não depende de circunstâncias. Está em harmonia com Deus.

 

11.  OFERTAS PELO PECADO

Pecado e oferta pelo pecado têm o mesmo nome em hebraico. A oferta pelo pecado estava com ele tão intimamente ligada, que o nome se tornou o mesmo. Quando Oséias diz dos sacerdotes: “Alimentam-se do pecado do Meu povo”, aquela mesma palavra, chattaht, é empregada, como ocorre em outras partes, por “oferta pelo pecado”. Oséias 4:8.
 

As ofertas pelo pecado são primeiramente mencionadas em relação com o ato de Aarão e seus filhos serem consagrados. Êxodos 29:13. Não são, entretanto, mencionadas como qualquer coisa nova. Pode-se assim acreditar que as ofertas pelo pecado já existiam naquela ocasião.
 

Convém notar que as ofertas pelo pecado só bastava para pecados cometidos por ignorância. Lev. 4:2, 13, 22 e 27. Diziam respeito a pecados cometidos por erro, engano, ou atos precipitados, de que o pecador não estava advertido na ocasião, mas de que mais tarde teve conhecimento. Não providenciavam quanto a pecados cometidos conscientemente, com conhecimento e persistência. Quando Israel pecava deliberadamente, como no adorar o bezerro de ouro, e recusar desafiadoramente a misericórdia de Deus quando Moisés os chamou ao arrependimento, sobrevinha o castigo. “E caíram do povo naquele dia uns três mil homens”. Êxodo 32:28.
 

Quando ao pecado consciente ou presunçoso, a lei reza: “Porém o que comete algum pecado por soberba, ou ele seja cidadão ou forasteiro (porque foi rebelde contra o Senhor), perecerá do meio do seu povo: pois que desprezou a palavra do Senhor, e tornou vão o Seu preceito: por isso mesmo será exterminado, e levará sobre si a sua iniqüidade”. Números 15:30 e 31. (Trad. Figueiredo). Há algumas exceções a essa lei, entretanto, as quais serão consideradas mais adiante.
 

O capítulo quatro de Levíticos discute o assunto das ofertas pelo pecado. Mencionam-se quatro classes de ofensores: O sacerdote ungido (vs. 3-12), toda a congregação (vs. 13 e 21), o príncipe (vs. 22-26), um do povo comum (vs. 27-35).

Os sacrifícios exigidos não eram os mesmos em todos os casos, nem se dispunha do sangue pela mesma maneira. Se o sacerdote ungido pecava “fazendo pecar ao povo”, devia trazer “ao Senhor pelo seu pecado um novilho sem defeito”. Lev. 4:3. Se toda a congregação de Israel pecasse por ignorância, também deviam oferecer “pelo seu pecado um novilho”, e o trariam “a porta do tabernáculo”. Vs. 14. Se um dos príncipes pecava, devia trazer “um bode tirado dentre as cabras, que não tenha defeito”. vs. 3. Se um do povo pecava por ignorância, devia trazer “uma cabra sem defeito”. vs. 28. No caso de não poder apresentar uma cabra, podia levar uma cordeira. vs. 32.
 

Em todos esses casos o pecador tinha de prover a oferta, colocar a mão sobre a cabeça do animal, e matá-lo. Quando toda a congregação pecava, devia prover a oferta, e os anciãos tinham de pôr as mãos sobre a cabeça do novilho.
 

Na maneira de dispor o sangue, havia uma diferença que deve ser observada. Quando o sacerdote ungido pecava e levava seu novilho e o matava, devia molhar “seu dedo no sangue, e daquele sangue espargirá sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário”. vs. 6. Devia também pôr “daquele sangue sobre as pontas do altar de incenso aromático, perante o Senhor, que está na tenda da congregação: e todo o resto do sangue do novilho derramará à base do altar do holocausto, que está à porta da tenda da congregação”. vs. 7.
 

Esta instrução é específica. Ao ser morto o novilho, o sacerdote colhia o sangue, e parte dele era levado para o interior do primeiro compartimento do santuário. Ali o sangue era espargido sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário e também posto nas pontas do altar do incenso aromático que estava no primeiro compartimento. O resto do sangue era derramado à base do altar do holocausto, que estava no pátio.
Quando toda a congregação pecava, o sangue era disposto da mesma maneira. Parte dele era levado ao primeiro compartimento do santuário, e espargido perante o véu. As pontas do altar de incenso eram tocadas pelo sangue, e o resto deste, derramado à base do holocausto, no pátio. vs. 18.

Quando um príncipe pecava, o sangue era disposto diversamente. Reza o registro: “O sacerdote com o seu dedo tomará do sangue da expiação, e o porá sobre as pontas do altar do holocausto: então o resto do seu sangue derramará à base do altar do holocausto”. vs. 25. Neste caso, o sangue não era levado para o interior do santuário e espargido perante o véu. Era posto nas pontas do altar do holocausto, no pátio, e o resto derramado à base do mesmo altar.
 

O mesmo se fazia com o sangue quando pecava uma pessoa comum. O sangue era posto sobre as pontas do altar do holocausto, e o resto derramado à base do altar. vs. 30 e 34.
Em cada um desses casos, a gordura era removida do cadáver e queimada sobre o altar do holocausto. vs. 8-10, 19, 26, 31 e 35. O corpo do animal, entretanto, era diversamente tratado nos diferentes casos. Se o sacerdote ungido pecava, o “couro do novilho, e toda a sua carne, com a sua cabeça e as suas pernas, e as suas entranhas, e o seu esterco, todo aquele novilho” “levará fora do arraial a um lugar limpo, onde se lança a cinza, e o queimará com fogo sobre a lenha: onde se lança a cinza se queimará”. vs. 11 e 12. O mesmo devia ser feito com o cadáver do novilho apresentado como oferta pelo pecado de toda a congregação. O corpo era levado para fora do acampamento, a um lugar limpo, e ali queimado com fogo sobre a lenha. vs. 21.
 

Não há, no capítulo em consideração, instruções quanto ao que era feito com o corpo do animal quando um príncipe ou uma pessoa comum pecava. No capítulo 6 de Levítico, entretanto, na “lei da expiação do pecado”, encontram-se mais instruções. “No lugar em que se degola o holocausto se degolará a expiação do pecado perante o Senhor; coisa santíssima é. O sacerdote que a oferecer pelo pecado a comerá: no lugar santo se comerá, no pátio da tenda da congregação”. Lev. 6:25 e 26. Esta declaração elucida o assunto. O sacerdote que oferecia a expiação pelo pecado, devia comê-la. Devia comê-la num lugar santo, no pátio da tenda da congregação. O vs. 29 declara: “Todo o varão entre os sacerdotes a comerá: coisa santíssima é”. Há entretanto uma exceção a isto: “Porém nenhuma expiação de pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação, para expiar no santuário, se comerá; será queimada no fogo”. vs. 30.

Lembrar-se-á que, quando o sacerdote ungido ou toda a congregação pecava, o sangue era levado para o primeiro compartimento do santuário, e aí espargido perante o véu. Parte do sangue também era posta nas pontas do altar do incenso, no lugar santo. Nestes casos o sangue era levado para o tabernáculo da congregação no lugar santo. A esses dois casos, portanto, se faz referência na declaração: “Nenhuma expiação de pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação, para expiar no santuário, se comerá; no fogo será queimada”. Quando o sacerdote ungido e toda a congregação pecava, o sangue era levado para o lugar santo; a carne não era comida, mas o corpo era levado para fora do arraial e queimado.
 

Quando um príncipe ou uma pessoa do povo pecava, o sangue era posto sobre as pontas do altar do holocausto, e o resto derramado à base do altar. A carne não era queimada no altar, nem levada para fora do acampamento para ser queimada como no caso do novilho. Era dada aos sacerdotes para ser comida num lugar santo.
 

Que isso não era um mandamento arbitrário sem qualquer significação especial, evidencia-se de um incidente registrado no décimo capítulo de Levítico. Os versículos 16 e 18, rezam: “Moisés diligentemente buscou o bode da expiação, e eis que já era queimado: portanto indignou-se grandemente contra Eleazar e contra Itamar, os filhos que de Aarão ficaram, dizendo: Por que não comestes a expiação do pecado no lugar santo? Pois uma coisa santíssima é: e o Senhor a deu a vós, para que levásseis a iniqüidade da congregação, para fazer expiação por eles diante do Senhor. Eis que não se trouxe o seu sangue para dentro do santuário; certamente havíeis de comê-la no santuário, como tinha ordenado”.
 

O leitor se lembrará de que, quando se usava um novilho como expiação pelo pecado – como no caso do sacerdote ungido ou de toda a congregação – o corpo era levado para fora do acampamento e queimado. O mesmo não se dava no entanto no caso do bode e do cordeiro. Quando um príncipe ou uma pessoa comum pecava, o sangue não era levado para o santuário, mas a carne era comida pelos sacerdotes. Os versículos citados acima dão a razão disto:

“O Senhor a deu (a carne) a vós para que levásseis a iniqüidade da congregação, para fazer expiação por eles diante do Senhor”. Segundo isto, os sacerdotes, por comerem a carne, tomavam sobre si a iniqüidade da congregação; isto é, levavam os pecados do povo. A razão dada para comerem a carne, é esta:” Não se trouxe o seu sangue para dentro do santuário; certamente havíeis de comê-la no santuário, como tinha ordenado”. Quando o sangue era levado para o primeiro compartimento, não era necessário comer a carne. Mas, se o sangue não era levado para o santuário, os sacerdotes deviam comer a carne e, comendo-a, levar a iniqüidade da congregação. Os pecados eram assim transferidos do povo para o sacerdócio.
 

Alguns têm tido dúvidas quanto à transferência do pecado para o santuário por meio do sangue, o quanto a ser possível a alguém levar os pecados do outro. O caso que está diante de nós é concludente. Ou o sangue deve ser levado para o santuário e aí espargido perante o véu, ou a carne deve ser comida. “O Senhor a deu a vós, para que levásseis a iniqüidade da congregação para fazer expiação por eles diante do Senhor”. Ao comerem a carne, os sacerdotes tomavam sobre si os pecados que, pela imposição das mãos e a confissão haviam sido transferidos do pecador para o animal. O comer a carne não era necessário nos casos em que o sangue fora levado ao santuário. Em tais casos dispunha-se efetivamente dos pecados levando o sangue para o santuário, e espargindo-o perante o véu. O corpo era levado fora do acampamento, a um lugar limpo, e aí queimado.
 

A seqüência deste incidente, segundo se acha registrada nos versículos 19 e 20 do capítulo 10, também é interessante. Aarão, Eleazar e Itamar não haviam comido da carne da oferta pelo pecado, ou expiação como deveriam ter feito. Aarão explicou sua falta dizendo que lhe sobreviera uma calamidade. Dois de seus filhos, enquanto sob a influência do vinho, haviam sido mortos perante o Senhor, como está relatado na primeira parte do capítulo 10. Aarão e os outros dois filhos restaram, ao que parece, não se achavam inteiramente sem culpa. Conquanto talvez não houvessem participado do vinho, estavam provavelmente perplexos quanto à justiça do juízo que viera sobre seus irmãos e companheiros de sacerdócio.

Em tais condições, não sentiam poder tomar sobre si as iniqüidades de outrem. Tinham bastante em carregar a própria. Foi com isto em mente, que Aarão perguntou: “Se eu hoje comera a expiação do pecado, seria pois aceito aos olhos do Senhor?” “E Moisés ouvindo isto, foi aceito ao seus olhos”. vs. 19 e 20. Daí podemos com razão concluir que Deus não esperava que os sacerdotes comessem a expiação pelo pecado, levando assim os pecados do povo, a menos que eles próprios estivessem limpos. “Purificai-vos, os que levais os vasos do Senhor”.
 

Como foi observado acima, no estudo crítico que nos anos posteriores se tem feito de muitas partes da Bíblia, têm-se lançado dúvidas quanto à questão da transferência do pecado. Embora seja claro que, em cada um dos casos o pecador tinha de pôr a mão sobre o sacrifício, é negado que isto significasse confissão ou transferência de pecado. Deve-se admitir, entretanto, que alguma coisa acontecia ao homem que levava sua oferta pelo pecado. Em cada um dos casos mencionados no quarto capítulo de Levítico, com exceção do sacerdote ungido, é dito que a expiação era feita, e que o pecado “lhes será perdoado”. Lev. 4:20, 26, 31 e 35. O homem era perdoado de seu pecado e ia embora livre.
 

Não era só o homem, no entanto, que acontecia alguma coisa. De algum modo os sacerdotes vinham a levar sobre si os pecados que o homem carregava antes. Ele pecara. Confessara seu pecado e fora perdoado. Mas agora os sacerdotes levavam o pecado. Como se efetuava essa transferência? Parece clara a conclusão. O homem, o pecador, pusera a mão sobre o inocente animal, confessara o pecado e assim, em figura, transferira o mesmo para o animal. Sendo pecador, ou pelo menos fazendo-se portador do pecado, o animal era morto. O sacerdote, ao comer a carne, tomava sobre si carne pecaminosa, e assim levava a “iniqüidade da congregação”.
 

Que a culpa era transferida no Dia da Expiação, é positivamente declarado. “Aarão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e os porá sobre a cabeça do bode, e envia-lo-á ao deserto, pela mão de um homem designado para isso”. Lev. 16:21.
 

Aqui se declara de maneira definida que Aarão deve pôr as mãos sobre a cabeça do bode, que deve confessar sobre ele os pecados dos filhos de Israel, e que porá esses pecados sobre a cabeça do bode. Não podemos crer que esta é exatamente a significação no caso expiação do pecado no quarto capítulo de Levítico? Que, de qualquer maneira, os sacerdotes vieram a levar a iniqüidade da congregação, é claro. A declaração a esse respeito é muito positiva. É também asseverado que era mediante o comer da carne que eles tomavam sobre si o pecado. Este pecado, naturalmente, não era o do animal, mas do pecador que trouxera sua expiação pela culpa, a fim de obter o perdão. O argumento parece completo. Originalmente, o pecador levava seus pecados. Agora, os sacerdotes os levam. Receberam-nos comendo a carne do animal. Sustentamos portanto que a Bíblia ensina a doutrina da transferência do pecado.
 

O colocar das mãos, por parte do pecador, sobre a expiação, tinha indubitavelmente significação mais ampla, especialmente no caso das ofertas queimadas e das ofertas pacíficas. Depois de o pecador haver confessado e ter sido perdoado, entrava em comunhão com Deus. Uma clara compreensão desta verdade é essencial para se entenderem os sacrifícios envolvidos.
 

As ofertas pelo pecado eram usadas em outros casos além dos já mencionados no quarto capítulo de Levítico. Um exemplo disso é a consagração de Aarão e seus filhos, segundo se acha registrado no capítulo oito de Levítico. Convém notar-se aqui, entretanto, que é Moisés que realiza a cerimônia, e não o sacerdote. Aarão e seus filhos, na verdade, põem as mãos sobre a cabeça do novilho destinado à expiação do pecado, e o matam, mas é Moisés que administra o sangue e o põe sobre as pontas do altar em redor. Deve-se notar também que neste caso, em vez de contaminar o altar, o sangue o purifica. “Moisés tomou o sangue, e pôs dele com o seu dedo sobre as pontas do altar em redor, e expiou o altar; depois derramou o resto do sangue à base do altar, e o santificou, para fazer expiação por ele”. Lev. 8:15.
 

Ao cabo dos sete dias de consagração de Aarão, foi ordenada uma oferta pelo pecado. Aarão devia tomar um bezerro para expiação pelo pecado por si mesmo antes de começar seu ministério pelo povo. “Então Aarão se chegou ao altar, e degolou o bezerro da expiação que era por ele. E os filhos de Aarão trouxeram-lhe o sangue, e molhou o seu dedo no sangue, e o pôs sobre as pontas do altar; e o resto do sangue derramou à base do altar”. Lev. 9:8 e 9. “Porém a carne e o couro queimou com fogo fora do arraial”. Lev. 9:11.
 

Havia outras ocasiões em que eram requeridas ofertas pelo pecado. Depois do parto, um pombinho ou uma rola para expiação do pecado. Lev. 12:6-8. Em casos de contaminação, o nazireu devia oferecer uma rola, ou um pombinho por expiação do pecado. Num. 6:10. Também, quando os dias de separação estavam cumpridos, o nazireu devia trazer um cordeiro de um ano, sem defeito, para expiação do pecado. vs. 14. Na consagração e purificação dos levitas, um novilho era requerido como expiação do pecado. Num. 8:8 e 12. Uma expiação pelo pecado era exigida por ocasião da festa da lua nova (Num. 28:15), pela páscoa (vs. 22), pelo pentecostes (vs. 30), no primeiro dia do sétimo mês (Num. 29:5), no décimo, décimo-quinto e vigésimo segundo dias também. vs. 10-38.
 

A cerimônia da bezerra ruiva merece especial consideração. Difere a muitos respeitos da oferta regular pelo pecado; serve todavia ao mesmo desígnio. Num. 19:9, diz: “Expiação é”. A palavra aí usada é a mesma que em outras partes para a expiação do pecado. Incluímos, portanto, a bezerra ruiva entre as ofertas pelo pecado ordenadas por Deus.
 

Israel era ordenado a trazer uma bezerra ruiva, sem defeito e sem mancha, e dá-la ao sacerdote Eleazar. Num. 19:2 e 3. O sacerdote tinha de levar a bezerra fora do acampamento, onde alguém a degolaria em sua presença. O sacerdote devia tomar então o sangue com o dedo, espargindo-o para a frente da tenda da congregação sete vezes. vs. 4. Depois disto, alguém devia queimar a bezerra perante Eleazar, “o seu couro, e a sua carne, e o seu sangue, com o seu esterco se queimará”. vs. 5. Enquanto a bezerra estava assim sendo consumida, o sacerdote devia tomar “pau de cedro, e hissopo, e carmesim”, e os lançar “no meio do incêndio da bezerra”. vs. 6. Depois o sacerdote devia lavar as vestes, banhar-se e volver ao acampamento, e seria imundo até à tarde. vs. 7.

Depois disto um homem que estivesse limpo devia ajuntar a cinza da bezerra, pondo-a fora do arraial, num lugar limpo. Serviria para a “água da separação: expiação é”. vs. 9.
 

As cinzas assim guardadas deviam ser usadas em certas espécies de contaminação, como o tocar num corpo morto. Nesse caso, a cinza devia ser tomada, e sobre ela poriam “água viva num vaso; e um homem limpo tomará hissopo, e molhará naquela água, e a espargirá sobre aquela tenda, e sobre todo o fato, e sobre as almas que ali estiveram: como também sobre aquele que tocar os ossos, ou a algum que foi morto, ou que faleceu, ou uma sepultura. E o limpo ao terceiro e sétimo dia espargirá sobre o imundo: e ao sétimo dia o purificará; e lavará os seus vestidos, e se banhará na água, e à tarde será limpo”. Num. 19:17-19.
 

Observar-se-á que, ao passo que esta cerimônia era uma “expiação” pelo pecado, sangue algum, nesse caráter, era empregado na purificação do homem de sua contaminação. A única vez que o sangue é mencionado, é por ocasião de ser morta a bezerra, quando os sacerdotes tomaram o sangue e o espargiram sete vezes diante do altar da congregação. vs. 4. Na aplicação à pessoa, individualmente, no entanto, não havia nenhuma aspersão de sangue.
 

Também se deve observar que a bezerra não era morta dentro dos limites do pátio da tenda, onde se matavam os outros sacrifícios. O sangue não era levado para o interior do santuário, não era aspergido perante o véu, não era posto nas pontas do altar do incenso, nem nas pontas do altar do holocausto, nem era derramado à base do mesmo; não entrava em contato direto com o santuário nem com o altar do holocausto.
 

No ritual da purificação, era exigido que uma pessoa limpa oficiasse. Outro ponto é que essa purificação aproveitava não somente os filhos de Israel, mas também ao estrangeiro. “Isto será por estatuto perpétuo aos filhos de Israel e ao estrangeiro que peregrina no meio deles”. vs. 10.
 

Convém notar a declaração registrada em Números 19:13, de que o tabernáculo ficaria contaminado se um homem não se purificasse. “Todo aquele que tocar a algum morto, cadáver de algum homem que estiver morto, e não se purificar, contamina o tabernáculo do Senhor”.

“Porém o que for imundo, e se não purificar, a tal alma do meio da congregação será extirpada; porquanto contaminou o santuário do Senhor: água de separação sobre ele não foi espargida; imundo é”. Num. 19:13 e 20. Que o santuário era contaminado pela confissão do pecado e pela aspersão do sangue, é por todos aceito. Aqui se faz a declaração de que um homem que não se purifica, que não confessa seu pecado, contamina o santuário do Senhor. A importância doutrinária desta declaração, não deve ser passada por alto.
 

A cerimônia ocasional da bezerra ruiva tem profunda significação para o reverente estudioso da palavra de Deus. A purificação do pecado é aí realizada pelo uso de água em que se punha cinza da bezerra morta. Essa purificação é para o estrangeiro da mesma maneira que para os filhos de Israel. Sua ministração é fora do acampamento, à parte do culto ordinário de Jeová, e não está diretamente ligada com a rotina usual do serviço do santuário.
 

É a esta cerimônia que o autor da epístola aos hebreus se refere, quando diz: “Porque se o sangue de touros e bodes, e a cinza duma novilha esparzida sobre os imundos, os santifica, quando à purificação, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?” Heb. 9:13 e 14. A oração de Davi, é: “Purifica-me com hissopo, e ficarei puro: lava-me, e ficarei mais alvo do que a neve”. Salmo 51:7.
 

Uso de água um tanto semelhante a este, para fins de purificação, é mencionado no capítulo cinco do livro de Números. No caso de certos pecados, “o sacerdote tomará água santa num vaso de barro; também tomará o sacerdote do pó que houver no chão do tabernáculo, e o deitará na água”. vs. 17. A “água santa” assim preparada é chamada “água amarga” nos versos 18, 19 e 23. Conquanto não seja necessário entrar em detalhes a respeito da aflitiva cerimônia mencionada neste capítulo, chamamos a atenção para o versículo vinte e três. O sacerdote devia escrever estas maldições num livro, e depois, “com a água amarga as apagará”.
 

Ao passo que o sangue é mencionado no Velho Testamento como a purificação do pecado, a água é mencionada da mesma maneira. A pia situada mesmo diante do tabernáculo; a água usada na cerimônia da bezerra ruiva; a água amarga usada para apagar o pecado segundo se registra no capítulo 5 de Números, testificam do emprego da água para purificação cerimonial. Está escrito a respeito de Cristo; “Este é aquele que veio por água e por sangue, isto é, Jesus Cristo: não só por água, mas por água e por sangue”. I João 5:6. Na crucifixão, “um dos soldados Lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. E aquele que o viu testificou, e o seu testemunho é verdadeiro; e sabe que é verdade o que diz, para que também vós o creiais”. João 19:34 e 35. A água batismal, a preciosa ordenança da humildade, ainda nos salva”... não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus”. I Pedro 3:21.

 

12.  OFERTA PELOS PECADOS E AS CULPAS

As ofertas pelos pecados eram oferecidas pelos pecados de ignorância, e não abrangiam pecados cometidos voluntariamente ou com consciência. Quando um israelita havia, sem se aperceber, cometido qualquer coisa “contra algum dos mandamentos do Senhor”, não era reputado como responsável, até que isso lhe fosse “notificado”. Assim que se apercebia de haver errado, devia levar uma oferta “pelo seu pecado que pecou”. Lev. 4:28 e 28. Mas, segundo é declarado, as ofertas pelo pecado não aproveitavam de modo algum em caso de pecados cometidos conscientemente. Os pecados dessa natureza eram chamados culpas, ou pecados ocultos, e exigiam diferente proceder.
 

Ordinariamente, uma culpa é um pecado voluntário, cometido com conhecimento, um deliberado passar por cima. Podia às vezes acontecer ser cometido sem a pessoa se aperceber, mas nesses casos o conceito era de que, não somente ela poderia ter sabido melhor, como de que deveria ter sabido, sendo portanto reputada responsável por sua ignorância. A palavra hebraica para a oferta ou sacrifício pelas culpas, asham, poderia ser também traduzida por dívida. Ela denota um maior grau de culpa que a oferta pelo pecado, embora talvez o pecado em si mesmo não seja maior.
 

Há alguns pecados que partilham da natureza da culpa. São em parte pecado, em parte culpa. Uma pessoa pode, em parte, ser ignorante da culpa cometida, não o sendo contudo inteiramente. É por isso, sem dúvida, que algumas transgressões mencionadas na primeira parte do capítulo cinco de Levítico, são chamados ao mesmo tempo pecado e culpa. A esses pertencem o deixar de denunciar (vs. 1), o tocar qualquer coisa imunda (vs. 2), tocar a imundícia de um homem (vs. 3), e o jurar temerariamente (vs. 4). Nestes casos o pecador era ordenado a levar uma “expiação ao Senhor pelo seu pecado que pecou: uma fêmea de gado miúdo, uma cordeira, ou uma cabrinha pelo pecado”. vs. 6.

Convém notar que a oferta é chamada tanto oferta pela culpa, como oferta pelo pecado. No versículo 7 denomina-se oferta pela culpa. No versículo 9 é chamada oferta pelo pecado. Alguns comentaristas bíblicos tratam essas ofertas como ofertas pelo pecado: outros as consideram como ofertas pela culpa. Uma vez que são chamadas ofertas pela culpa ou pelo pecado ao mesmo tempo, podemos considerá-las como uma espécie de oferta intermediária entre as duas, chamando-lhes ofertas pelos pecados e as culpas.
 

Uma pessoa que pecasse em qualquer das coisas acima mencionadas, devia levar uma fêmea do rebanho, uma cordeira ou uma cabrinha por oferta pelo pecado. vs. 6. Caso lhe fosse impossível levar uma cordeira, podia levar uma rola ou um pombinho. O sangue era posto no altar da oferta queimada, e o resto do mesmo derramado à base do altar, o mesmo ritual que tinha lugar na oferta pelo pecado, mencionado no capítulo anterior. vs. 7-9.
Caso o pecador não tivesse meios de levar uma rola ou um pombinho, podia apresentar como sua oferta a décima parte de um efa de flor de farinha, para expiação do pecado. Não lhe era, entretanto, permitido pôr óleo ou incenso sobre ela. A razão para isto é dada: “É expiação pelo pecado”. Oferecendo isto, o sacerdote tomava um punhado de flor de farinha, e a queimava para memorial sobre o altar. O restante pertencia ao sacerdote da mesma maneira que na oferta de carne. vs. 11-13.
 

Encontramo-nos aqui face a face com um notável acontecimento. De ordinário uma oferta pelo pecado devia ser tirado, e o sangue aspergido. Aqui, entretanto, a oferta de uma décima parte de flor de farinha é aceita. É positivamente declarado que o sacerdote devia tomar um punhado desta farinha e queimá-la sobre o altar, “assim o sacerdote por ela fará expiação do seu pecado, que pecou em alguma destas coisas, e lhe será perdoado”. vs. 13. Para que não se pense que esta é uma ordinária oferta de manjares, é duas vezes declarado: “Expiação de pecado é”. vs. 11 e 12. Parece, portanto, claro que, pelo menos neste caso, era aceita uma oferta pelo pecado que não continha sangue, fazendo ainda assim expiação.

Isto chama a atenção para a declaração que se encontra no versículo vinte e dois do nono capítulo de Hebreus: “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento do sangue não há remissão”. Conquanto seja em geral verdade que no serviço típico não podia haver remissão de pecados sem derramamento de sangue, não devemos esquecer a exceção aqui feita. Isto é, a regra de que não há remissão sem derramamento de sangue, vigora, conquanto haja, nos símbolos, a exceção aqui mencionada.
 

Idêntica situação se nos defronta no caso da referência feita à bezerra ruiva, discutida no capítulo anterior. Não havia aplicação imediata do sangue no processo de purificação ali mencionado, mas simplesmente de água e cinza. Era, todavia, uma purificação de pecado, uma oferta pelo mesmo. Num. 19:9.
 

Não sustentamos que seja possível o perdão de pecados sem o sacrifício do Calvário. A morte de Cristo é necessária à nossa salvação. É no entanto significativo que, nos símbolos acima mencionados, a expiação e o perdão do pecado eram por vezes efetuados sem o imediato e direto emprego do sangue.
 

Procurando uma aplicação disto na dispensação cristã, não podemos crer que se aplique a pessoas que nunca tiveram nenhum conhecimento direto ou definido do Salvador, e não obstante vivem segundo toda a luz que têm, fazendo a vontade de Deus tal qual a compreendem? Não pode significar aqueles pagãos que nunca ouviram o nome de Jesus, mas que ainda assim, em maior ou menor grau, partilham de Seu Espírito? Acreditamos que há pessoas que nunca ouviram o bendito nome do Senhor, que nada sabem do Calvário, ou da redenção em seu favor efetuada na cruz, as quais têm manifestado o espírito de Cristo, e serão salvas no reino do céu. A tais pessoas, cremos, isto se aplica.
O primeiro caso mencionado no quinto capítulo de Levítico, versículo um, é o de reter informação quando chamado em juízo. “E quando alguma pessoa pecar, ouvindo uma voz de blasfêmia, de que for testemunha, seja que o viu, ou que o soube, se o não denunciar, então levará a sua iniqüidade”. A “voz de blasfêmia” é traduzida por “ouvindo alguém jurar” na versão Figueiredo, e refere-se ao juramento prestado num tribunal judaico.

Quando Cristo estava sendo julgado, “insistindo o sumo sacerdote, disse-lhe: Conjuro-Te pelo Deus vivo que nos digas se Tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Mat. 26:63. Nessas circunstâncias Cristo não Se podia conservar em silêncio, e respondeu: “Tu o disseste”. Sentiu-Se compelido a responder ao ser conjurado, embora anteriormente guardasse silêncio. vs. 63 e 64.
 

É um caso assim o que estamos considerando. A Versão Brasileira torna mais claro esse pensamento: “Se alguém, chamado como testemunha de um fato (ou por ter visto, ou sabido), pecar, não o denunciando, levará sua iniqüidade”. O homem se acha sob juramento, ou conjurado; é uma “testemunha”, e foi interrogado quanto ao que “viu, ou é sabedor” da transgressão. Recusa-se a responder; não o denuncia. Nesse caso, “levará a sua iniqüidade”.
 

Os versículos dois e três referem-se a tocar em qualquer coisa imunda, “seja qual for a sua imundícia”. O homem o poderá ter feito despercebidamente; isto lhe poderia ter sido “oculto”, mas se “o souber depois, será culpado”.
 

O quarto caso é o de uma pessoa que “jurar, pronunciando temerariamente com os seus beiços, para fazer mal, ou para fazer bem, em tudo o que o homem pronuncia temerariamente com juramento”. Sabendo-o ele depois, também “culpado será”. vs. 4.
Em cada um destes casos, devia o pecador trazer a oferta apropriada, por sua transgressão, “o lhe será perdoado”.
 

Afirma-se por vezes que Deus, nos tempos antigos, não exigia confissão e ajustamento a fim de assegurar o perdão, mas pedia apenas que o pecador levasse o sacrifício exigido. O ritual da oferta pela culpa deve corrigir essa impressão. A confissão era positivamente exigida. “Quando homem ou mulher fizer algum de todos os pecados humanos, transgredindo contra o Senhor, tal alma culpada é. E confessarão o pecado que fizeram”. Num. 5:6 e 7.
 

Uma confissão geral, entretanto, não bastava. “Será pois que, culpado sendo numa destas coisas, confessará aquilo em que pecou”. Lev. 5:5. Esta declaração é positiva e decisiva. Não somente deve confessar, mas confessar “aquilo em que pecou”. É “aquilo” que vale. Só quando ele confessa assim, pode receber a expiação.

Em casos em que se achava envolvida fraude, a confissão não bastava, mesmo que ela fosse específica. Devia haver restituição. Essa restituição consistia em um quinto da soma envolvida, além do principal. “Então restituirá pela sua culpa, segundo a soma total, e lhe acrescentará o seu quinto, e o dará aquele contra quem se fez culpado”. Num. 5:7. Em caso de não ser possível restituir a soma à pessoa contra quem tinha sido cometida a falta, fosse por causa de morte ou qualquer outra coisa, e não houvesse parentes próximos, a restituição devia ser feita ao sacerdote. vs. 8. Essa restituição era além do cordeiro da oferta pelo pecado.
 

Desta consideração parece claro que Deus exigia de Seu povo mais que o trazer uma oferta. Requeria confissão e restituição. Se ainda á alegado que nada se diz a respeito de arrependimento, a clara resposta é tratar Deus aqui apenas com os atos exteriores do culto. Houvesse o arrependimento sido reclamado como requisito para o perdão, teria sido possível um sacerdote negar a expiação a um pecador mesmo que o homem houvesse cumprido a ordem de Deus. Haveria sido deixada com o sacerdote a decisão quanto a ter-se o homem realmente arrependido ou não. Isto é um poder demasiado perigoso para ser dado a qualquer criatura humana. Assim Deus sabiamente reservava isto para Si mesmo. Se resta qualquer dúvida quanto às exigências divinas no sentido do arrependimento e acerca de como o povo entendia a ordem de Deus, lede a súplica de Salomão quando da dedicação do templo, especialmente I Reis 8:46-53. Ou escutai a oração de Davi: “Não Te comprazes em sacrifícios, senão eu os daria: Tu não Te deleitas em holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus”. Sal. 51:16 e 17. Israel teve fartas ocasiões de conhecer que o que Deus queria não era sacrifícios, mas um coração quebrantado e contrito. Houvessem eles querido, e poderiam ter tornado seu culto tão belo quão espiritual, como por certo fizeram alguns.
O capítulo seis de Levítico menciona certos pecados que são notadamente culpas, e assim são chamados. Referem-se a mentir e enganar, vs. 2: a jurar falsamente. Vs. 3. Quem quer que tivesse feito qualquer dessas coisas “ficou culpado, restituirá o roubo que roubou, ou o retido que retém violentamente,

Ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou, ou tudo aquilo sobre que jurou falsamente; e o restituirá no seu cabedal, e ainda sobre isso acrescentará o quinto; aquele de quem é o dará no dia de sua expiação”. Lev. 6:4 e 5. Esses pecados são definidamente chamados culpas. Dizem respeito especificamente aqueles pecados pelos quais se pode fazer restituição. Nesses casos, o sacerdote devia fazer “expiação por ela (a pessoa) perante o Senhor, e será perdoada de qualquer de todas as coisas que fez, sendo culpada delas”. vs. 7.
 

Havia outras ocasiões que exigiam tanto uma oferta pela culpa como uma pelo pecado, pertencendo então à categoria que agora consideramos. Uma dessas era a purificação de leprosos. Depois de examinado pelo sacerdote e proclamado limpo, o leproso era restaurado à sociedade e à cidadania por meio de uma especial cerimônia de purificação descrita em Levítico 14:1-8. Outra cerimônia era necessária, entretanto, para restituí-lo à comunhão da igreja e permitir que tivesse parte no serviço do santuário. Isto está registrado nos versículos 9-32. O leproso devia prover uma oferta pela culpa, bem como uma pelo pecado, além das regulares ofertas queimadas e de manjares. A oferta pela culpa, o cordeiro, era morto, e o sangue não espargido no altar, mas posto “sobre a ponta da orelha direita daquele que tem de purificar-se, e sobre o dedo polegar da sua mão direita, e no dedo polegar do seu pé direito. Também o sacerdote tomará do log de azeite, e o derramará na palma da sua própria mão esquerda”. vs. 14 e 15. Depois disto o sacerdote devia tomar azeite e espargir “sete vezes perante o Senhor”. vs. 16. Devia então ungir o leproso, fazendo com o azeite como fizera com o sangue. O sacerdote devia pô-lo “sobre a ponta da orelha direita daquele que tem de purificar-se, e sobre o dedo polegar da sua mão direita, e no dedo polegar do seu pé direito, em cima do sangue da expiação da culpa; e o restante do azeite que está na mão do sacerdote, o porá sobre a cabeça daquele que tem de purificar-se: assim o sacerdote fará a expiação por ele perante o Senhor”. vs. 17 e 18. Depois disto o sacerdote devia fazer a oferta pelo pecado e a oferta queimada.

Caso o leproso fosse pobre, poderia substituir os dos cordeiros por duas rolas ou dois pombinhos, “conforme alcançar a sua mão”. vs. 21 e 22. Esta afirmativa ocorre várias vezes na descrição. Deus pedia apenas aquilo que o homem era capaz de prover.
 

É significativo que a lepra exigia tanto uma oferta pela culpa como uma pelo pecado. Devemos daí tirar a conclusão de que ela seja resultado de transgressão conhecida? Não pensamos assim. É preferível crer que o ritual no caso da lepra é meramente ilustrativo do fato de que há enfermidades que são o resultado de voluntária transgressões, e que não se podem atribuir a mera ignorância. Tal é indubitavelmente o caso, conquanto fosse temerário para o homem, o sentenciar sumariamente em qualquer caso em particular.
 

Outra ocasião que requeria uma oferta pela culpa, era a contaminação do nazireu durante o período de sua separação. Se isso acontecesse, ele devia levar “um cordeiro de um ano: e os dias antecedentes serão perdidos, porquanto o seu nazireado foi contaminado”. Num. 6:12. Notai a declaração de que mesmo se fazendo expiação por ele, “os dias antecedentes serão perdidos”. Pode-se obter o perdão; todavia, em muitos casos, há positiva perda. Isto concorda com a declaração do Novo Testamento: “Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia, como pelo fogo”. I Cor. 3:15. O homem é salvo, mas sofre prejuízo.
 

O ritual das ofertas pela culpa é o mesmo que o das ofertas pelo pecado. Os animais eram mortos no mesmo lugar, e a gordura queimada no altar das ofertas queimadas da mesma maneira. Lev. 7:1-5. Aos sacerdotes era ordenado comerem as ofertas pelo pecado, segundo indicado em Levítico 6:24-30, e o mesmo vigorava quanto às ofertas pela culpa. ”Todo o varão entre os sacerdotes o comerá: no lugar santo se comerá: coisa santíssima é. Como a expiação do pecado, assim será a expiação da culpa: uma mesma lei haverá para elas; será do sacerdote que houver feito propiciação com ela”. Lev. 7:6 e 7.
Uma distinção entre a oferta pelo pecado e a oferta pela culpa, é a do espargir do sangue. Na oferta pelo pecado, o sangue era posto nas pontas do altar da oferta queimada. Lev. 4:25, 30 e 34. Isto não é mencionado a respeito da oferta pela culpa. Segundo Levítico 7:2, o sangue da oferta pela culpa era espargido sobre o saltar em redor, da mesma maneira que o sangue das ofertas queimadas e pacíficas. Alguns pensam que a declaração: “Como a expiação do pecado, assim será a expiação da culpa: uma mesma lei haverá para elas” (Lev.7:7), tem referência ao aspergir do sangue. Nesse caso, o sangue da oferta pelo pecado, bem como o da oferta pela culpa deveriam ser aspergidos sobre o atar em redor, e também postos nas pontas do altar. Parece, entretanto, que a ”uma mesma lei” tem referência especial ao comer da carne. Na falta de qualquer declaração positiva a esse respeito, concluímos que o sangue da oferta pelo pecado era posto nas pontas do altar, o da oferta pela culpa aspergido sobre o altar em redor, e que, em ambos os casos, o restante era derramado à base da oferta queimada.

 

13.  O SERVIÇO DIÁRIO

Os sacerdotes que oficiavam no santuário eram divididos em vinte e quatro turmas, cada uma das quais seria duas vezes por ano, uma semana cada vez. Da mesma maneira eram os levitas divididos, bem como o era o povo. Os cordeiros para os sacrifícios da tarde e da manhã eram providos pelo povo; e a divisão do povo que fornecia os cordeiros para cada semana enviava a Jerusalém representantes para aquela semana, para auxiliar nos serviços, ao passo que o resto do povo permanecia em casa, passando aquela semana em especial devoção e meditação. Por ocasião de uma grande festa, como a páscoa ou o dia de expiação, grande Numero de sacerdotes, eram chamados de uma vez ao santuário, bem como um Numero correspondente de levitas.
 

O serviço diário incluía a oferta de um cordeiro sobre o altar das ofertas queimadas para cada manhã e cada tarde, com as devidas ofertas de manjares e libações, o espevitamento das lâmpadas do santuário, que se acendiam, a oferta de incenso, com o serviço que acompanhava, a oferta de manjares de Aarão e seus filhos, e a oferta de sacrifícios individuais, tais como as ofertas pelo pecado, ofertas queimadas, de manjares e pacíficas. Além desses deveres diários, havia muitos outros, como os sacrifícios pela purificação, pelos leprosos, por votos de nazireu, contaminações. Dos homens se requeria igualmente que cuidassem da cinza, de prover e examinar a lenha usada no altar, servir de vigias, abrir e fechar as portas, e servir como contínuos. O recinto do templo era um atarefado lugar, desde o romper da aurora até que se cerrassem as portas, à noitinha.
 

Ainda escuro, pela manhã, se abriam as portas, e a entrada era franqueada ao povo. Entre os sacerdotes lançavam-se sortes para decidir quem devia apresentar o sacrifício, quem espargir o sangue, quem remover as cinzas, oferecer o incenso, espevitar as lâmpadas, e prover o vinho para a oferta das libações.

Os sacerdotes tinham passado a noite no recinto do templo, conquanto só aos mais idosos fosse permitido deitar-se para repousar. Dos outros se esperava que permanecessem despertos, e estivessem prontos quando quer que fossem chamados. Pela manhã, antes do clarear, banhavam-se e, ao chegar a ocasião de se lançarem as sortes, estavam todos prontos.
 

Ao determinar quem havia de oferecer o incenso, não se incluía qualquer sacerdote que houvesse oficiado anteriormente. Ao ser, a princípio, erigido o santuário, Aarão e seus filhos oficiavam diariamente. Mais tarde havia tantos sacerdotes, que se tinham de lançar sortes a ver quem devia oferecer o incenso. Era portanto coisa fora de comum para qualquer sacerdote o oficiar na queima do incenso mais de uma vez, em sua carreira. Como essa parte especial do serviço diário acima de qualquer outra, levava o sacerdote mais perto da divina Presença, era considerada grande honra, bem como uma responsabilidade, e anelado prêmio.
 

Ao entrar o sacerdote no santuário para oferecer o incenso, o cordeiro para o sacrifício matutino, que fora previamente escolhido e apresentado ao Senhor, estava atado a uma das argolas que havia no soalho, do lado norte do altar. A traquéia-artéria e a goela do cordeiro eram cortadas com uma faca, e o sangue apanhado numa tigela de ouro, e aspergido ao redor sobre o altar. Depois disso o animal era esfolado e cortado em vários pedaços. As entranhas se colocavam sobre uma das mesas de mármore designadas para isso, sendo lavadas. Em seguida, seis sacerdotes levavam esses pedaços para cima do altar, onde eram arranjados em ordem, e queimados. Outro sacerdote levava a oferta de manjares de farinha; outro ainda, a oferta de manjares cozida do sumo-sacerdote; e ainda outro a oferta das libações. As ofertas eram todas salgadas antes de serem colocadas sobre o altar.
 

Enquanto isto tinha lugar fora, o sacerdote cujo serviço era oferecer o incenso, entrava no lugar santo. De ordinário, o mesmo era acolitado por outro sacerdote que levava brasas vivas do altar do holocausto, num vaso de ouro, colocando-as sobre o altar de incenso, e se retirava. O sacerdote a quem cabia o dever de oferecer o incenso, erguia então a tampa do incensário contendo o incenso, deitando-se sobre as brasas no altar.

Enquanto o incenso, numa nuvem de fumo, se elevava para o alto, ele se ajoelhava perante o altar em silenciosa adoração. Devia ter sido solene experiência a do sacerdote que se encontrava sozinho no lugar santo, próximo à tremenda presença de Jeová, o Senhor dos Exércitos. Como, na maioria dos casos, assim oficiava pela primeira vez, era uma experiência incomum. Sacerdote algum esquecia jamais os momentos em que estivera a sós com Deus. E se, como por vezes acontecia, o Senhor Se revelava na nuvem por sobre o propiciatório, a impressão produzida na mente do sacerdote pela santidade de Deus era tão profunda, que para sempre permanecia indelével. Vira a gloria do Senhor e não fora consumido.
 

O oferecimento do incenso terminava mais ou menos ao mesmo tempo que os sacerdotes concluíam sua obra matinal ao altar do holocausto. Quando a última parte – o derramar da oferta de libação – se estava concluindo, os levitas começavam a cantar o salmo indicado, o qual era entremeado de sons da trombeta de prata dos sacerdotes. Sempre que a trombeta tocava, o povo se ajoelhava e se punha em oração. O sumo-sacerdote passava aos degraus do templo e, com as mãos estendidas, proferia as bênçãos sacerdotais sobre o povo. Isto finalizava o serviço matinal. O da tarde, que se efetuava por volta das três horas, era semelhante ao da manhã. O cordeiro era morto, o sangue espargido, oferecido o incenso, e novamente proferida a bênção sacerdotal. Ao escurecer cerravam-se as portas.
 

Assim era efetuado o serviço diário todos os dias durante o ano, inclusive os sábados e dias de festa. Aos sábados, ofereciam-se pela manhã dois cordeiros, e dois à tarde, em vez de um como nos dias de semana. Em certos dias festivos, mais sete cordeiros eram oferecidos, mas do contrário, o serviço permanecia inalterável.
O cordeiro oferecido no serviço diário, era uma oferta queimada. Representava toda a nação, uma espécie de sumário de todas as ofertas. Encerrava os característicos vitais de cada um dos sacrifícios: era uma oferta de sangue, significando expiação; uma oferta substituta – “seja aceito por ele”(Lev. 1:4); uma oferta dedicada – inteiramente oferecida a Deus e consumida sobre o altar; era uma oferta de cheiro suave; “oferta queimada, de cheiro suave ao Senhor”. vs. 13.
 

Embora o sacrifício da manhã e da tarde fosse para a nação como um todo, e não aproveitasse a ninguém individualmente, servia não obstante a um fim definido para o indivíduo. Quando um israelita pecava, tinha de levar ao templo uma oferta, e aí confessar seu pecado. Nem sempre era possível fazer isto, no entanto. O ofensor poderia morar a um dia de viagem ao mesmo a uma semana, de Jerusalém. Impossível lhe era ir ao templo todas as vezes que pecava. Para tais casos constituíam os sacrifícios da manhã e da tarde uma temporária expiação. Provia como que uma proteção até que o pecador pudesse aparecer em pessoa no tabernáculo e fazer sua oferta individual.
 

Isto é ilustrado no caso de Jó. Seus filhos iam “e faziam banquetes em casa de cada um no seu dia”. Jó 1:4. Nessas festas, tinham sem dúvida lugar acontecimentos que não eram agradáveis a Deus. Jó temia que os filhos pecassem e também que se esquecessem, ou tardassem a levar o necessário sacrifício. Por esse motivo Jó ”se levantava de madrugada, e oferecia holocausto segundo o Numero de todos eles; porque dizia Jó: Porventura pecaram meus filhos, e blasfemaram de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente” vs. 5.
 

Jó oferecia uma oferta queimada por cada um de seus filhos. “Porventura pecaram meus filhos”, dizia. Acreditava que essa oferta proveria uma expiação provisória por eles, até que viesse o tempo em que reconhecessem sua falta e se prontificassem a ir a Deus por si mesmos.
 

De igual modo o sacrifício diário da manhã e da tarde, proporcionava temporária expiação por Israel. Significava ao mesmo tempo consagração e aceitação por meio de um substituto. Diz-se da oferta queimada individual: “Para que seja aceito por ele”. Lev. 1:4. Se o sacrifício individual era assim ”aceito por ele”, não podemos crer que a oferta nacional fosse aceita pela nação?
 

Cristo morreu por todos. Santos e pecadores igualmente partilham do sacrifício do Calvário. Foi “sendo nós ainda pecadores” que Ele deu a vida em resgate.

Muitos não farão aplicação pessoal do sacrifício, mas permanece o fato de haver Cristo morrido por eles. Seu sangue os protege. Ampla e cabal providência foi tomada quanto a sua salvação. Cristo “é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis”. I Tim. 4:10.Toda alma que vive hoje deve a existência ao Gólgota. Não fora pelo “Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo”, Adão teria ficado sem esperança. As palavras: “No dia em que dela comeres certamente morrerás”, haveriam selado sua sorte para sempre. Apoc. 13:8; Gên. 2:17. Mas Adão foi poupado. Não morreu. O Cordeiro tomou o seu lugar.
O mesmo se dá agora. Deus não mudou. Pecado e pecadores não têm direito de existir. O pecado é tão ofensivo aos olhos de Deus agora, como no jardim do Éden. Os pecadores têm permissão de viver e é lhes assegurada uma demora de execução somente pela virtude do sangue expiatório e Cristo. Porque o Cordeiro morreu, eles vivem. É lhes garantido um tempo de graça. Dia a dia lhes dá Cristo vida, a ver se “porventura, tateando” O podem “achar”. Atos 17:27.
 

O serviço da manhã expiava os pecados cometidos durante a noite anterior; o da tarde, os pecados cometidos durante o dia. Como os sacrifícios matutino e vespertino eram para a nação, e cobriam temporariamente todo pecado cometido durante a noite anterior ou durante o dia, compreende-se facilmente que alguns dos pecados assim cobertos não estavam confessados, e talvez nunca o viessem a ser. A menos que se creia que todo homem em Israel se apercebesse imediatamente de que havia transgredido, e confessasse os pecados, algum tempo devia mediar entre o cometer o pecado e sua confissão. Isto se acentuaria naturalmente mais ainda, se algumas semanas ou meses decorressem antes da confissão. No caso do impenitente, ou dos que apostatavam, seu dia de graça terminava no dia da expiação. A pessoa que, naquele dia, não afligisse sua alma, era “extirpada de seu povo”, isto é, seria posta fora de sob o pálio da igreja, excomungada. Lev. 23:29.
 

Surge por vezes a questão de serem ou não todos os pecados cometidos transferidos para o santuário.

Nosso estudo até aqui nos leva a crer que os pecados eram expiados provisoriamente, no sacrifício da manhã e da tarde, quando o cordeiro era oferecido no altar da oferta queimada pela nação. O sangue do sacrifício usado nas ofertas queimadas era sempre espargido “`a roda e sobre o altar”. Lev. 1:5 e 11. No caso de ser usada uma ave, o sangue era “espremido na parede do altar”. Vs. 15. Aceitamos, portanto, o ponto de vista de que, no serviço diário, havia, por intermédio do sangue espargido sobre o altar, uma transferência de pecados para o altar de ofertas queimadas, e que os pecados assim transferidos incluíam os de todo o povo. Uma vez reconhecido que a oferta queimada proporcionava expiação pelo pecado, segundo se declara em Levítico 1:4; se se reconhece que a diária oferta queimada era feita pela nação, e que ela efetuava por Israel a mesma obra realizada pelas ofertas queimadas de Jó por seus filhos (Jó 1:5); se se considera muito improvável que todos os pecados fossem imediatamente conhecidos e confessados antes do tempo do próximo sacrifício da manhã ou da tarde, parece inevitável a conclusão de que a todos os pecados era provisoriamente atendido quando o cordeiro era oferecido em sacrifício sobre o altar.
 

É quase escusado repetir que essa providência temporária só se tornava eficaz para salvação quando o ofensor fazia sua confissão individual do pecado, levando o respectivo sacrifício pelo mesmo, da mesma maneira que o pecador só é agora salvo pelo sacrifício de Cristo no Calvário, se aceita a Cristo individualmente. A morte do Cordeiro de Deus no Gólgota visa beneficiar todos os homens, mas somente os que aceitam o sacrifício e dele fazem aplicação pessoal, serão salvos. A morte do cordeiro, no altar judaico, era por toda a nação, mas unicamente os que se arrependiam e manifestavam sua fé trazendo um sacrifício pessoal, eram incluídos na reconciliação do dia da expiação. Os outros eram “extirpados”.
 

Deve-se observar, todavia, que esses pecados não confessados não eram transferidos propriamente ao santuário, mas ao altar da oferta queimada. Os sacerdotes não comiam a carne da oferta queimada – era toda queimada no altar. Lev. 1:13. O sangue não era posto nas pontas do altar, como no caso das ofertas pelo pecado, nem era levado para o santuário, mas espargido “à roda e sobre o altar” da oferta queimada. Lev. 1:5 e 11; 4:25, 30 e 34. É portanto claro que esses pecados eram transferidos ao altar da oferta queimada e não propriamente ao santuário.
 

Os sacrifícios da manhã e da tarde eram simbólicos, não só da expiação provida mediante o cordeiro, mas também da consagração da nação a Jeová. A vítima, inteiramente consumida sobre o altar, era um emblema dos que diariamente se consagravam a Deus, pondo-se com tudo quanto tinham sobre o altar, e que estavam dispostos a seguir o Cordeiro aonde quer que os conduzisse. De manhã e de tarde suas orações ascendiam ao Deus de Israel, misturadas com o suave incenso da justiça e perfeição de Cristo.
 

O pão da proposição era uma oferta perpétua ao Senhor, devendo portanto ser considerada uma parte do serviço diário. Consistia em doze pães colocados em duas filhas sobre a mesa no primeiro compartimento do santuário. Esse pão era renovado cada sábado, por ocasião de se trocarem as turmas de sacerdotes. O pão que estava sempre perante o Senhor, era chamado o “pão da proposição”. Êxo. 25:30. Como os sacrifícios matutinos e vespertino simbolizavam a diária consagração da nação a Deus e também sua confiança no sangue expiatório, como a oferta de incenso simbolizava os méritos e a intercessão de Cristo, como as lâmpadas no castiçal representavam a luz de Deus iluminando a alma e esclarecendo a palavra, assim o pão da proposição representava o reconhecimento, por parte do homem, de sua dependência de Deus, tanto quanto ao alimento temporal, como quanto ao espiritual, recebidos unicamente mediante os méritos e a intercessão de Cristo, que é o pão que desceu do céu. João 6:48-51.
 

O serviço diário provia assim expiação por meio do sangue do cordeiro; intercessão mediante a ascendente nuvem de incenso; vida física e espiritual, através do pão da proposição: e luz por meio da lâmpada no castiçal. Olhando do ponto de vista humano, o serviço diário significava consagração, ilustrada pelo cordeiro sobre o altar; oração, por meio do fumo do incenso; reconhecimento de completa dependência de Deus quanto ao pão de cada dia; e compreensão de que, unicamente mediante a luz derramada por Deus em nosso caminho, podem nossas vidas e mentes obscurecidos ser iluminadas.

O serviço diário simbolizava e significava a necessidade de Deus por parte do homem, bem como a completa provisão feita por Ele para suprir a essa necessidade.
 

Os serviços diários até aqui descritos têm sido de ordem geral; para a nação. Havia outra espécie, de igual importância, isto é, a oferta de sacrifícios levados pelos indivíduos para fins específicos. Dividiam-se os mesmos em duas classes: ofertas de cheiro suave, e não de cheiro suave. As primeiras eram aquelas que indicavam consagração, dedicação, ou reconhecimento. Eram ofertas queimadas, ofertas pacíficas, e ofertas de manjares. As não de cheiro suave eram ofertas pelo pecado e pelas transgressões. Com exceção das ofertas manjares, eram todas elas ofertas de sangue, tendo, como tal, valor expiatório, embora nem todas fossem especialmente oferecidas pelo pecado. A oferta queimada era uma oferta de consagração e dedicação: tinha todavia significação expiatória. Lev. 1:4. O mesmo se dava com a oferta pacífica. O ofertante colocava a mão sobre a cabeça da vítima, e a matava à porta do tabernáculo; depois, o sacerdote espargia o sangue sobre o altar ao redor. Este modo de proceder era o mesmo na oferta queimada, e significava expiação. Lev. 3:2.
 

As ofertas pelo pecado, e pelas transgressões, eram as mais importantes. Expiavam os pecados individuais, restituindo ao ofensor o favor divino. Como essas ofertas já foram discutidas noutra parte, não é necessário entrar em detalhes com relação a esse ritual. Entretanto, talvez convenha fazer algumas observações.
 

O sangue da vítima sacrifical nem sempre era levado para o santuário, para ali ser aspergido perante o véu. Isto, como já foi anteriormente notado, só se fazia no caso do sacerdote ungido e de toda a congregação. Lev. 4:5, 6, 16 e 17. Quando uma pessoa comum ou um príncipe pecava, o sangue era colocado sobre os cornos do altar da oferta queimada fora do tabernáculo, e a carne era comida pelos sacerdotes. Lev. 4:25 e 34; 6:30.
 

Quando o sacerdote ungido pecava, não havia ninguém mais alto em ordem para levar o pecado. Nesse caso a carne não era comida, mas o sangue era levado para o santuário, sendo aí aspergido perante o véu.

O mesmo se fazia no caso de toda a nação pecar como nação. A carne não era comida, mas o sangue levado para o santuário, e aí aspergido perante o véu. Quando uma pessoa comum ou um dos príncipes pecava, era diversa a situação. Por eles, o sacerdócio podia levar o pecado. A carne era, portanto, comida e o sacerdote que a comia, tomava assim sobre si o pecado do indivíduo. Além de o sacerdote comer a carne, o sangue era posto nas pontas do altar da oferta queimada.
 

Ver-se-á por aí que os pecados individuais confessados se transferiam ao santuário por duas maneiras. Quando o sacerdote ungido ou a inteira congregação pecava, o pecado, por meio do sangue, era transferido ao santuário, ao lugar santo. Quando um príncipe ou uma pessoa comum pecava, o pecado, por meio do comer a carne, era transferido ao sacerdócio, e por meio do sangue ao altar da oferta queimada.
 

Ao ser o serviço do santuário instituído, no princípio, Aarão, bem como seus filhos, ministravam diariamente no primeiro compartimento do santuário. O sumo-sacerdote oferecia a oferta de manjares, cuidava das lâmpadas, acendia-as, e queimava incenso no lugar santo. Lev. 6:19-23; 24:2-4; Num. 8:2 e 3; Êxo. 30:7 e 8. Em tempos posteriores tornou-se costume os sacerdotes oficiarem no primeiro compartimento, e só acidentalmente servia aí o sumo-sacerdote, como nos sábados ou nos dias de festas, e especialmente no dia de expiação, e na semana que o precedia. É significativo que, embora no serviço diário o sumo-sacerdote oficiasse vestido de seus trajes oficiais de sumo-sacerdote, usava as brancas vestes sacerdotais quando entrava no santo dos santos, no dia da expiação. Lev. 16:4, 23 e 24.
 

Resumindo a obra do serviço diário no santuário, destacam-se os seguintes pontos:
 

1. Uma expiação provisória geral é provida para a nação, no sacrifício da manhã e da tarde, do cordeiro sobre o altar da oferta queimada. O sangue do cordeiro registra os pecados cometidos, ao mesmo tempo que para eles provê expiação até ao tempo em que o ofensor leve seu sacrifício individual pelo pecado, ou, se deixa de fazê-lo, até ao dia da expiação. O corpo do cordeiro significa a consagração de Israel a Jeová, e é simbólico de Cristo, que nos “amou, e Se entregou a Si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a deus em cheiro suave”. Efés. 5:2. Os pecados para que se fazia provisão temporária e provisória nos sacrifícios da manhã e da tarde são, geralmente falando, os pecados não confessados. Esses, bem como outros, contaminam o tabernáculo do Senhor. Num. 19:13 e 20.
 

2. Os sacrifícios individuais pelo pecado constituem um registro de pecados perdoados. Cada pecado já foi registrado pelo aspergir do sangue da oferta queimada da manhã e da tarde. O levar uma oferta individual registra perdão para esses mesmos pecados. É como se fizessem acentos de livros, guardando-se um fiel registro de todos os pecados. Depois, quando o ofensor se arrepende de seu pecado e pede perdão, o mesmo é escrito ao lado de seu nome.
 

3. Os pecados não confessados são registrados no altar da oferta queimada, fora do tabernáculo. Os pecados confessados, no santuário, ou do contrário, nas pontas do altar da oferta queimada. Em todo caso, todos os pecados confessados iam ter afinal ao santuário. Ao partilharem os sacerdotes da carne das ofertas, cujo sangue era posto nas pontas do altar da oferta queimada, os pecados eram, mediante as ofertas dos sacerdotes bem como pela diária oferta do sumo-sacerdote (Heb. 7:27), transferidos ao lugar santo. Estamos portanto autorizados a dizer que todos os pecados, confessados – e apenas os confessados – se acham no próprio santuário. Ao chegar o dia da expiação, só os pecados confessados se passam em revista perante Deus, e só os pecadores que, pelo arrependimento e a confissão já foram perdoados e tiveram seus pecados transferidos para o santuário, recebem a expiação, o apagar dos pecados.
 

Assim, dia a dia, no decorrer do ano, os pecados eram transferidos ao santuário, contaminando-o. Isto, não podia, naturalmente, continuar indefinidamente. Um dia de final ajuste de contas tinha de vir, um dia de purificação. Esse dia era o dia da expiação. Era o dia de juízo, o maior dia do ano. Vamos considerá-lo no capítulo seguinte.

 

14.  O DIA DA EXPIAÇÃO

O dia da expiação era o maior dia em Israel. Era particularmente santo, e nele nenhuma obra se devia fazer. Os judeus chamavam-no Yoma, o dia. Era a coluna mestra do sistema sacrifical. Quem quer que, naquele dia, não afligisse sua alma, era extirpado de Israel. Lev. 23:29. O dia da expiação ocorria no décimo dia do sétimo mês, chamado Tishri, em geral o nosso outubro. A preparação especial para esse dia começava dez dias antes. A esse respeito, a Enciclopédia Judaica, no artigo “Expiação”, diz: “Os primeiros dez dias de Tishri se tornaram os dez dias de arrependimento do ano, destinados a operar uma perfeita mudança de coração, e fazer Israel, como criaturas nascidas de novo, atingindo a culminância no dia da expiação, quando o maior dom religioso, a perdoadora misericórdia de Deus, devia ser oferecida ao homem”. – Vol. II, pág. 281. Faz-se adiante a declaração de que “se desenvolvera nos círculos judaicos a idéia de que, no primeiro de Tishri, o sagrado Dia de Ano Novo e aniversário da criação, os feitos dos homens eram jogadores, e seu destino decidido, e que no dia dez de Tishri era selado o decreto do céu”. – Ibid.
 

Uma concepção judaica do que tinha lugar no dia da expiação, é dada da seguinte maneira na Enciclopédia Judaica: “Deus, sentado em Seu trono para julgar o mundo, ao mesmo tempo Juiz, Litigante, Perito e Testemunha, abria o Livro de Registro; este é lido, achando-se aí a assinatura de todo o homem. Soa a grande trombeta; ouve-se uma voz mansa e delicada; os anjos tremem, dizendo: Este é o dia de juízo: pois mesmo Seus ministros não são puros diante de Deus. Como um pastor faz a chamada de seu rebanho, fazendo-o passar sob a vara, assim faz Deus passar toda alma viva perante Ele para fixar o limite da vida de toda criatura e determinar-lhe o destino. No dia de Ano Novo, é escrito o decreto; no Dia da Expiação é selado quem há de viver e quem morrerá, etc..

Mas o arrependimento, a oração e a caridade podem desviar o mau decreto”. - Id., pág. 286.
 

No terceiro dia do sétimo mês, o sumo-sacerdote se mudava de sua casa em Jerusalém para os recintos do templo. Ali passava ele a semana em oração e meditação, e também preparando o ritual para o Dia da Expiação, de modo a não cometer erro algum. Havia com ele, pelo menos em anos posteriores, outro sacerdote que, em caso de o sumo-sacerdote adoecer ou morrer, podia levar avante o serviço no Dia da Expiação. Geralmente, um dos sacerdotes mais velhos também estava com o sumo-sacerdote durante este tempo, instruindo-o e ajudando-o, e certificando-se de que tudo estava compreendido, e seria feito da maneira aprovada. Na noite anterior ao Dia da Expiação, o sumo-sacerdote não tinha permissão de dormir, para que não lhe sobreviesse qualquer contaminação.
 

No Dia da Expiação todos se levantavam cedo. O sumo-sacerdote oficiava no sacrifício da manhã e no da tarde, levado a efeito nesse dia como nos outros. Num. 29:11. Acabado esse serviço, começavam os outros, especiais. O relato do décimo-sexto capítulo de Levítico, fornece as seguintes informações:
 

Primeiro o sumo-sacerdote se devia banhar, e vestir as vestes santas. Durante o ano usara a insígnia de sumo-sacerdote, o belo traje e o éfode com as pedras preciosas e o peitoral. Nesse dia, no entanto, antes de entrar no santíssimo, tirava esses vestes, pondo as brancas do sacerdote, sendo a diferença entre seu traje e o do sacerdote, que o cinto era branco, e que ele usava a mitra de linho do sumo-sacerdote em vez da tiara do sacerdote. Lev. 16:4; Êxo. 28:39 e 40; 39:28.
 

Ao começar o serviço, o sumo-sacerdote recebe da congregação dois bodes e um carneiro, os quais, juntamente com sua própria oferta pelo pecado, um novilho, são apresentados perante o Senhor. Ele mata o novilho, que é por si mesmo, e um sacerdote apanha parte do sangue numa tigela, mexendo-o de modo a não coagular, enquanto o sumo-sacerdote realiza outra parte do serviço.
 

Depois que o novilho é morto, o sumo-sacerdote toma brasas do altar da oferta queimada, pondo-as num incensário.

Enche também as mãos de suave incenso e, levando ambos, as brasas e o incenso, penetra no tabernáculo, e entra no santíssimo. Aí coloca o incensário no propiciatório, “e a nuvem do incensário cobrirá o propiciatório, que está sobre o testemunho, para que não morras”. Lev. 16:13.
 

Concluída esta parte da cerimônia, ele sai, e recebe do sacerdote o sangue do novilho, que leva para o santíssimo. Aí esparge o sangue com o dedo, sobre o propiciatório, para a banda do oriente, “e perante o propiciatório espargirá sete vezes do sangue com o seu dedo”. vs. 14. Por esse ato faz ele “expiação por si e pela sua casa”. vs. 6.
 

Antes de o novilho ser morto, teve lugar outra cerimônia. Lançaram-se sorte sobre dois bodes, uma sorte pelo Senhor e a outra pelo bode emissário. vs. 8. O bode sobre o qual caiu a sorte pelo Senhor, tem de ser oferecido como expiação do pecado. O outro, o bode emissário, deve ser apresentado vivo ao Senhor, “para fazer expiação com ele, para enviá-lo ao deserto como bode emissário”. vs. 9 e 10.
 

Saindo o sumo-sacerdote do santíssimo, depois de haver realizado o ritual com o sangue do novilho, mata o bode da expiação do pecado que é pelo povo. Torna a entrar no santíssimo, e esparge o sangue do bode como fez com o do novilho sobre o propiciatório e diante dele. vs. 15. Isto fazia expiação pelo santíssimo, “por causa das imundícias dos filhos de Israel e das suas transgressões, segundo todos os seus pecados”. vs. 16. Faz em seguida o mesmo para a tenda da congregação, isto é, o lugar santo. Feita a expiação pelo santuário, ele sai ao altar, e faz expiação por ele, pondo sobre os cornos tanto de sangue do novilho como do bode. Esparge-o com o dedo sete vezes, e assim “o purificará das imundícias dos filhos de Israel”. vs. 19. “Havendo pois acabado de expiar o santuário, e a tenda da congregação, e o altar, então fará chegar o bode vivo. E Aarão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e os porá sobre a cabeça do bode, e envia-lo-á ao deserto, pela mão de um homem designado para isso. Assim aquele bode levará sobre si todas as iniqüidades deles à terra solitária; e enviará o bode ao deserto”. Lev. 16:20-22.

Concluída essa parte do serviço, Aarão tira as roupas de linho, lava-se com água, pondo as vestes regulares de sumo-sacerdote. vs. 23 e 24. Sai então, e oferece uma oferta queimada por si e outra pelo povo. vs. 24. A gordura da oferta pelo pecado é então queimada sobre o altar. O homem que levou o bode emissário ao deserto deve banhar-se e lavar suas roupas antes de voltar ao acampamento. O homem que dispôs do novilho cujo sangue foi levado para o santuário, e cujo corpo foi queimado fora do acampamento, também deve lavar as roupas e banhar-se com água antes de voltar. vs. 26-28. A oferta especial mencionada em Números 29:7-11, consistindo em um bezerro, um carneiro e sete cordeiros para oferta queimada, e “um bode para expiação do pecado, além da expiação do pecado pelas propiciações”, é então oferecida antes do sacrifício regular da tarde, o qual encerra os serviços do dia.
 

Acerca da obra feita naquele dia, declara o registro: “Naquele dia se fará expiação por vós, para purificar-vos: e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor”. Lev. 16:30. No versículo 33 é apresentado um sumário: “Expiará o santo santuário; também expiará a tenda da congregação e o altar: semelhantemente fará expiação pelos sacerdotes e por todo o povo da congregação”.
 

Ao ler-se o relatório do Dia da Expiação segundo se encontra no capítulo 16 de Levítico, apresentam-se certas interrogações, as quais passamos a considerar. Se se pergunta: Que era realmente efetuado pelos serviços do Dia da Expiação? a resposta é, naturalmente, que se fazia expiação. Se outra pergunta é feita: Por quem, ou para que era feita a expiação? a resposta é, na linguagem do versículo trinta e três, que se expiavam o santo santuário, a tenda da congregação, o altar, os sacerdotes e todo o povo.
 

Isto divide a expiação em duas partes – expiação pelo santuário, isto é, pelas coisas santas; e expiação por pessoas, isto é, os sacerdotes e o povo. O designo da expiação pelo povo, declara-se, é “purificar-vos: e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor”. vs. 30. Quanto ao santuário, faz-se a declaração: “Fará expiação pelo santuário por causa das imundícias dos filhos de Israel e das suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e assim fará para a tenda da congregação que mora com eles no meio das suas imundícias”. vs. 16. Quanto ao altar, há a declaração: “Daquele sangue espargirá sobre ele com o seu dedo sete vezes, e o purificará das imundícias dos filhos de Israel, e o santificará”. vs. 19.
 

Note-se que os lugares santos e o altar não eram purificados por causa de qualquer pecado ou mal a eles inerente, mas “por causa das imundícias dos filhos de Israel e das suas transgressões, segundo todos os seus pecados”. O mesmo se verifica a respeito do altar. O sacerdote “o purificará das imundícias dos filhos de Israel, e o santificará”. vs. 19.
 

Estas declarações tornam claro que eram os pecados de Israel que contaminavam o santuário e o altar. Esta contaminação ocorrera durante o ano no ministério diário. Cada manhã e cada tarde fora morto um cordeiro, sendo seu sangue espargido sobre o altar, “ao redor”. Isto contaminara o altar. Os ofensores haviam trazido suas ofertas pelo pecado e a transgressão. No caso de um sacerdote ou de toda a congregação, o sangue da vítima se espargira no santuário. Isto o contaminara. No caso de um príncipe ou de uma pessoa comum, o sangue tinha sido posto nas pontas do altar da oferta queimada, e a carne comida pelos sacerdotes. Isto transferia os pecados para o sacerdócio, ao mesmo tempo que contaminava o altar. Por essa maneira o santuário e o altar se haviam contaminado, e o sacerdócio fizera-se portador dos pecados. Os serviços do Dia da Expiação se destinavam a remover todos esses pecados e purificar ao mesmo tempo o santuário e o sacerdócio, da mesma maneira que o povo.
 

É bem possível que alguém pergunte: Por que era necessária qualquer purificação por parte do povo? Não tinham eles trazido de quando em quando suas ofertas durante o ano, confessado os pecados e ido embora perdoados? Por que precisavam de ser perdoados duas vezes? Por que então se fazer “cada ano” “comemoração dos pecados?” Não deviam, “purificados uma vez os ministrantes, nunca mais” ter “consciência de pecado”? Heb. 10:2 e 3. Estas perguntas exigem respostas.
 

É oportuno observar que nossa salvação é sempre condicional, dependendo do arrependimento e da perseverança. Deus perdoa, mas o perdão não é incondicional e independente da futura direção do pecador.

Notai como explica Ezequiel: “Desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo iniqüidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as suas justiças que tiver feito não se fará memória: na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá”. Ezeq. 18:24.
 

Este versículo declara que, desviando-se um homem de sua justiça, de todos os seus atos bons “não se fará memória”. O contrário também se verifica. Se o homem tiver sido ímpio, mas se desviar de seus maus caminhos, “de todas as suas transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele”. vs. 22.
 

Deus mantém uma conta para cada homem. Sempre que, de um coração sincero, ascende uma súplica por perdão, Ele perdoa. Mas por vezes os homens mudam de idéia. Arrependem-se de seu arrependimento. Mostram, por sua vida, que o mesmo não é duradouro. E assim Deus, em vez de perdoar de maneira absoluta, definitiva, registra o perdão ao lado do nome das pessoas, e espera com o apagar final dos pecados para quando eles tiverem tido tempo de pensar maduramente no assunto. Se, ao fim de sua vida, se acham ainda com a mesma idéia, Ele os considera fiéis, e no dia do juízo seu registro é definitivamente limpo. Assim acontecia com Israel outrora. Ao chegar o Dia da Expiação, cada ofensor tinha oportunidade de mostrar que ainda estava com o mesmo espírito e queria o perdão. Se assim era, o pecado era apagado, e ele estava completamente limpo.
 

O Dia da Expiação era o dia de juízo para Israel, como se evidencia das citações no princípio deste capítulo. Dia a dia, durante o ano, os transgressores haviam chegado ao templo e recebido perdão. No Dia da Expiação esses pecados eram passados em revista diante do Senhor, ou, como diz o livro de Hebreus, se fazia “comemoração dos pecados”. Heb. 10:3. Naquele dia, todo verdadeiro israelita renovava sua consagração a Deus, e confirmava seu arrependimento. Em resultado, não somente obtinha o perdão, mas era purificado. “Naquele dia se fará expiação por vós, para purificar-vos: e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor.” Lev. 16:30.

Deve ter sido com o coração cheio de felicidade que Israel ia para casa na tarde daquele dia. “Purificados de todos os vossos pecados”. Maravilhosa segurança! A mesma promessa é dada no Novo Testamento: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça”. I S. João 1:9. Não só perdoados, mas purificados também! Purificado de “toda a injustiça”, de “todos os vossos pecados”!
 

Do juízo final, diz o revelador: “E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro que é o da vida: e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras.” Apoc. 20:12. “Os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros”. O Dia da Expiação era um tipo desse dia. Não havia livros de contas no santuário. Havia, porém, registro de pecado. Cada gota de sangue espargido no altar da oferta queimada, no serviço da manhã e da tarde, constituía um registro dos pecados cometidos. Nas pontas do mesmo altar, bem como no santuário, fazia-se um registro de pecados perdoados por meio da aspersão do sangue, ao chegarem os pecadores com seus sacrifícios individuais para obter perdão. No Dia da Expiação os pecados daqueles que já tinham obtido perdão eram apagados. Os outros, eram “extirpados”. Assim era o santuário purificado do registro do pecado acumulado durante o ano. Essa purificação do registro também efetuava a purificação do povo cujos pecados já estavam perdoados. Eram apagados. Não mais permaneciam como testemunho contra eles. A expiação estava feita, e o povo não se achava sob condenação. Estavam puros, livres, felizes. O próprio registro não exista mais.
 

Cabe-nos agora o dever de investigar como se realizava essa expiação. o estudioso observador desejará saber como o santuário era purificado pelo espargir de sangue, quando fora por aquele mesmo processo que ele se contaminara. Mais sangue não o haveria de contaminar ainda mais, em vez de o purificar? Também desejará saber porque se usa um novilho por expiação do pecado, da mesma maneira que se usa um bode, e o que cada um deles efetuava; e afinal porque é necessário um bode emissário.

Em qualquer estudo do santuário e do sacerdócio levítico, convém lembrar que tipo algum é um exato antítipo daquele a que se destina a representar. A obra real da expiação no céu envolve tantos fatores, que é de todo impossível encontrar um paralelo terrestre. Cristo viveu, morreu e ressuscitou. Como se pode encontrar um justo símbolo para ilustrar isto? Um cordeiro pode representar a Cristo e ser morto como Ele foi. Mas como se pode mostrar a ressurreição? Pode-se usar outro animal vivo, mas o tipo não é perfeito.
O sumo-sacerdote tipificava a Cristo, mas Cristo era imaculado, e o sumo-sacerdote não. Cada oferta que o sumo-sacerdote oferecia pelos próprios pecados, portanto, não podia ser realmente um tipo. Por isso várias cerimônias eram necessárias para ilustrar a obra completa de Cristo; ainda assim não o conseguiam fazer plenamente. O sacerdote tipificava certos aspectos do ministério de Cristo. Assim acontecia com o sumo-sacerdote, o véu, o pão da proposição, o incenso, o cordeiro, o bode, a oferta de manjares e muitas outras coisas no ritual do santuário. O compartimento santo tinha sua significação, as mesma maneira o santíssimo, o pátio, o altar, a pia, o propiciatório. Quase tudo esta simbólico, desde as vestes sacerdotais à cinza com que se aspergiam os imundos. Todavia, tudo isso reunido não constituía um símbolo perfeito, e grande parte desse simbolismo não refletia senão imperfeitamente seu original.
 

Noutro capítulo se declara que Aarão não somente representava o povo, como se achava, por assim dizer, identificado com eles. O que ele fazia, fazia-o o povo. O que este fazia, fazia-o ele. O sumo-sacerdote “representava todo o povo. Todos os israelitas eram considerados como estando nele”. Nele “tudo quanto pertencia ao sacerdócio se acumulava, atingindo a culminância”. “Quando ele pecava, o povo pecava”.
 

Adão era o representante do homem. Por ele “entrou o pecado no mundo”. Por sua “desobediência”, “muitos foram feitos pecadores”. E assim “pela ofensa de um só, a morte reinou por esse”, e “pela ofensa de um morreram muitos”. Rom. 5:12, 19, 17 e 15.
Cristo era também um homem representativo. O segundo e o último Adão. “O primeiro homem, da terra, é terreno;

O segundo homem, o Senhor, é o céu”. I Cor. 15:47. Este segundo homem, “o Senhor”, que “é do céu”, desfez tudo quanto o primeiro homem fizera por sua transgressão. Pela desobediência do primeiro homem “muitos foram feitos pecadores”. Pela obediência do segundo homem “muitos serão feitos justos”. Rom. 5:19. Pela ofensa do primeiro homem, “veio o juízo sobre todos os homens para a condenação”. Pela justiça do segundo, “veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida”. vs. 18. E assim “como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”. I Cor. 15:22.
 

O sumo-sacerdote era um tipo de Cristo, e um representante da nação. Como representante da nação, achava-se identificado com os seus pecados, era digno de morte. Como tipo de Cristo, era seu mediador e salvador. Em ambos os casos, ele tratava com Deus pelo povo. Neste sentido, era o povo. Se Deus o aceitava, acreditava o povo nele. Se o rejeitava, nele rejeitava o povo. Por esse motivo o povo estava ansioso por ouvir o som das campainhas e das romãs no Dia da Expiação. Quando, afinal, estava feita, e era completa a reconciliação, o som das campainhas ao tornar o sumo-sacerdote a por as vestes de seu cargo, era o sinal de que Deus aceitara o substituto. Ao sair ele, e se tornar o som distintamente ouvido por todos, profundas eram sua alegria e gratidão. Deus os havia mais uma vez aceito na pessoa do sumo sacerdote.
 

Quando o sumo-sacerdote entrava no santíssimo no Dia da Expiação, ali entrava como representante do povo. Nele aparecia Israel perante o Senhor para prestar contas dos pecados do ano. O registro desses pecados aparecia em sangue no altar da oferta queimada, e no santuário. Com o Dia da Expiação, chegara o dia do ajuste de contas, o dia do juízo, quando todos os pecados deviam passar em revista diante de Deus. O sumo-sacerdote aparece na presença divina, enquanto o véu de incenso o protegia. Pela primeira vez naquele ano o pecado é levado perante Deus no santíssimo. O sumo-sacerdote esparge o sangue do novilho “sobre a face do propiciatório, para a banda do oriente; e perante o propiciatório espargia sete vezes”, e recebe “expiação por si e pela sua casa”. Lev. 16: 14 e 11. Está limpo.

Sejam quais forem os pecados com que se havia identificado, sejam quais forem os de que era responsável, passaram, em figura, ao santuário. Está limpo; mas o santuário não o está.
 

O que até então se realizou, foi o seguinte: O sumo-sacerdote, em sua qualidade de representante, compareceu perante Deus e a lei. Reconheceu os próprios pecados e espargiu o sangue. A lei, com efeito, indagou: “Pecaste?”
 

O sumo-sacerdote respondeu: “Pequei, e confessei meus pecados”.
 

A lei diz: “O salário do pecado é a morte. Não tenho outra escolha senão exigir a vida”.
O sumo-sacerdote replica: “Eu trouxe o sangue da vítima. Aceita-o”.
 

O sangue é aspergido sobre o propiciatório. Foi aceito um substituto em lugar do pecador. Neste substituto foi posto o pecado; ele foi feito pecado, e como tal morreu. Pagou a pena da transgressão. Morreu em vez do pecador, e pelo pecado. Pagou a dívida por causa deste contraída.
 

Em nossa consideração dos sacrifícios pelo pecado, foi acentuado o colocar das mãos sobre a cabeça da vítima, transferindo assim para ela a culpa. Em cada caso a vítima morre tendo a culpa sobre sua cabeça, morre pelo pecado. Assim tomou Cristo nosso pecado sobre Si e foi feito pecado. Sendo feito pecado, deve morrer: pois o salário do pecado é a morte.
 

Cristo, entretanto, não somente morreu pelo pecado, mas pelos pecadores. Quando morreu pelo pecado, morreu porque Se havia identificado conosco e tomado sobre Si os nossos pecados. Morreu pelos pecados, porque os nossos foram lançados sobre Ele, e cumpria-Lhe sofrer a pena. Morrendo assim pelos pecadores, satisfez as exigências da lei.
 

Cristo morreu, não somente como um substituto pelos pecadores, mas também como o Imaculado. Tomando os nossos pecados sobre Si – com reverência o dizemos – devia morrer; a lei o exigia. Mas Cristo, pessoalmente, não havia pecado. Era imaculado; todavia morreu. E a morte do imaculado é uma parte definida do plano de Deus. A morte do pecador satisfaz a lei. A morte do Imaculado provê o resgate e liberta o pecador da morte.

Depois de o sumo-sacerdote haver oferecido o novilho e espargido o sangue do mesmo sobre o propiciatório e diante dele, era-lhe mandado degolar “o bode da expiação, que será para o povo”, trazer “o seu sangue para dentro do véu”, e fazer “com o seu sangue como o fez com o sangue do novilho”, espargindo-o “sobre o propiciatório, e perante a face do propiciatório. Assim fará expiação pelo santuário por causa das imundícias dos filhos de Israel, e das suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e assim fará para a tenda da congregação que mora com eles no meio das suas imundícias. Lev. 16:15 e 16.
 

Foi anteriormente observado, mas convém salientar aqui, que o sangue do novilho e o do bode efetuavam duas coisas diversas. O primeiro opera expiação por Aarão e sua casa. O segundo faz expiação pelo povo e o santuário. vs. 11, 15 e 16. Nada se diz quanto a fazer o sangue do novilho expiação pelo santuário, ou purificá-lo, mas isto é positivamente declaração do sangue do bode. vs. 15 e 16. Isto se pode explicar baseado nos seguintes fatos:
 

Em todos os casos em que se faz expiação por uma pessoa – com uma pequena exceção discutida algures – essa expiação se efetua por meio de sangue, e indica transferência de pecados para o santuário. O pecador passa os seus pecados para a vítima que é morta, e o sangue é aspergido no altar da oferta queimada ou no lugar santo do santuário. O sangue que – por haver o pecado sido confessado sobre a vítima – se poderia chamar sangue carregado de pecado, típica e cerimonialmente, contamina o lugar onde é aspergido. Assim se torna o santuário contaminado.
 

Quando o sumo-sacerdote sai depois de haver espargido o sangue do novilho, está limpo. Fossem quais fossem os pecados que levava, pelos quais era responsável, haviam sido confessados e transferidos ao santuário. Quando sai do santíssimo, está purificado, livre, santo, um tipo de Cristo o Imaculado. Confessou os próprios pecados, estes lhe foram perdoados, e não tem mais nenhuma confissão a fazer por si mesmo. O bode do Senhor, cujo sangue está prestes a espargir, também simboliza o Imaculado, o portador dos pecados. Em todas as ofertas feitas durante o ano, retratara-se a morte de Cristo, como o Imaculado. Foi feito pecado Aquele que não o conheceu.

No bode, no Dia da Expiação, Ele é tipificado como o escolhido de Deus, o inocente, puro.
Repetindo: No bode oferecido no Dia da Expiação, temos uma referência simbólica à morte do Cristo sem pecado, “santo, inocente, imaculado, separado dos pecados, e feito mais sublime do que os céus”. Heb. 7:26. O sangue desse bode tem eficácia purificadora. Torna possível a purificação do santuário.
 

O espargir do sangue dos sacrifícios da manhã e da tarde pela nação, abrangia todo pecado cometido em todo o Israel durante aquele dia em particular. O sacrifício diário no altar, representava Cristo, que morreu por nós, “sendo nós ainda pecadores”; que “Se entregou a Si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave”; que “é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Rom. 5:8; Efés. 5:2; I S. João 2:2. A diária oferta queimada é portanto simbólica dAquele que se deu a Si mesmo pelo pecado do mundo, morrendo por todos os homens, fazendo assim provisão por todos quantos houverem de ir a Ele para ser salvos. O espargir do sangue “sobre o altar em redor” denota expiação temporária ou provisória, ao mesmo tempo que constitui um registro de pecados cometidos, mas ainda não individualmente expiados.
 

As ofertas individuais, como pelo pecado, pela transgressão, e as ofertas queimadas, constituíam, com efeito, um registro de pecados para os quais se buscava expiação. Os pecados já haviam sido registrados no serviço diário da manhã e da tarde. Ora, os ofensores, como indivíduos, registravam seu arrependimento levando as ofertas exigidas, e o sangue era devidamente posto nas pontas do altar da oferta queimada, ou espargido sobre o altar de incenso, diante do véu. O sangue assim espargido registrava pecados confessados. Já notamos que todos os pecados de que se fazia confissão iam ter ao santuário; pois nos casos em que o sangue não era diretamente levado ali, a carne era comida pelos sacerdotes que, por esta maneira, levavam o pecado; e quando os sacerdotes ofereciam sacrifícios por si mesmos, estes pecados eram juntamente com os seus, levados para o lugar santo.
 

Este serviço do tabernáculo terrestre era típico da obra executada no santuário do alto, onde se mantém um completo registro dos pecados cometidos e dos confessados.

Quando o Dia da Expiação chegava, todo o Israel, esperava-se, devia ter confessado seus pecados, e ter essa confissão registrada com sangue no santuário. Para completar a obra, necessitava-se então que o registro fosse removido, os pecados apagados, purificando o santuário de sua contaminação por causa do sangue. Antes que se fizesse essa purificação específica, o sumo-sacerdote entrava no santíssimo com o sangue de um novilho, fazendo expiação por si e pela sua casa. Feito isto, começava a abra de purificação. O santíssimo era purificado com o sangue do bode, e depois, o santo. Assim era apagado o registro dos pecados. Depois, purificava-se o altar. “E daquele sangue espargirá sobre ele com o seu dedo sete vezes, e o purificará das imundícias dos filhos de Israel”. Lev. 16:19. Assim acabava ele “de expiar o santuário, e a tenda da congregação, e o altar”. vs. 20. Tudo estava então purificada, reconciliado, expiado.
 

Observar-se-á que até aqui, nada se tem dito no relatório a respeito da purificação do povo. Assim devia ser. O povo já confessara os pecados. Estavam perdoados. Só o registro de seus pecados permanecia, e nesse dia o mesmo era apagado. E, com o apagamento do registro, removia-se do santuário o derradeiro vestígio do pecado e o povo ficava limpo. “Naquele dia se fará expiação por vós, para purificar-vos: e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor”. Lev. 16:30. Todos quantos haviam, antecipadamente, levado seus pecados a juízo, tinham-nos apagados. O apagar do registro constituía a purificação do povo. Começava o ano com uma página limpa.
 

Desejamos chamar ainda a atenção para um fato, isto é, o pôr sangue do novilho nas pontas do altar. vs. 18. Que o sangue do bode seja posto no altar, não necessita mais explicação, pois isto é purificá-lo. Mas por que o sangue do novilho?
 

O sumo-sacerdote representa todo o povo. Trata por ele com Deus. Como representante de Cristo, efetua tipicamente a expiação, de modo que, quando sua obra está concluída no Dia da Expiação, foram tratados todos os pecados, e todos os pecados de que houve confissão, apagados. Quando, pois, ele confessa esses pecados, assim o faz em favor de Israel, e recebe expiação.

Daí se dizer que o sumo-sacerdote faz “expiação por vós, para purificar-vos: e sereis purificados de todos os vossos pecados”. vs. 30.
 

Havia sem dúvida em Israel pessoas que tardavam em confessar, até que era demasiado tarde para levar uma oferta individual pelo pecado antes do Dia da Expiação. Arrependiam-se, mas se tinham atrasado em ir ao santuário. Outros estavam doentes e não podiam ir, ou estavam em viagem em terras distantes. Nenhum desses levara suas ofertas pelo pecado ou transgressão. Deviam eles ser deixados fora?
 

Seus pecados estavam registrados pelo sacrifício diário da manhã e da tarde – por ele e nele – mas nenhuma confissão se registrara no santuário, pois não haviam levado nenhum sacrifício. Que devia ser feito? O sumo-sacerdote põe do sangue nas pontas do altar, assim registrando por eles confissão e perdão. Faz a obra que eles teriam feito caso houvesse tempo, ou tivessem podido e, em virtude de seu arrependimento, são incluídos na expiação. A tais pertencem o ladrão na cruz, e outros.
 

Assim termina a obra do Dia da Expiação, no que respeita a todos os pecados confessados. Todo aquele que confessou os pecados e deles se arrependeu, tem a certeza de que os mesmos foram apagados. Ouviu as campainhas ao tornar o sumo-sacerdote a por as vestes de seu ofício, anunciando a consumada obra. Esse não é somente um pecador perdoado; não está apenas perdoado, mas purificado. “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça”. I João 1:9. O perdão foi concedido no serviço diário; a purificação, no Dia da Expiação. O próprio registro do pecado, foi apagado. Israel está limpo.
 

 

15.  O BODE EMISSÁRIO


Ao considerarmos o Dia da Expiação, omitimos uma importante parte do serviço, a qual merece ser explicada em particular, isto é, a parte do bode emissário. Sobre esse assunto, muito se tem escrito, e diversas são as interpretações dadas. Expomos aquela que acreditamos ser a verdadeira e que melhor se harmoniza com o desígnio geral da expiação.
 

O bode emissário aparece em preeminência no Dia da Expiação, depois da obra de reconciliação estar completa. Depois de Aarão ter “acabado de expiar o santuário, e a tenda da congregação, e o altar, então fará chegar o bode vivo. E Aarão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e os porá sobre a cabeça do bode, e envia-lo-á ao deserto, pela não de um homem designado para isso. Assim aquele bode levará sobre si todas as iniqüidades deles à terra solitária; e enviara o bode ao deserto”. Lev. 16:20-22.
 

Estaremos lembrados de que o sangue do bode que era pelo Senhor purificava o santo, o santíssimo e o altar, “das imundícias dos filhos de Israel”, e “das suas transgressões, segundo todos os seus pecados”. Lev. 16:16 e 19. Foi acentuado que isto não era apenas perdão, mas purificação. O primeiro fora obtido no serviço diário, quando se levavam as ofertas individuais pelo pecado. O sangue fora então espargido, e o pecado perdoado. É repetidamente declarado que “o sacerdote por ele fará expiação do seu pecado, e lhe será perdoado”. Lev. 4:26, 31 e 35. o registro do pecado, não obstante, permanecia até ao Dia da Expiação, quando era, enfim apagado. Isto é exatamente o que acontece no grande dia do juízo, do qual o Dia da Expiação é um símbolo. Então se abrem os livros, apagando-se os pecados dos justos. Atos 3:19; Apoc. 20:12; Dan. 7;10. Daqueles cujos pecados não foram apagados, os nomes se-lo-ão. Êxo, 32:33; Apoc. 3:5; Sal. 69:28. Isto importa em eterna perdição.

O bode emissário servia a um propósito definido no serviço do Dia da Expiação. Sobre sua cabeça confessava o sumo-sacerdote “todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados”, e os punha “sobre a cabeça do bode”. Lev. 16:21. O bode levava os pecados “à terra solitária”. vs. 22. Esta cerimônia tirava os pecados do acampamento de Israel, sendo o derradeiro ato do sumo-sacerdote antes de se lavar e retomar as vestes do costume. vs. 23 e 24.
 

Duas perguntas requerem consideração: A quem, ou o que representa o bode emissário? E: Que parte é mesmo a sua nos serviços do Dia da Expiação?
 

Quando se lançavam sortes sobre os dois bodes recebidos da congregação, uma sorte era pelo Senhor e a outra pelo bode emissário. A palavra aqui empregada para o bode emissário. Azazel, tem sido objeto de muita discussão. Alguns crêem serem os dois animais símbolos de Cristo, representando simplesmente dois aspectos da mesma obra. Outros acreditam que os mesmos representam duas forças opostas, e que, se um é “pelo Senhor”, e o outro “por Azazel”, o ultimo deve significar “por Satanás”. Alguns eruditos, provavelmente a maioria, sustentam que Azazel é um ser pessoal, perverso e sobre-humano; outros contestam que quer dizer “um que remove”, especialmente “por uma série de atos”. Parece mais razoável acreditar que, sendo um bode “pelo Senhor”, ser pessoal, também o outro deva ser por um ser pessoal. Demais, como os dois bodes se acham evidentemente em antítese, o ponto de vista coerente seria aquele que sustenta ser Azazel oposto a “o Senhor”. Outro não poderia ser senão Satanás. Conquanto acreditemos que o peso das provas seja em favor de considerar Azazel como o nome de um mau espírito pessoal, existem certas aparentes dificuldades em face deste ponto de vistam, as quais devem ser consideradas. A principal entre elas, é a declaração de que o bode emissário “apresentar-se-á vivo perante o Senhor, para fazer expiação com ele, para enviá-lo ao deserto como bode emissário”. Lev. 16:1.

Se Azazel significa um “mau espírito” – Satanás – como pode ser possível “fazer expiação com ele”? Certo, se dirá, não se pode fazer expiação com um bode que represente a Satanás.
 

Cremos que uma consideração do papel do bode emissário fornece a solução a esse problema. Concluída a expiação com o bode do Senhor, feita a reconciliação e a purificação pelo santuário e o altar, é trazido o bode por Azazel. Note-se que o sacerdote tinha “acabado de expiar”; o santuário e o altar haviam sido purificados; fizera-se a expiação; havia-se acabado de expiar; então, e não antes, aparece o bode emissário em seu papel especial. Sustentamos, portanto, que o bode emissário não tem parte na expiação que já foi realizada com o sangue do bode do Senhor. Essa obra está completa. O bode emissário não tem nela parte alguma.
 

Talvez se apresente a objeção de que, sendo a iniqüidade dos filhos de Israel que se coloca sobre a cabeça do referido animal, não pode ser justo nosso argumento. O texto em questão reza que Aarão devia confessar “todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados”, pondo-os “sobre a cabeça do bode”, enviando-o “ao deserto, pela mão e um homem designado para isso”. Lev. 16:21. Consideremos isto.
 

A maior parte dos pecados cometidos, são partilhados na responsabilidade. A pessoa que peca, é freqüentemente a mais culpada, mas nem sempre é assim. Algumas pessoas são mais ofendidas pelo pecado do que pecam elas próprias. O homem que educa uma criança para furtar para ele, não pode fugir à responsabilidade dizendo não ter ele próprio furtado. Aquele que seduz uma moça a pecar, embora não cometa ele próprio o pecado, tem a culpa. Deixando os pais de infundir retos princípios nos filhos, hão de dar contas um dia. Assim é e assim deve ser. Raramente a responsabilidade do pecado cabe apenas a uma pessoa. Em geral, é partilhada por outrem.
 

Isto se verifica muito particularmente quanto à participação de Satanás nos pecados dos justos. O verdadeiro cristão não deseja pecar. Aborrece-º Mas Satanás o tenta. Mil vezes o homem resiste, e mil vezes o inimigo volta à carga. Afinal o homem cede; peca. Arrepende-se logo, porém; pede perdão. O pecado foi registrado no céu.

Ao lado inscreveu-se perdão. O homem sente-se feliz. Esta perdoado. O Senhor lhe foi misericordioso. Vem então o juízo. O pecado é apagado. Está limpo o registro do homem. Mas que será quanto à parte de Satanás no pecado? Foi este expiado? Não foi. O próprio Satanás deve expiá-lo com a vida.
 

Idealmente, o cristão não deve pecar. Existe, no entanto, a possibilidade. Talvez seja de interesse um incidente ocorrido anos atrás:
 

Em certo colégio, um estudante que era continuo estava tentando fechar as janelas durante a reunião na capela. Ia silenciosamente pela ala exterior, com um longo pau erguido, os olhos fitos nas janelas. Um condiscípulo viu nisto uma excelente oportunidade, que não devia passar desaproveitada. Ao passar o jovem com o pau, toda atenção em seu serviço, estendeu o pé e, com estrondoso baque, o rapaz e seu pau foram ao chão. A pronta censura por sua falta de jeito foi, com igual prontidão, retirada pelos circunstantes, assim que compreenderam o fato. Um homem caíra. O outro era responsável.
 

Assim deveria, idealmente, ser quanto ao cristão. Ele pode cair, mas, caso isto aconteça, devia ser unicamente porque Satanás lhe armou um laço. Muitas vezes, todavia, tem ele próprio a culpa, ao menos em parte. Tenta Satanás para tentá-lo, não podendo assim escapar a seu quinhão de responsabilidade. Não seria justo culpar inteiramente ao adversário por aquilo de que somos nos mesmos participantes. Por outro lado, ele não pode fugir à sua parte. É ele o instigador do pecado. Tenta continuamente os homens. É participante de todos os pecados cometidos.
 

Compreende-se que alguns homens chegaram ao ponto em que gozam com o pecado, e Satanás mal necessita instigá-los a isto. Conquanto o inimigo deva levar a primeira responsabilidade, aos homens cumpre, por sua vez, arcar com a que lhes toca. Assim não é quanto aos justos. Eles odeiam o pecado; aborrecem-no, detestam-no. Mas Satanás está-lhes continuamente no encalço. E por vezes consegue enredá-los. Tem de carregar meu quinhão na responsabilidade.
 

Assim, todo pecado envolve cumplicidade. Satanás tem uma parte em todos eles. Quando, no Dia da Expiação, os fieis em Israel tinham seus pecados apagados, é porque se haviam previamente arrependido e sido perdoados.

Sua parte em cada pecado fora expiada: não, porem, a de Satanás. Ele não se arrependera; não confessara; não colocara, pela fé, seus pecados no grande Portador deles. Tem de portanto levá-los ele próprio. E assim, os pecados de Israel, os quais ele os tentara a cometer, são postos sobre sua cabeça.
 

Isto não constitui, porem, de maneira alguma, uma expiação de sangue. Não há derramamento do mesmo. O bode por Azazel não é morto. O sangue não é espargido. Não é levado ara o lugar santo. Não se põe nas pontas do altar. A carne não é comida pelos sacerdotes. O corpo não é queimado fora do arraial. Não se põe a gordura sobre o altar nem se lavam e se queimam as entranhas. Coisa alguma se faz do que constituía uma oferta ou sacrifício pelos pecados. O bode expia os pecados unicamente pela maneira por que um criminoso expia os seus, sofrendo a pena da lei.
 

Cremos pois que Azazel representa Satanás, e que, como tal, parte alguma tem na expiação feita por nosso Senhor. O primeiro bode representa Cristo. É-lhe derramado o sangue e, por meio dele, purifica-se o santuário. Enquanto isto não esta feito e concluído, o bode por Azazel não aparece. Esse bode efetua uma obra definida, que passaremos a considerar, mas isso não afeta ou influencia de maneira alguma a expiação já realizada. Convêm acentuar-se este ponto.
Se o ponto de vista aqui apresentado é correto, temos nos dois bodes a completa exterminação de todo o pecado. Os pecados do povo de Deus são expiados no sangue do bode do Senhor. O santuário esta limpo: o povo, limpo: limpo está o sacerdócio. Nesta purificação, não podemos admitir Satanás. Não há aí lugar para ele. Cristo efetuou uma obra completa, e não necessita o auxilio de Satanás. Este, simbolizado pelo bode emissário, expia os próprios pecados, e a parte que lhe cabe nos que induziu outros a cometerem.
 

Outros pecados existem além daqueles cometidos pelo povo de Deus. Cristo morreu por todos os homens; mas nem todos eles preferem aproveitar-se dessa expiação. Assim, têm de levar os próprios pecados e o seu castigo. Cristo morreu por eles. Levou-lhes as culpas. O tempo chegará, entretanto, em que não mais as levará.

Sobre Satanás, como originador e instigador do pecado, serão postos todos os pecados pelos quais é responsável.
 

Quando, portanto, os dois bodes eram postos perante o Senhor no Dia da Expiação, representavam Cristo e Satanás. O povo podia escolher um ou outro como representante seu. Se escolhessem o bode do Senhor, identificavam-se com Cristo. Caso preferissem não aceitar o perdão oferecido, aliavam-se automaticamente com os poderes do mal. A escolha se achava diante deles. Dessa escolha dependia o seu destino.
 

Foi anteriormente mencionado que todo o serviço do Dia da Expiação é simbólico do dia do juízo. O juízo final inclui mais que o apagamento dos pecados dos justos. Abrange a extirpação do pecado do universo. Envolve o pôr sobre a cabeça de Satanás todos os pecados por que ele é responsável. Inclui a final extirpação de todos quantos não afligiram suas almas. Assim, no serviço do santuário, uma vez completa a purificação do mesmo, colocavam-se os pecados sobre a cabeça do bode emissário. Então, aquele que não se tinha arrependido, era extirpado. Lev. 16:20-22; 23:29. “Quando se completava o ministério no lugar santíssimo, e os pecados de Israel eram removidos do santuário em virtude do sangue da oferta pelo pecado, o bode emissário era então apresentado vivo perante o Senhor; e na presença da congregação o sumo-sacerdote confessava sobre ele ‘todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados’, pondo-os ‘sobre a cabeça do bode’. Semelhantemente, ao completar-se a obra de expiação no santuário celestial, na presença de Deus, e dos anjos do céu e do exercito dos remidos, serão então postos sobre Satanás os pecados do povo de Deus; declarar-se-á ser ele o culpado de todo o mal que os fez cometer. E assim como o bode emissário era enviado para uma terra não habitada, Satanás será banido para a terra desolada, que se encontrará como um deserto despovoado e horrendo”. – O Conflito dos Séculos, págs. 657 e 658.

 

“Como o sacerdote, ao remover do santuário os pecados, confessava-os sobre a cabeça do bode emissário, semelhantemente Cristo porá todos esses pecados sobre Satanás, o originador e instigador do pecado. O bode emissário, levando os pecados de Israel, era enviado ‘à terra solitária’; de igual modo Satanás, levando a culpa de todos os pecados que induziu o povo de Deus a cometer, estará durante mil anos circunscrito à terra, que então se achará desolada, sem moradores, e ele sofrerá finalmente a pena completa do pecado nos fogos que destruirão todos os ímpios. Assim o grande plano da redenção atingirá seu cumprimento na extirpação final do pecado e no livramento de todos os que estiverem dispostos a renunciar ao mal”. – Id., pág. 485.
 

O banimento do bode emissário representa a extirpação final do pecado. Ele desempenha, portanto, um papel importante nos serviços do Dia da Expiação. Nele, finalmente, o mal é destruído, e posto a salvo Israel.
 

O Dia da Expiação era o maior dia em Israel. Naquele dia havia numa divisão do povo em dois grupos. Um deles afligia sua alma. Confessavam os pecados; faziam reparação e levavam suas ofertas. Esperavam então o que sobreviria. Quando as campainhas do sumo-sacerdote se faziam ouvir, ao terminar ele a obra de expiação, sabiam que tudo estava bem. Deus os aceitara. Estavam purificados, livres e felizes. Seus pecados estavam apagados.
 

O outro grupo não tinha parte na expiação. Não tinham afligido suas almas. Não haviam confessado nem feito reparação. Agora seus pecados se voltavam sobre suas cabeças. Eram extirpados.
 

Assim, o Dia da Expiação era o grande dia de separação. Havia duas classes naquele dia, e unicamente duas. Uma estava perdoada, limpa, salva. A outra estava impenitente, imunda, “extirpada”. Cada uma tomara sua própria decisão. Esta lhes assentara o destino. Findo o dia, o acampamento estava purificado. Uma das duas coisas havia acontecido a cada indivíduo. O pecado fora dele removido, ou fora removido ele próprio. Em qualquer dos casos o acampamento estava limpo.
 

Assim será no fim do mundo. “E será que aquele que ficar sem Sião e o que permanecer em Jerusalém, será chamado santo; todo aquele que estiver inscrito entre os vivos em Jerusalém”. Isa. 4:3. Deus tomará a purificar o Seu povo. Aqueles que permanecerem em Sião serão santos, “todo aquele que estiver inscrito entre os vivos em Jerusalém”. Os outros serão expulsos, extirpados.

Deve ter sido com sentimentos profundos que Israel testemunhava a final remoção do pecado do acampamento. Quando o bode era conduzido carregando seu fardo de pecado, sabiam que, não fora a graça de Deus, estariam eles próprios levando seus pecados para a execução. Tinham visto morrer o bode que era pelo Senhor. Morrera em lugar deles. Era-lhes agora apresentada, de maneira visível, a remoção do pecado de Israel. O bode estava sendo levado para uma sorte ignorada. Por certo, seria a morte o resultado. Aquela teria sido também sua condenação, não os tivesse ajudado o Senhor.
 

O tipo não é, a todos os respeitos, fiel aos fatos. Na disposição final do pecado, os ímpios são destruídos. Isto não se fazia a Israel. Eram extirpados. Isto significa ordinariamente exclusão dos privilégios de Israel, ou o que nós entenderíamos agora por exclusão da igreja. Era, portanto, possível a um pecador impenitente ver o bode emissário sendo levado e excluído do acampamento. Aquilo lhe era um símbolo de sua própria exclusão. Não mais teria parte em Israel. Cortado do povo de Deus, um rejeitado, servindo apenas para a destruição. Isto constituiria para ele profunda lição prática, podendo levar a séria reflexão e arrependimento.



16.  FESTAS E SANTAS CONVOCAÇÕES

No Capitulo vinte e três de Levítico, acham-se registrados as festas e santas convocações ordenadas pelo Senhor. São sete ao todo. Três delas são as grandes festas do ano – a páscoa, o pentecostes, e a festa dos tabernáculos. A respeito das mesmas, lemos o seguinte: “Três vezes no ano todo varão entre ti aparecerá perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher, na festa dos pães asmos, e na festa das semanas, e na festa dos tabernáculos. Porém não aparecerá vazio perante o Senhor”. Deut. 16:16. (Ver também Êxo. 23:17; 34:23).
 

As duas palavras empregadas para designar “festas”e “santas convocações” diferem consideravelmente em sua significação. Hag, que se aplica especialmente às três festas acima mencionadas, quer dizer “uma ocasião de regozijo, uma festa”. Moadeem indica de preferência ocasiões designadas, observâncias estabelecidas, santas convocações, ou reuniões solenes. Um Exemplo de Moadeem seria o Dia da Expiação, que não era uma festa em qualquer sentido da palavra, mas uma santa convocação. Lev. 23:26-32.
 

Além da páscoa, do pentecostes, da festa dos tabernáculos e do Dia da Expiação, havia três outras, isto é, a festa das trombetas, que tinha lugar no primeiro dia do sétimo mês, a festa dos pães asmos e a festa das primícias. Lev. 23:24, 6, 9-14.; Êxo. 12:17: Num. 28:17. As duas últimas mencionadas, celebravam-se conjuntamente com a observância da páscoa, mas são positivamente indicadas como distintas daquela. Êxo. 12:12, 15 e 17; Num. 28:16 e 17; Lev. 23:9-14. Como sejam mencionadas em separado, e tenham significação especial, classificando-as entre as sete festas do Senhor.
A páscoa era observada no décimo-quarto dia do primeiro mês, a festa dos pães asmos começava no décimo-quinto, dia do mesmo mês, e os primeiros frutos eram movidos no dia dezesseis. Lev. 23:5, 6 e 11. As três primeiras festas vinham assim no primeiro mês do ano.

As últimas três no sétimo mês: a festa das trombetas no primeiro dia, e dia da expiação, no décimo dia, e a festa dos tabernáculos, no décimo-quinto. vs. 24, 27 e 39. A de pentecostes vinha entre esses dois grupos de festas, cinqüenta dias a contar do “dia seguinte do sábado”, o que quer dizer o dia dezesseis de abib, o primeiro do mês. Isso traria o pentecostes à última parte do terceiro mês do ano judaico, ou nosso maio ou junho. vs. 15 e 16.

A Páscoa

A páscoa foi instituída em comemoração do libertamento de Israel do cativeiro egípcio. No décimo dia do primeiro mês, foi escolhido um cordeiro para cada família, “conforme ao Numero das almas”, ou se a família era pequena, duas ou mais podiam unir em torno de um sacrifício. O cordeiro foi guardado até ao décimo-quarto dia, quando foi morto à tarde, sendo o sangue posto nas ombreiras da porta e na verga. Êxo. 12:1-7. Na mesma noite foi comida a carne, não cozida como de costume, mas assada. Só pão não levedado se podia comer, e “com ervas amargosas a comerão”. vs. 8. Em anos posteriores, houve algumas modificações deste ritual, permanecendo, porém, os pontos essenciais.
 

O sacrifício da páscoa distingue-se por ser chamado “Meu sacrifício”. Êxo. 23:18; 34:25. Conquanto seja talvez melhor não acentuar essa expressão, ela é, pelo menos, digna de nota. A páscoa comemorava a partida de Israel do Egito. O Novo Testamento apresenta-a também como uma ordenança que aponta ao futuro. “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós”. I Cor. 5:7. Tendo em mente esta simbólica representação, percebem-se facilmente algumas analogias. Na crucifixão, nem um osso do corpo de Cristo foi quebrado. João 19:36. Nenhum osso se devia quebrar ao Cordeiro Pascoal. Êxo. 12:46; Num. 9:12. A páscoa era morta no dia catorze de abib, e comida a quinze. Êxo. 12:6-10. Cristo morreu por ocasião da páscoa. João 19:14. O espargir do sangue significava um “passar por cima em misericórdia, um livramento da morte”. Êxo. 12:13. Assim, mediante o Seu sangue, tem havido um passar por alto dos pecados cometidos anteriormente. Rom. 3:25. O sacrifício pascal era um cordeiro. Êxo. 12:3. Assim Cristo era “o Cordeiro de Deus”. João 1:29.

O cordeiro devia ser sem mancha. Êxo. 12:5. Assim Cristo, imaculado. I Pedro 1:19. A carne do cordeiro devia ser comida. Êxo. 12:7. Nós também devemos participar de Sua carne. João. 6:51.
 

Intimamente relacionada com a páscoa, todavia dela distinta, era a festa dos pães asmos. As duas eram, na realidade, parte da mesma observância, de modo que se permutam os nomes; no desígnio, no entanto, eram qualquer coisa diversa. A ordem de Deus quanto ao que devia ser feito, era explícita. “Sete dias comereis pães asmos; ao primeiro dia tirareis o fermento das vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, desde o primeiro até ao sétimo dia, aquela alma será cortada de Israel”. Êxo. 12:15. O divino comentário sobre sito, reza: “Façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade”. I Cor. 5:8.
 

A páscoas e a festa dos pães asmos, são férteis em ensinos de verdades evangélicas. No cordeiro morto, foi tomada providência para salvar os primogênitos. A morte do cordeiro, porém, não bastava para garantir salvação. Era preciso por o sangue nos umbrais e na verga da porta. Tem de haver aplicação individual do sacrifício. O espargir do sangue era tão importante como a morte do cordeiro. Não obstante, isto não era suficiente. A carne devia ser comida, e isto feito nas devidas condições. “Assim pois o comereis: Os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão: e o comereis apressadamente: esta é a páscoa do Senhor”. Êxo. 12:11. E mesmo isto ainda não bastava. Todo o fermento devia ser tirado. “Qualquer que comer pão levedado, aquela alma será cortada da congregação de Israel, assim o estrangeiro como o natural da terra”. vs. 19.
 

A páscoa é simbólica da morte de Cristo. Ele é nossa páscoa. I Cor. 5:7. Morreu na cruz por nós. Aí foi tomada providencia para que todo o que cumpre as condições da vida seja salvo. Mas a cruz, em si mesma, não salva a ninguém. Unicamente provê salvação. Necessário é que se faça aplicação individual do sangue oferecido. A ordem a Israel era: “Tomai um molho de hissopo, e molhai-o no sangue que estiver na bacia, e lançai na verga da porta, e em ambas as ombreiras, do sangue que estiver na bacia”. Êxo. 12:22.

A promessa era que, se assim fizessem, então quando o Senhor visse “o sangue da verga da porta, e em ambas as ombreiras, o Senhor passará aquela porta, e não deixará ao destruidor entrar um vossas casas, para vos ferir”. vs. 23.
 

As providências aqui mencionadas salvaram os primogênitos de serem destruídos pelo anjo. A morte do cordeiro provera o meio de salvação; a aplicação do sangue tornou eficaz o meio provido. Ambos eram necessários. Uma coisa é ser salvo da morte. Outra é ter os meios de manter a vida. Isto, positivamente, era provido pelo comer da carne, negativamente, pela abstenção do fermento. Cristo diz: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre: e o pão que Eu der é a Minha carne, que Eu darei pela vida do mundo”. João 6:51. Israel recebeu ordem de assar o cordeiro todo. O mandamento era: “assado ao fogo: a cabeça com os pés e com a fressura”. Êxo. 12:9. Cada família devia reunir um Numero suficiente de pessoas para comerem toda a carne. vs. 4. Coisa alguma devia ser levada para fora da casa, nem deixada para o dia seguinte. O que restasse que não podia ser comido, devia ser queimado no fogo. Isto não podia prefigurar senão uma inteira assimilação dAquele a quem o cordeiro representava, por parte daqueles por quem o sangue era derramado. Significa a inteira identificação de Cristo com o crente. Importa em aceitação da plenitude de Deus.
 

O fermento devia ser de todo excluído. Não nos são deixadas dúvidas quanto ao sentido espiritual do fermento. Ele representa malícia e maldade. I Cor. 5:8. Significa a falsa doutrina, segundo é exemplificada nos ensinos dos fariseus, dos saduceus e dos herodianos. Mat. 16:6; Marcos 8:15. O fermento dos fariseus é ganância e injustiça (Mat. 23:14), o espírito de quem não faz o que é direito e não deixa os outros fazerem (vs. 13), falso zelo (vs. 15), errônea estimação dos valores espirituais (vs. 16-22), omissão do juízo, da misericórdia e da fé (vs. 23), vãos escrúpulos (vs. 24), hipocrisia (vs. 25-28), intolerância (vs. 29-33), crueldade (vs. 34-36). O fermento dos saduceus é cepticismo (Mateus 22:23), falta de conhecimento da Escrituras e do poder de Deus (vs. 29). O fermento dos herodianos é a lisonja, o mundanismo e a hipocrisia (Mat. 22:16-21), e tramar o mal contra os servos de Deus (Marcos 3:6).

O correspondente da páscoa no Novo Testamento, é a ceia do Senhor, o rito da comunhão. Depois de Cristo vir, não mais poderia existir virtude em matar o cordeiro pascal, prefigurando Sua vinda. Havia-a, sim, em comemorar o sacrifício do Calvário, o seu mantenedor poder. Por esse motivo instituiu o Senhor a refeição sacrifical da comunhão para fazer lembrar os fatos de nossa salvação, e as provisões tomadas na cruz. Como seu protótipo, aponta ao mesmo tempo para trás e para o futuro. Devemos lembrar o Calvário “até que (Ele) venha”. I Cor. 11:26.
 

“Aqueles símbolos se cumpriam, não somente quanto ao acontecimento, mas também quanto ao tempo. No dia quatorze do primeiro mês judaico, no mesmo dia e mês em que, durante quinze longos séculos, o cordeiro pascal havia sido morto, Cristo tendo comido a Páscoa com os discípulos, instituiu a solenidade que deveria comemorar Sua própria morte como o ‘Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo’. Naquela mesma noite Ele foi tomado por mãos ímpias, para ser crucificado e morto. E, como o antítipo dos molhos que eram agitados, nosso Senhor ressurgiu dentre os mortos ao terceiro dia, como – ‘as primícias dos que dormem’( I Cor. 15:20), exemplo de todos os ressuscitados justos, cujo ‘corpo abatido’ será transformado, ‘para ser conforme o Seu corpo glorioso’ ”. – O Conflito dos Séculos, pág. 399.
 

A observância da apresentação dos primeiros frutos, era uma parte da celebração dos dias dos pães asmos. A apresentação tinha lugar “ao seguinte dia do sábado”, o dia dezesseis de abib. Lev. 23:11. Este dia não era de santa convocação, nem era como um sábado, mas uma importante obra se realizava no entanto naquele dia. No dia quatorze de abib, marcava-se certa porção de um campo de cevada, para ser cortada, em preparativo para a apresentação no dia dezesseis. Três homens escolhidos cortavam a cevada em presença de testemunhas, havendo já atado os molhos antes de os cortar. Uma vez ceifados, atavam-se os molhos todos num só, apresentando-o perante o Senhor, como “um molho das primícias”. “Ele moverá o molho perante o Senhor, para que sejais aceitos: ao seguinte dia do sábado o moverá o sacerdote”. Lev. 23:11.

Além disto, “um cordeiro sem mancha”, e uma oferta de manjares misturada com óleo, e uma libação eram oferecidos a Deus. vs. 12 e 13. Enquanto não se fazia isto, Israel não se podia servir de nenhum dos frutos do campo.
 

Era esta uma oferta de aceitação. Apresentação dos primeiros frutos. Indubitavelmente tem referência, antes de tudo, a “Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na Sua vinda”. I Cor. 15:23.
 

Resumindo os ensinos da observância pascal, temos as seguintes importantes reflexões: A páscoa é simbólica da morte de Cristo. Assim como morria o cordeiro pascal, Cristo morreu. O sangue do cordeiro livrou outrora Israel do anjo destruidor. O sangue de Cristo hoje reconcilia.
 

Segundo tipificada no molho movido, a páscoa é simbólica da ressurreição. O tipo é perfeito até mesmo com relação ao tempo. O cordeiro morria no dia catorze de abib à tarde. A dezesseis, “ao seguinte dia do sábado”, as primícias, previamente cortadas, eram apresentadas ao Senhor. Cristo morreu na sexta-feira à tarde. Repousou no sepulcro durante o sábado. No “seguinte dia depois do sábado”, “Cristo as primícias”, ressuscitou dos mortos e Se apresentou perante o Senhor para receber a aceitação. O “seguinte dia depois do sábado” não era “santa convocação”, nem um sábado [repouso] – fosse em tipo ou em antítipo – mas nele se efetuava uma obra importante, a qual talvez necessite de ampliação.
 

Quando, no primeiro dia da semana, Cristo ressuscitou, necessário Lhe era subir ao Pai para ouvir as palavras da divina aceitação do sacrifício. Na cruz, Sua alma estava em trevas. O Pai, dEle ocultara o rosto. Em desespero e angústia, Cristo exclamara: “Deus Meu, por que Me desamparaste”? Mat. 27:46.
 

“Satanás torturava com cruéis tentações o coração de Jesus. O Salvador não podia enxergar para além dos portais do sepulcro. A esperança não Lhe apresentava Sua saída da sepultura como vencedor, nem Lhe falava da aceitação do sacrifício por parte do Pai. Temia que o pecado fosse tão ofensivo a Deus, que Sua separação houvesse de ser eterna. Cristo sentiu a angústia que há de experimentar o pecador quando não mais a misericórdia interceder pela raça culpada.

Foi o sentimento do pecado, trazendo a ira divina sobre Ele, como substituto do homem, que tão amargo tornou o cálice que sorveu, e quebrantou o coração do Filho de Deus”. – O Desejado de Todas as Nações, pág. 561.
Agora, tivera lugar a ressurreição. A primeira coisa que Cristo tinha a fazer, era aparecer na presença do Pai e ouvir-Lhe as bem-aventuradas palavras de que Sua morte não fora em vão, mas aceito estava amplamente o sacrifício. Cumpria-lhe, assim, ascender ao céu e, em presença do universo, ouvir do próprio Pai palavras de certeza; então, devia volver à terra aos que ainda Lhe pranteavam a morte, ignorando Sua ressurreição, e a eles mostrar-Se abertamente. Assim o fez.
 

“Jesus recusou receber homenagem de Seu povo até haver obtido a certeza de estar Seu sacrifício aceito pelo Pai. Subiu às cortes celestiais, e ouviu do próprio Deus a afirmação de que Sua expiação pelos pecados dos homens fora ampla, de que por meio de Seu sangue todos poderiam obter a vida eterna. O Pai ratificou o concerto feito com Cristo, de que receberia os homens arrependidos e obedientes, e os amaria mesmo como ama a Seu Filho. Cristo devia completar Sua obra, e cumprir Sua promessa de que “o varão será mais precioso que o ouro, e o homem sê-lo-á mais que o ouro acrisolado”. Todo o poder no céu e na terra foi dado ao Príncipe da Vida, e Ele voltou para Seus seguidores num mundo de pecado, a fim de lhes comunicar Seu poder e gloria.
 

“Enquanto o Salvador Se achava na presença de Deus, recebendo dons para Sua Igreja, pensavam os discípulos no sepulcro vazio e lamentavam-se e choravam. O dia em que todo o céu vibrava de alegria, era para os discípulos de incerteza, confusão e perplexidade”. – Id., pág. 590
 

As Escrituras se cumpriram ao pé da letra. “Cristo ressurgiu dos mortos como as primícias dos que dormem. Era representado pelo molho movido, e Sua ressurreição ocorreu no próprio dia em que o mesmo devia ser apresentado perante o Senhor. Por mais de mil anos esta simbólica cerimônia fora realizada. Das searas colhiam-se as primeiras espigas de grãos maduros, e quando o povo subia a Jerusalém, por ocasião da páscoa, o molho das primícias era movido como uma oferta de ações de graças perante o Senhor.

Enquanto essa oferenda não fosse apresentada, a foice não podia ser metida aos cereais, nem estes serem reunidos em molhos. O molho apresentado a Deus representava a colheita. Assim Cristo, as primícias, representava a grande messe espiritual a ser colhida para o reino de Deus. Sua ressurreição é o tipo e o penhor da ressurreição de todos os justos mortos. ‘Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com Ele’.
“Quando Cristo ressuscitou, trouxe do sepulcro uma multidão de cativos. O terremoto, por ocasião de Sua morte, abrira-lhes o sepulcro, e ao ressuscitar Ele, ressurgiram juntamente. Eram os que haviam colaborado com Deus, e que, à custa da própria vida, tinham dado testemunho da verdade. Agora deviam ser testemunhas dAquele que os ressuscitara dos mortos”. – Id., pág. 585.
 

A páscoa é típica de comunhão. O comer do cordeiro pascal, unia famílias e vizinhos. Era uma refeição em comum, simbolizando livramento. Efetuara-se uma troca, e seu primogênito fora poupado em virtude da morte do cordeiro. Tal livramento inspirava consagração. Todo pecado devia ser posto de lado. Não devia haver fermento em parte alguma. Todo canto devia ser examinado, todo recanto esquadrinhado à procura de qualquer vestígio dele. “Santidade ao Senhor”. Nada menos que isso seria aceito.
 

Tudo isto e ainda mais significava a páscoa para o Israel de outrora. Como seja a ceia do Senhor o substituto, no Novo Testamento, da “páscoa do Senhor, não deveria significar para nós menos do que o fazia para eles. Grande perigo existe de que esqueçamos ou deixemos de apreciar as maravilhosas bênçãos reservadas por Deus para os que participam “dignamente” das ordenanças da casa do Senhor. Bem faríamos em estudar a páscoa tal como foi dada a Israel, a fim de melhor apreciar o Cristo que é nosso Verdadeiro Cordeiro pascal, e cuja morte se comemora no serviço da comunhão.

 

Pentecostes

O pentecostes vinha cinqüenta dias depois da apresentação do molho movido no dia dezesseis de abib. Daquele dia “contareis cinqüenta dias: então oferecereis nova oferta de manjares ao Senhor.

Das vossas habitações trareis dois pães de movimento de duas dízimas de farinha serão, levedados se cozerão: primícias são ao Senhor”. Lev. 23:16 e 17.
 

Como era apresentado o molho movido no principio da colheita, antes que coisa alguma da nova produção fosse usada, assim vinha o Pentecostes ao fim da ceifa de todo o grão, não somente da cevada, como no caso do molho movido, representando o jubiloso reconhecimento por parte de Israel. De sua dependência de Deus como doador de todas as boas dádivas. Desta vez não era um molho que se apresentava, mas dois pães de farinha movidos, cozidos com fermento, juntamente com “sete cordeiros sem mancha, de um ano, e um novilho, e dois carneiros”. vs. 17 e 18. Isto era acompanhado de um bode para expiação do pecado, e dois cordeiros de um ano por sacrifício pacifico. vs. 19.
 

Na celebração da páscoa, era particularmente recomendado que não se devia comer nem ter nenhum fermento. No pentecostes deviam-se apresentar dois pães, e se recomendava: “levedado se comerão”. vs. 17. O molho movido é “Cristo, as primícias”. Ele era sem pecado. O pão não é criação imediata de Deus, em parte é obra do homem. É imperfeita, misturada com fermento. Mas é aceita. Movia-se “perante o Senhor, com os dois cordeiros: santidade serão ao Senhor para o sacerdote”. vs. 20.
 

O pentecostes simboliza o derramamento do Espírito Santo. Como os pães se ofereciam cinqüenta dias depois de o molho movido ser apresentado, assim havia justamente cinqüenta dias entre a ressurreição e Cristo e o derramamento do Espírito no pentecostes. Atos 2:1-4. Quarenta desses dias Cristo passou na terra instruindo e ajudando os discípulos. Atos 1:3. Depois, ascendeu ao céu, e por dez dias os onze discípulos continuaram em oração e suplica até se cumprir “o dia de pentecostes”. Com este, veio a plenitude do Espírito.
 

De importância para a igreja na terra foram aqueles dez dias. Importantes também para o céu. Subindo Cristo “ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens”. Efés. 4:8. Aqueles que haviam ressuscitado por ocasião da morte de Cristo, “saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dEle”, subiram com Ele ao céu, e foram apresentados perante o Pai como uma espécie de primícias da ressurreição. Mat. 27:52 e 53.



“Todo o céu estava esperando para saudar o Salvador à Sua chegada às cortes celestiais. Ao ascender, abriu Ele o caminho, e a multidão de cativos libertos à Sua ressurreição O seguiu. A hoste celestial, tomava parte na jubilosa comitiva.
“Ao aproximarem-se da cidade de Deus, cantam, como em desafio, aos anjos que compõem o séqüito:
‘Levantai, ó portas, as vossas cabeças;
Levantai-vos, ó entradas eternas,
E entrará o Rei da glória”!
“Jubilosamente respondem as sentinelas de guarda:
‘Quem é este Rei da glória?
“Isto dizem elas, não porque não saibam quem Ele é, mas porque querem ouvir a resposta de exaltado louvor:
‘O Senhor forte e poderoso,
O Senhor poderoso na guerra.
Levantai, ó portas, as vossas cabeças,
Levantai-vos, ó entradas eternas,
E entrará o Rei da gloria’!
“Novamente se faz ouvir o desafio: “Quem é este Rei da Glória”?, pois os anjos nunca se cansam de ouvir Seu nome ser exaltado. Os anjos que O acompanham respondem:
‘O Senhor dos Exércitos;
Ele é o Rei da gloria’!
“Então se abrem de par em par as portas da cidade de Deus, e a angélica multidão entra por elas, enquanto a música prorrompe em arrebatadora melodia.
“Ali está o trono e, ao redor, o arco-íris da promessa. Ali estão querubins e serafins. Os comandantes das hostes celestiais, os filhos de Deus, os representantes dos mundos não caídos, acham-se congregados. O conselho celestial, perante o qual Lúcifer acusara a Deus e a Seu Filho, os representantes daqueles reinos imaculados sobre os quais Satanás pensara estabelecer seu domínio – todos ali estão para dar as boas vindas ao Redentor. Estão ansiosos por celebrar-Lhe o triunfo e glorificar Seu Rei.
“Mas Ele os detém com um gesto. Ainda não. Não pode receber coroa de gloria e as vestes reais. Entra à presença do Pai. Mostra a fronte ferida, o alanceado flanco, os dilacerados pés: ergue as mãos que apresentam os vestígios dos cravos. Aponta para os sinais de Seu triunfo: apresenta a Deus o molho movido, aqueles ressuscitados com Ele como representantes da grande multidão que há de sair do sepulcro por ocasião de Sua segunda vinda. Aproxima-Se o Pai, em quem há alegria a cada pecador que se arrepende; que sobre ele Se regozija com jubilo. Antes que os fundamentos da terra fossem lançados, o Pai e o Filho Se haviam unido num concerto para redimir o homem, se ele fosse vencido por Satanás. Haviam-SE dado as mãos, num solene compromisso de que Cristo Se tornaria o fiador da raça humana. Esse compromisso cumprira Cristo. Quando, sobre a cruz, soltara o brado: ‘Esta consumado’, dirigira-Se ao Pai. O pacto fora plenamente satisfeito. Agora Ele declara: ‘Pai, está consumado. Fiz, o Meu Deus, a Tua vontade. Concluí a obra da redenção. Se a Tua justiça está satisfeita, “quero que onde Eu estiver, também eles estejam comigo”. ”Ouve-se a voz de Deus proclamando que a justiça está satisfeita. Está vencido Satanás. Os filhos de Cristo, que lutam e se afadigam na terra, são ‘agradáveis... no Amado’. Perante os anjos celestiais e os representantes dos mundos não caídos, são declarados justificados. Onde Ele está, ali estará a Sua igreja. ‘A misericórdia e a verdade se encontraram: a justiça e a paz se beijaram’. Os braços do Pai circundam o Filho, e é dada a ordem: ‘E todos os anjos de Deus O adorem”.
“Com inexprimível alegria, governadores, principados e potestades reconhecem a supremacia do Príncipe da Vida. A hoste dos anjos prostra-se perante Ele, ao passo que enche todas as cortes celestiais a alegre aclamação: “Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças’!” – O Desejado de Todas as Nações, págs. 619-621.

 


“Havendo Cristo penetrado pelas portas celestiais, foi entronizado em meio da adoração dos anjos. Assim que terminou esta cerimônia, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos em abundantes correntes, e Cristo foi na verdade glorificado, com aquela gloria que, durante toda a eternidade tivera com o Pai.

O derramamento pentecostal foi a comunicação feita pelo Céu, de que estava concluída a sagração do Redentor. Segundo sua promessa, Ele enviara o Espírito Santo a Seus seguidores, como penhor de que, como sacerdote e rei, recebera toda a autoridade no Céu e na Terra, sendo o Ungido sobre Seu povo”. – Acts of the Apostles, pág. 38.

A Festa das Trombetas

A festa das trombetas vinha no dia primeiro do sétimo mês, sendo preparatório para o dia da expiação, que se celebrava no dia dez do mês. Era uma solene chamada a todo o Israel para que se preparasse a fim de encontrar-se com seu Deus. Anunciava-lhes que o dia do juízo se aproximava, e para ele se deviam preparar. Era um misericordioso, meio de lembrar-lhes a necessidade de confissão e consagração. Como algures discutimos o assunto da expiação, talvez não seja necessário acentuar aqui a festa das trombetas, nem o Dia da Expiação.

A Festa dos Tabernáculos

Esta era a última festa do ano, vindo de ordinário na última parte de nosso outubro, depois de concluída a colheita dos frutos. Era uma jubilosa ocasião para todos. Passara o dia da expiação, todos os mal-entendidos se haviam ajustado, todos os pecados tinham sido confessados e postos à margem. Israel sentia-se feliz, e esta felicidade encontrava expressão na festa dos tabernáculos.
 

Essa festa se iniciava com um dia de santa convocação. Lev. 23:35. O povo devia levar “ramos de formosas árvores, ramos de palmas, ramos de árvores espessas, e salgueiros de ribeiros; e vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus por sete dias”. vs.40. Esses ramos, deviam eles arranjar em forma de cabanas, aí vivendo durante os dias da festa. No dia da expiação, cumpria-lhes afligir “suas almas”. Na festa dos tabernáculos, deviam alegrar-se “perante o Senhor vosso Deus por sete dias”. Era na verdade a mais feliz ocasião do ano, quando amigos e conhecidos renovavam sua comunhão e habitavam juntos em amor e harmonia. A esse respeito, era profética do tempo em que terá lugar a grande reunião de todo o povo de Deus,

E “virão do oriente e do ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaac, e Jacó, no reino dos céus”. Mat. 8:11.
 

A festa dos tabernáculos comemorava o tempo em que Israel habitara em tendas, no deserto, durante os quarenta anos de peregrinação. “E lembrar-te-ás de que foste servo no Egito; e guardarás estes estatutos, e os farás. A festa dos tabernáculos guardarás sete dias, quando colheres da tua eira e do teu lagar. E na tua festa te alegrarás, tu, e teu filho, e tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva que estão das tuas portas para dentro. Sete dias celebrarás a festa ao Senhor teu Deus, no lugar que o Senhor teu Deus escolher: porque o Senhor teu Deus te há de abençoar em toda a tua colheita, e em toda a obra das tuas mãos; pelo que te alegrarás certamente”. Deut. 16:12-15.
 

Bom é lembrar a maneira por que Deus nos tem guiado no passado. É bom rememorar-Lhe as providências. Somos por vezes inclinados a nos queixar. Não conviria pensas nas muitas bênçãos que Deus nos tem outorgado, e na maravilhosa maneira por que nos tem guiado? Isto nos tornaria mais aptos a apreciar e mais reconhecidos, o que constitui uma parte vital da religião.

 

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17.  ORAÇÃO

Todo sacrifício oferecido era na realidade uma oração a Deus por auxílio. Como no caso da oferta pelo pecado e pela transgressão, poderia ser um pedido de perdão. Ou seria uma oração de ações de graças e louvor, como na oferta pacífica. Poderia ser ainda de consagração, como na oferta de manjares. Talvez fosse de ações de graças por um livramento especial ou por alguma coisa muito desejada como no caso de oferta por voto, ou voluntária. Ou talvez Deus houvesse curado a pessoa de uma enfermidade, ou uma senhora tivesse sido feliz por ocasião do nascimento de um filho, ou se houvesse operado qualquer grande livramento. Todas as ocasiões dessa natureza, requeriam especial ação de graças e louvor, e uma oferta adequada.
 

Em seu mais elevado sentido, orar é entreter comunhão. Convém acentuar isto, porque, para muitos cristãos, a oração é meramente uma meio de obter alguma coisa de Deus. Sentem sua falta a certos respeitos. Que meio haverá mais fácil do que pedir a Deus aquilo de que necessitamos? Não prometeu Ele suprir aquilo que nos falta? Em resultado desta maneira de pensar, muitas orações consistem na maior parte em pedidos, alguns de coisas boas, outros não tanto, alguns positivamente nocivos, outros de impossível satisfação. Para tais pessoas, Deus é a grande origem de suprimento, o grande doador, e inexaurível fonte de dádivas. Tudo quanto precisam fazer, é pedir, e Ele cuidará do resto. Aquilatam seu cristianismo pelas orações atendidas, e não as julgam eficazes quando a petição lhes é negada. Suas orações tomam na maior parte, a forma de uma petição. Estão continuamente pedindo alguma coisa, e acreditam que Deus os atende, ou deveria atender. Qual o filho pródigo, oram: “Pai, dá-me”. Lucas 15:12.
Inegavelmente as orações em forma de pedido, são legítimas. Necessitaremos sempre de pedir a Deus as coisas que desejamos.

Convém notar, entretanto, que as preces de petições não se devem tornar a forma predominante. As de louvor, ações de graças e adoração devem ter sempre a predominância. Submissão à vontade de Deus, completa dedicação a Ele, e inteira consagração, deveriam indicar a forma conveniente nas orações. Quando estas se mudarem de um esforço por levar o Senhor a fazer o que queremos para um intenso desejo de verificar o que Deus quer, deixarão de ser meros pedidos de coisas, e solicitações para que Ele responda imediatamente nossas súplicas na maneira justa por que desejamos.
 

Efetivamente, seria melhor para a maioria de nós deixar por completo de pedir por algum tempo, consagrando todo o esforço aquilo que Deus quer que tenhamos ou sejamos. Descobrindo-o, achamo-nos em terreno firme. Então podemos pedir ao Senhor confiantes de que Sua vontade será cumprida. O grande problema diante de nós, é descobrir a vontade de Deus, e em seguida examinar o próprio coração para certificar-nos se queremos na verdade fazer do Seu o nosso querer.
 

Disse alguém que as orações são um esforço, por parte do solicitante, para fazer o Senhor mudar de idéia. Muitos não estão fazendo nenhum esforço para verificar o que Ele quer, não obstante, estão bem certos do que querem eles próprios. De fato, sua oração é: “Que Tua vontade se mude”, e não: “Seja feita a Tua vontade”. Estão lutando com Deus. Agonizam em oração. Pedem ao Senhor aquilo que julgam deveria ser feito. Não lhes ocorre que a primeira coisa a apurar, é: Quererá Deus em realidade que eu tenha isto que tanto desejo? Será para meu bem? É isto a vontade de Deus? Terá chegado o tempo de se realizar? Não haverá qualquer coisa que devo fazer antes? Estou eu disposto a tudo submeter a Deus, de maneira que, se me não conceder o que desejo, fique satisfeito e Lhe dê graças por aquilo que me der; ou estarei antes mais intentado em conseguir o que quero do que em saber qual seja Sua vontade?
 

Convém enumerar algumas coisas que a oração não é. Não é um substituto do trabalho. O cristão que se acha diante de um problema de difícil solução, tem o direito de pedir a Deus auxílio e esperar que o atenda. Isto, porém, não o exime de árduo e fatigante labor.

Deus avigorará o intelecto, robustecerá a mente; mas não aceitará a oração como substituto ao esforço mental, nem dará aqueles que são simplesmente negligentes. Os que tem capacidade mental, de aprender a tabuada de multiplicação e têm ensejo de fazê-lo, não devem esquivar-se ao esforço necessário, confiando em que, por meio da oração, Deus fará por eles aquilo que tornará desnecessário qualquer esforço mental. Na maioria dos casos, o trabalho e a oração andam juntos. Nem uma nem outra coisa são por si mesma suficientes.
 

O objetivo da oração não é apenas levar a Deus a fazer aquilo que queremos. Alguns aplicam métodos mundanos e têm mundana filosofia em suas orações. Aprenderam que, no que respeita ao mundo, quem quer conseguir alguma coisa “vai em sua procura”, e assim, tomam como certo que, para alcançar alguma coisa do Senhor, têm de procurá-la. Agem como se Deus não tivesse boa vontade de lhes conceder as petições sem uma porção de lisonjas, e parecem crer que pela persistência e pela adulação, podem tirar de Deus aquilo que, de outro modo, não lhes concederia. Tomam a viúva importuna como exemplo, parecendo não compreender que essa parábola é dada para mostrar que Ele não é como aquele juiz. Pessoa alguma poderá obter do Senhor o que deseja só por importuná-lo continuamente. É preciso acentuar que Ele não Se assemelha ao injusto juiz. É um pai, mais desejoso de dar boas dádivas a Seus filhos, do que estes de recebê-las. Adular, lisonjear, acariciar, aborrecer, importunar, mera persistência, não aproveitam nada para com Deus.
 

Não deve, entretanto, predominar a idéia de que não haja o que se chama lutar em oração, e que só precisamos mencionar a Deus de uma vez por todas aquilo que queremos, vindo imediatamente a resposta. A oração não é de maneira alguma tão simples. Não, importa angustiar-se e prevalecer na oração, ir ao fundo das coisas e não sossegar enquanto não se mudarem as mesmas coisas e as vidas. Jesus orava noites inteiras; Jacó lutou com o anjo; Daniel buscava o Senhor com orações e jejuns; Paulo procurava e tornava a procurar ao Senhor. Nós não necessitamos menos orações, antes mais. E precisamos aprender a fazê-las com fé. Aí está talvez o ponto vital.

A oração não é um monólogo. Será um audível ou um silencioso desejo da alma. Em qualquer dos casos, a oração ideal é comunhão. Alguns oram longamente, informando a Deus de coisas de que Ele já tem conhecimento. Chamando-Lhe a atenção para muitas coisas que necessitam reparo. Parecem julgar que o Senhor esteja em risco de esquecer outras que precisam ser feitas, e suas preces parecem destinar-se a lembrar a Deus o que Ele deve fazer. Havendo-Lhe chamado a atenção para as necessidades do mundo, tal como as vêem eles próprios, sentem haver cumprido o dever. “Disseram suas orações” e informaram a Deus das próprias necessidades e das dos outros e, com um “Amém”, finda sua “conversação”. Foi simplesmente um monólogo. Esperam que o Senhor Se sirva judiciosamente das informações que Lhe forneceram, e faça qualquer coisa com respeito aos assuntos por que oraram.
 

Muitos consideram a oração uma comunicação de um só lado – o homem falando a Deus. Todavia não é esta a mais elevada forma de oração; pois, como foi declarado acima, a maneira ideal de orar, é comunhão. Na verdade oração, Deus fala à alma, da mesma maneira que o homem Lhe fala a Ele. A verdadeira amizade não perdura muito onde um apenas se exprime. Muitas vezes, em nossa orações somos nós que falamos todo o tempo, e esperamos que Deus Se ponha unicamente a escutar. E não obstante, não será possível que o Senhor gostasse de comunicar-Se conosco, da mesma maneira que nós com Ele? Isto faz com freqüência trazendo-nos à lembrança certas passagens da Escritura. Seria demais crer que, havendo feito uma oração que acreditamos ter sido ouvida pelo Senhor no céu, Ele deseje dizer-nos uma palavra? É possível que, depois de havermos proferido o “Amém”, Deus esteja justamente disposto a Se comunicar conosco, mas erguemo-nos, e não Lhe damos ensejo de falar? Penduramos o fone, por assim dizer. “Desligamos”. Poder-se-á conceber que o verdadeiro cristão esteja sempre falando com o Senhor, e Ele não tenha para ele nenhuma mensagem/ Deve ser penoso para Deus ser excluído mesmo no momento em que está pronto a comunicar-Se conosco. Parece que, acontecendo isto por diversas vezes, chegará à conclusão de que não estamos muito ansiosos de entreter com Ele comunhão. Simplesmente “dizemos”nossas orações, e, terminando, afastamo-nos.

Não há dúvida de que tais orações não podem ser tudo quanto o Senhor entende por “comunhão”. Acentuemos – prece é comunhão. É mais que uma conversa; é intimo companheirismo. É uma troca de ponto de vista e de idéias. Pressupõe amistoso entendimento e confiança. Nem sempre necessita ser acompanhada de palavras. O silêncio pode ser mais eloqüente que torrentes de oratória. É mais uma espécie de amizade baseada em tranqüila confiança e certeza, desacompanhada de demonstrações e arrebatamentos espetaculares.
 

A meditação é um elemento vital da oração. Poder-se-ia talvez dizer que é sua melhor parte. No entanto, é por demais negligenciada. Apresentamo-nos diante de Deus, fazemo-la nossas petições e partimos. Da próxima vez, fazemos o mesmo. Mantemos o Senhor informado quanto o nosso estado, contamos-Lhe certas coisas que requerem atenção e, havendo assim aliviado a alma, encerramos a entrevista. Isto se repete dia após dia; não se pode, no entanto, dizer que seja uma experiência satisfatória. Não haverá algo melhor? Haverá por certo...
 

Os salmos, especialmente os de Davi, exprimem as profundezas do sentir cristão. Davi passou por algumas experiências dessas que dilaceram a alma. Fugiu certa vez para o deserto, por causa de Saul. Ali escreveu ele o salmo sessenta e três. É o grito de uma alma que anela a Deus, um mais profundo conhecimento a Seu respeito, mais perfeita relação para com Ele, especialmente em oração. Davi evidentemente não se achava satisfeito com sua maneira de orar. Deus parecia distante. Não respondia. O salmista parecia experimentar o sentimento de não se dirigir a ninguém, em uma sala vazia. Todavia almejava a Deus. Sua alma tinha sede do Deus vivo. Não haveria um meio por que se pusesse em verdadeira comunhão com Ele?
 

Davi encontrou depois o meio. Ficou satisfeito. Aprendeu a significação e o método reais de orar. Exprime-o ele nos versículos 5 e 6 do referido salmo: “A minha alma se fartará, como de tutano e de gordura; e a minha boca Te louvará com alegres lábios, quando me lembrar de Ti na minha cama, e meditar em Ti nas vigílias da noite”.

Notai as palavras: “Minha se fartará... quando me lembrar de Ti na minha cama, e meditar em Ti”. Davi orava antes. Depois, ao orar acrescentou a meditação, e diz que, ao fazer isto, sua “alma se fartará”. Para ele era como “tutano e gordura”, e louva a Deus “com alegres lábios”. Afinal sua alma fica satisfeita.
 

Esse relato é de grande valor. Muitas almas, como Davi, clamam pelo Deus vivo. Não se satisfazem. Acreditam que deve haver algo melhor do que experimentam. Oram, e oram, e oram, e todavia ainda o Senhor parece distante. Não Se manifesta. Uma vez, de tempos a tempos, fluem um vislumbre dEle, e logo lhes foge. Haverá reservada alguma coisa melhor, ou será isto tudo quanto lhes oferecem o cristianismo e a oração? Deve haver algo melhor. E Davi o encontrou. “Minha alma se fartará”. Que maravilhoso, satisfazer a fome d'alma! E esta possibilidade se pode transformar em realidade! Davi indica o caminho ao dizer que há podemos obter lembrando-nos de Deus e meditando. A maioria dos cristãos se lembram de Deus. Oram. Pode-se na verdade dizer, e com razão, que é impossível ser alguém filho de Deus e não orar. Não muitos, todavia, são experientes na arte da meditação. Oram, mas não meditam. E uma coisa é tão importante como a outra. Foi quanto Davi acrescentou a meditação à oração, que lhe foi dado dizer afinal que sua alma estava satisfeita. Talvez tenhamos a mesma experiência.
 

Poucos cristãos meditam. São demasiados ocupados. Suas ocupações exigem por demais deles. Precipitam-se de uma para outra coisa, e pouco tempo lhes resta para se aconselharem consigo mesmos ou com Deus. Há tanta coisa por fazer! A menos que distendam cada servo e se ocupem a cada momento, estão certos de almas se vão perder. Não há tempo para se sentarem aos pés do Mestre enquanto o mundo está perecendo. Precisam estar apostos e ativos. A atividade, eis sua divisa. Aliás, são sinceros e conscienciosos.
 

Ainda assim, quando se perde, para eles próprios e para o mundo, por falta de meditação! Alma alguma pode ir precipitadamente à presença de Deus e dela se retirar, e esperar entreter comunhão com Ele. A paz que excede todo o entendimento, não habita em um coração desassossegado. “Tampo para ser santo tu deves tomar”, é mais que um mero sentimento.

Exige tempo o comunicar-se com Deus, o ser santo. “Perturbai-vos e não pequeis: falai com o vosso coração sobre a vossa cama e calai-vos”. Salmo 4:4. A ultima declaração requer ênfase especial. “Calai-vos”. Somos muitos desassossegados. Precisamos aprender a quietude para com Deus. Necessitamos calar-nos. “Espera silenciosa somente em Deus, ó minha alma”. Salmo 62:5 (Trad. Bras.). Que estas palavras penetrem profundamente em cada consciência. “Minha alma”. Isto se dirige a todo cristão. “Espera silenciosamente somente em Deus”. Envolve uma ordem e também uma promessa. Espera silenciosa. Espera silenciosa em Deus. Espera (tu) silenciosa em Deus. Espera silenciosa somente em Deus. E aquele que espera silenciosamente somente em Deus, a Seu convite, não será decepcionado. Ficará satisfeito.
 

Que admirável convite não encerra esta declaração! Oraste, vazaste tua alma perante Aquele que, unicamente, é capaz de compreender. Não digas “Amém” e te retires. Dá a Deus um ensejo. Espera-O. Espera em silêncio. Espera-O somente a Ele. E no silêncio da alma talvez Deus fale. Ele te convidou a esperar. Que toda a tua alma atente para Ele. Espera nEle unicamente. Talvez o Senhor, por meio da vozinha mansa e delicada, se manifeste. Espera silencioso em Deus.
 

Para alguns cristãos, isto não é uma nova doutrina. Sabem o que é comungar com Deus. Tem fluido preciosos períodos a sos com Ele. Tem aprendido a esperar em silêncio. E preciosas foram as revelações a eles feitas.
 

Para outros, no entanto, isto talvez seja uma coisa nova. Aprenderam a orar, mas não aprenderam a esperar silenciosamente em Deus. A meditação, como parte da oração, não lhes tem sido de importância. Sua concepção de prece é a de certa forma de palavras reverentemente dirigidas ao Pai do céu. Com seu “Amém”, finda a comunhão. E assim talvez seja na verdade, embora assim não o pretenda o Senhor. O “Amém” significará o fim das palavras do homem, não, porém, a conclusão da entrevista. Deus nos convida a esperar em silêncio. Talvez deseje falar, talvez não deseje. Seja como for, cumpre-nos esperar. E, enquanto esperamos, é possível que Ele ache oportuno levar imediatamente a convicção ao nosso espírito.

Muitos se inclinam a falar demasiado. Temos todo tipo de experiência com pessoas que vem declaradamente em busca de conselho, mas que, na verdade, vem apenas apresentar seus pontos de vista. Parecem ansiosos pela entrevista, e entretanto mal oferecem ensejo para qualquer conselho, uma vez que ocupam eles próprios o tempo todo, e parecem satisfeitos ao terminarem a apresentação do caso. Quando se mostra qualquer assentimento ao seu modo de ver, ficam contentes. Tem-se nitidamente a impressão de que não vieram em busca de conselhos, mas para fazer comunicações.
 

O mesmo se dá com freqüência quanto a oração. A parte mais importante não é falarmos nos a Deus, mas antes que Ele nos fale a nos. É certo que o Senhor gosta que oremos. Nossas orações soam Lhe qual música. Não o fatigamos. Ainda assim, não seria bom que proporcionássemos ao Senhor ocasião de comunicar-Se conosco? Não seria conveniente uma atitude de ouvir? Não nos conviria fazer exatamente o que nos é aconselhado: esperar em silêncio somente em Deus? Certo, Ele nos não deixará esperar em vão. Quem não experimentou o tremendo poder dos poucos momentos de silêncio após a benção? Quem não sentiu a presença de Deus na quietude do santuário? Bom nos seria explorar o poder do domínio do silêncio. Deus ali está.
 

Sempre existe perigo de cairmos nos extremos. Pessoas há que rejeitam ou menosprezam as instruções dadas na Bíblia, e dependem unicamente de impressões. Tais pessoas encontram-se em grande risco. Acreditamos que o Senhor guiará os que estão dispostos a ser guiados, mas cremos também que essa guia será sempre em harmonia com a vontade revelada de Deus, não contradizendo de modo algum a palavra escrita. Maravilhoso como seja o privilégio de comunicar com Deus, bem como o da meditação, há perigo de os empregar mal. Os jovens cristãos especialmente, devem estar em guarda. Unicamente a longa experiência nas coisas de cima, cimentada por uma vida de obediência à vontade do Senhor, habilita uma pessoa a discernir os processos da mente. Satanás está sempre perto para sugerir seus próprios pensamentos, e é mister discernimento espiritual para reconhecer, a voz que fala.

Isto não deveria fazer todavia com que mesmo os cristãos novos omitissem a meditação. Longe disto. Deus está sempre ao lado para valer e guiar, e podemos crer que a silenciosa hora com Ele passada produzirá amplos resultados para o reino. Estamos apenas dando uma advertência aos que se sintam inclinados a seguir a voz que fala à alma, negligenciando aquela que fala por meio da Palavra.
 

No santuário outrora, uniam-se o sacrifício e a oração. O sacrifício representava a tristeza pelo pecado, o arrependimento, a confissão, a reparação. Quando o cordeiro era colocado sobre o altar, em figura, era o arrependido pecador que sobre ele se punha a si mesmo com tudo quanto tinha. Isto significava sua aceitação da justiça da lei que exigia a vida, simbolizava sua consagração a Deus. Sem essa atitude, o sacrifício de um cordeiro não passava de uma zombaria. Da mesma maneira nossas orações poderão ser mero escárnio, o não ser que partam de um coração sincero, que se abstém do pecado, consagrando-se inteiramente a Deus. A oração deve ter como base e fundo a sinceridade. Deve assentar no arrependimento e na piedosa tristeza pelo pecado. Estes se evidenciam pela confissão e o restituir ou reparar. Uma prece assim feita não permanecerá desatendida. Deus é fiel a Sua palavra.

 

18.  A LEI

Todo o cerimonial do santuário se realizava com referencia à lei de Deus, conservada na arca, no compartimento interno do tabernáculo. Foi precisamente pela violação dessa lei que tiveram de ser instituídos os sacrifícios. “Quando uma alma pecar por erro contra alguns dos mandamentos do Senhor, acerca do que se não deve fazer, e obrar contra alguns deles; se o sacerdote ungido pecar para escândalo do povo, oferecerá pelo seu pecado, que pecou, um novilho sem mancha, ao Senhor, por expiação do pecado”. Lev. 4:2 e 3.
 

Foi a transgressão dos “mandamentos do Senhor” que tornou necessário o sistema de sacrifícios. Foi o pecado contra a lei de Deus que deu inicio ao ritual do templo. O pecado era o motivo dos sacrifícios matutinos e vespertinos, do cerimonial do Dia da Expiação, do oferecimento do incenso e dos sacrifícios individuais pelos pecados particulares. E o pecado é a transgressão da lei.
 

O amado João teve uma visão do templo de Deus no céu. Viu ali a lei de Deus, “a arca do Seu concerto”. Apoc. 11:19. A lei ocupa lugar preeminente, mesmo no céu; a tal ponto que o templo é chamado “o templo do tabernáculo do testemunho”, não o templo do incenso, nem do sangue, nem si quer da arca. É “o templo do tabernáculo do testemunho”, o templo da lei de Deus. Apoc. 15:5.
A cidade mais sagrada do Velho Testamento era a cidade que Deus escolhera como Sua morada. O lugar mais sagrado daquela cidade era o templo. O lugar mais sagrado do templo era o santíssimo. O objeto mais sagrado do santíssimo era a arca dentro da qual estavam as tabuas de pedra sobre que Deus escrevera com Seu próprio dedo os dez mandamentos, a lei da vida, os oráculos de Deus. Essa lei era o centro em cujo redor girafa todo o cerimonial, a base e a razão de todo o ritual. Sem a lei, o ritual do templo não teria significação alguma.

A lei é uma expressão do caráter, uma revelação do espírito. Por esta razão a lei de Deus é importante. É parte de Deus, por assim dizer. Revela-O. É um transunto de Seu caráter, uma expressão finita do infinito. Nela se nos dá um vislumbre do próprio pensamento de Deus; uma visão da base de Seu governo. Assim como Deus é perfeito, é perfeita a lei. Assim como Deus é eterno, são eternos os princípios da lei. Assim como Deus é eterno, são eternos os princípios da lei. Como Deus é imutável, é a lei imutável. E é preciso ser assim. A lei, por ser um transunto do caráter de Deus, não pode ser mudada a menos que se realize uma modificação correspondente em Deus. Mas Deus não pode mudar. “Eu, o Senhor, não mudo”. Mal. 3:6. Em Deus “não há mudança nem sombra de variação”. Tiago 1:17. “É o mesmo ontem, e hoje, e eternamente”. Heb. 13:8.
 

A lei de Deus, tal como se contém nos dez mandamentos, sempre foi um campo frutífero de estudo para os filhos de Deus. Numerosas são na Bíblia as referencias ao gozo que os santos de Deus encontraram ao contemplar a lei perfeita da liberdade. Longe de ser-lhes uma obrigação penosa, consideraram um prazer o contemplarem as coisas profundas de Deus. Ouçamos o salmista: “Amo os Teus mandamentos mais do que o ouro, e ainda mais do que o ouro fino”. “Maravilhosos são os Teus testemunhos”. “Tu, pelos Teus mandamentos me fazem mais sábio que meus inimigos; pois estão sempre comigo. Tenho mais entendimento do que todos os meus mestres, porque medito nos Teus testemunhos”. “A toda a perfeição vi limite, mas o Teu mandamento é amplíssimo”. Sal. 119:127, 129, 98, 99 e 96.
Os dez mandamentos foram primeiramente proclamados por Deus no monte Sinai, e depois escritos por Ele em duas tabuas de pedra. (Êxo. 20; 24:12; 31:18). Essas tabuas foram postas na arca, no lugar santíssimo do santuário, diretamente sob o propiciatório, e cobertas por ele. (Êxo. 25:16 e 21). O que nelas estava escrito, segundo a versão Almeida, é o seguinte:
 

“Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.

1.”Não terás outros deuses diante de Mim.

2.”Não farás para Ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; não te encurvaras a elas nem as serviras; porque Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que Me aborrecem, e faço misericórdia em milhares aos que Me amam e guardam os Meus mandamentos.

3.”Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão: porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em vão.

4.”Lembra-te do dia do sábado para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, eu está dentro das tuas portas; porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou.

5.”Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.

6.”Não matarás.

7.”Não adulterarás.

8.”Não furtarás.

9.”Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

10.”Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”. Êxo. 20:2-17.
 

Os dez mandamentos não são decretos arbitrários impostos a súditos desgostosos. São, antes, a lei da vida, sem a qual a existência nacional, a segurança pessoal, a liberdade humana e mesmo a civilização, seriam impossíveis. Com o correr do tempo isto mais e mais se tornará evidente.
 

Os mandamentos se dividem em duas partes. A primeira, abrangendo os primeiros quatro mandamentos, define o dever do homem para com Deus; e a outra, integrando os últimos seis mandamentos, define o dever do homem para com seus semelhantes. Cristo reconheceu esta divisão ao declarar que os dois grandes princípios da lei são o amor a Deus e o amor ao próximo.

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amaras o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas”. Mat. 22:37-40.
 

A ocasião em que Deus proclamou Sua lei no Sinai, constituiu o principio de uma relação de pacto com Israel. Deus escolhera a Israel para que fosse Seu povo. Tirara-o do Egito e ia levá-lo á terra prometida. Prometera abençoá-lo e dele fazer uma nação santa e um sacerdócio real. Contudo, essas promessas estavam sujeitas à aceitação das mesmas em favor delas. Iriam eles, da sua parte, amar e obedecer a Deus? Iriam observar fielmente as condições do pacto? Eles se haviam familiarizado de uma maneira geral com a lei de Deus. Mas eis que Deus a proclama do céu, a fim de que não possa haver dúvida quanto ao que deles se espera. A santidade não deve depender da interpretação particular. Deus dá uma norma de justiça. Essa norma é perfeita. “A lei é santa, e o mandamento santo, justo, e bom”. É uma expressão da vontade de Deus para com o homem. É a regra perfeita que contém todo o dever do homem.
 

Causa certa perplexidade encontrarem-se cristãos que se oponham à lei de Deus. Que objeção podem apresentar contra uma lei que ordena amar a Deus e ao homem, condena o mal e estimula o bem? Que objeção podem apresentar contra uma lei cujo autor é Jeová, cujo fim é a santidade, e que está encerrada no santuário de Deus? Poderíamos esperar essa oposição da parte dos pecadores, porque a lei expõe e condena o pecado. Os cristãos, porém, estão noutro nível. Com o salmista, exclamam: “Oh! Quanto ano a Tua lei! É a minha meditação em todo o dia”. Salmo 119:97.
 

Assim como a lei em geral e o fundamento do governo, a lei de Deus é o fundamento do governo de Deus. Dez declarações claras e concisas proclamam todo o dever do homem. É uma constituição completa, concisa, perfeita. Nada se lhe pode acrescentar nem omitir.
A lei é emblema de segurança, estabilidade, fidelidade, uniformidade, igualdade. A ausência de lei significa o caos com os males que o acompanham.

O mundo está edificado sobre a lei, o universo obedece-lhe. A infração da lei universal significará o aniquilamento da criação de Deus. Cada parte está relacionada com todas as demais, e o que acontece nem lugar reflete até aos confins do universo. Isto torna necessário a lei universal. Uma lei deve reger onde quer que exista a criação. Duas leis em conflito produzirão desastre.
 

A única lei moral fundamental do universo é a lei de Deus, contida desde toda a eternidade nos dois grandes princípios do amor a Deus e do amor ao homem. Estes princípios foram ampliados e aplicados à humanidade, e os dez mandamentos foram proclamados, para direção do homem, no monte Sinai. Constituem a lei básica da vida e da existência. Como foi dito já, não são exigências arbitrarias impostas por amor à autoridade. São o que Deus, em Sua sabia previsão, viu ser necessário para que os homens vivessem juntos, e se tornasse possível a sociedade humana. E a atitude dos homens tem confirmado a sabedoria divina. O mundo tem demonstrado que a obediência à lei de Deus é necessária à existência, à segurança e à vida.
 

A Grande Guerra mundial foi uma demonstração disto. Os homens zombaram dos dez mandamentos. Ridicularizaram-nos. Começaram a matar-se e a destruir-se uns aos outros. Cada nação pensou que se vencesse a guerra, não somente obteria grande beneficio para si própria, mas sem duvida para o mundo inteiro. Mas o mundo ficou desiludido. Aprendeu que não há proveito no ódio e nas matanças. A Guerra Mundial foi uma afirmação categórica da insensatez de rejeitar os mandamentos de Deus. Não somente foram mutilados e mortos milhões de seres humanos, acumularam-se imensas dividas, e chegou a ser iminente a catástrofe geral, como muitos se convenceram positivamente de que a continuação da guerra significaria o fim da civilização e da vida nacional. Espantaram-se os homens ante a magnitude da calamidade que se lhes antolhava. Começaram a crer que o mandamento: “Não matarás, não é um decreto arbitrário, mas uma das leis da vida. Guarda os mandamentos e viverás, rejeita-os e morrerás – foi a lição que aprenderam.
 

A mesma lição esta sendo ensinada às nações hoje. O crime [e predominante, insolente, desafiador. Sempre houve homens perversos, mas nunca na escala em que os há hoje.

A criminalidade esta agora organizada, e nalguns casos realiza verdadeiramente uma guerra contra a sociedade. Por vezes os criminosos estão melhor armados e organizados que as forças da lei e da ordem. Há bem pouco compreenderam os governos realmente que enfrentam agentes desintegradores empenhados em destruir a civilização. Estão agora fazendo todo o esforço possível para desarraigar o mal, mas não lhes é fácil a tarefa. Ela é custosa; esgotante. Às vezes desalentadora; mas deve ser levada a feliz termo, ou o resultado será o desastre. As tentativas do governo para reduzir o suborno, desarraigar o vicio, deter a exploração, manter o caráter sagrado das relações de família, impor a honradez nas relações públicas, e para proteger a propriedade, é admissão da sua parte de que Deus tem razão, e de que os homens não devem mentir, nem roubar, nem cometer adultério; que a transgressão desses mandamentos conduz ao desastre e a desordem, e que o governo é justificado por tomar as medidas necessárias para melhorar as condições.
 

Toda iniciativa destinada a suprimir a criminalidade é um poderoso testemunho em favor da integridade e do valor permanente dos mandamentos de Deus. Homens e governos estão aprendendo que a criminalidade é má, que é custosa, que arruína e destrói. Essa é a lição que Deus quer que aprendam. E estão descobrindo a sua maneira o valor que tem o obedecer a lei. Nunca teve o mundo semelhante lição objetiva do custo do crime, o custo da transgressão. O próprio mundo nos proporciona o material da demonstração e paga o seu custo. Isto torna a lição tanto mais eficaz.
 

A lei é uma expressão da vontade, natureza e caráter do poder governante. Qualquer lei que não seja uma expressão tal, deixa de funcionar e caduca. A lei humana é geralmente resultado da experiência, de um propósito meditado, baseado no descobrimento do que é e deveria ser, e uma tentativa de formular em declarações concisas as regras de conduta e procedimento apropriados. Deve ter a vontade como fator básico, e ser uma expressão desta vontade, e também da natureza e do caráter do legislador. A lei, portanto, indica personalidade, e define e revela esta mesma personalidade.
 

A expressão “lei da natureza”, como se emprega comumente, é enganosa, e deve-se empregar unicamente num sentido acomodado.

Corretamente falando, não existe lei da natureza, porque esta não tem vontade nem pensamento próprios, nem maneira de expressar tal vontade ou pensamento. O que se entende geralmente por “lei da natureza”, é o processo ordenado pela qual a natureza age, o modo definido de conseqüências geralmente previsíveis. O cristão crê que as leis da natureza são as leis de Deus, uma expressão de vontade pessoal, e que não dotam a natureza de atributos que pertencem somente a uma personalidade, a Deus.
 

A. H. Strong emprega uma ilustração que apresenta uma lição importante. Um cristão vê um eixo de transmissão fazendo girar uma maquinaria grande e complicada. Em suas tentativas por descobrir o que faz girar esse grande eixo, chega a uma parede de tijolos da qual o eixo sai, e além da qual não pode ir nem ver. Não tira, porém, a conclusão que o eixo vira por si mesmo. Não pode ver nem provar a existência do motor que há para além da parede e que comunica força ao eixo. Sabe, porém, que ali esta. O bom sendo lho diz. O homem que assevera ser estritamente cientifico e crer só o que vê, olha o eixo de transmissão e maravilha-se de seu poder inerente. O cristão também vê o eixo de transmissão, mas vê além do mesmo. Vê o invisível, e sabe que há um poder oculto por detrás do eixo. Para ele isto é coisa simples, clara e nada misteriosa. Admira-se tão somente de que nem todos possam ver o que para ele parece ser tão evidente. Igualmente, através da natureza vê o Deus da natureza; e as leis são para ele simplesmente as leis de Deus.
 

A lei de Deus é um transunto da natureza divina, e como tal não é “feita” como o são as leis humanas, como tão pouco Deus é “feito”. Não se pode dizer que a lei haja tido um principio, como se não pode tão pouco dizer que Deus haja tido começo. Sendo uma revelação do que Ele é, sua existência é contemporânea de Deus. Só pode se mudada se Deus muda. Não é provisória, como não o é Deus. Não é uma expressão de uma vontade arbitraria, mas a revelação de um ser. Não é local nem se limita a situações especificas unicamente, assim como Deus não é local. É incapaz de modificação, visto representar a natureza imutável de Deus.

É imutável, santa e boa, porque Deus é imutável, santo e bom. É espiritual: é justa, é universal. A lei é tudo isso e deve sê-lo, por ser um transunto da natureza essencial de Deus.
 

Além da lei divina moral e escrita, há uma lei elementar impressa nas fibras mesmas de toda criatura moral, que não está escrita, e no entanto exerce autoridade. Existiu antes do Sinai, e é também uma expressão e um reflexo da natureza moral de Deus, se bem não seja tão clara como a lei escrita. Os pagãos que “não tem lei [ em forma escrita], fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os”. Rom. 2:14 e 15.
 

Essa lei não escrita tem tanta autoridade que Deus é justificado por usá-la no juízo. “Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados”. vs. 12. Os pagãos “fazem naturalmente as coisas que são da lei”; isto é, têm um senso inerente do bem e do mal, e por esse senso são julgados. “Não tendo eles lei, para si mesmos são lei”. Segundo a luz que tenham, ou poderiam haver tido, são julgados.
 

Essa lei elementar, conquanto não escrita, tem todas as características da lei divina escrita, e, onde opera, possui igual autoridade. Nenhum homem pode violar a lei natural e esperar escapar a suas conseqüências. As leis da natureza são invioláveis, e são administradas sem acepção de pessoas. Quem quer que cometa transgressão, seja príncipe ou mendigo, para a penalidade. Um rei que, sem sabê-lo ou deliberadamente se atira no espaço ao trepar uma montanha escarpada, despedaça-se contra as rochas tão certamente como seu súdito mais humilde. Os homens aprenderam a certeza da lei natural e confiam em sua uniformidade infalível. Estão convencidos de que as leis da física, da matemática, da tensão, não variam da noite para o dia. Assim, planejam, edificam, vivem e trabalham, confiados na segurança da lei. E Deus não lhes falta com a lei. Os homens podem confiar em Deus e em Sua lei natural.
 

A lei moral não escrita é igualmente segura. A consciência dá testemunho de um poder superior ao do homem, uma força compulsória, um poder quase irresistível.

Certo é que a lei moral, por atuar num reino superior ao físico,não pode ser demonstrada imediatamente, e os efeitos da transgressão podem não ser tão aparentes como no caso da violação da lei física. Mas são, contudo, tão certos como estes.
 

Nem toda violação da lei física é castigada imediatamente. Se alguém toca um arame carregado de tensão elétrica é ferido de morte imediata. Outro viola a lei de sua existência quanto ao comer e ao beber, sem notar qualquer efeito imediato. Anos mais tarde, porém, notam-se os resultados. Conquanto sejam postergados, eles são certos e inevitáveis. Assim sucede com a lei moral. Os resultados das transgressões podem ser postergados. Mas chegam seguramente. Podem até não aparecer nesta vida, e ser reservados para o juízo vindouro. Mas em qualquer caso os resultados são certos e inevitáveis – a menos que interfira a graça divina.
 

A maneira de Deus agir tem sua razão. Se o castigo fosse aplicado sempre imediatamente, a formação do caráter seria muito estorvada, se não tornada impossível. Cada pecado físico, por pequeno que seja, tem em si a semente da morte. Se essa morte se produzisse imediatamente, lógico é que a pessoa afetada não teria oportunidade de aprender lição alguma da experiência. Por outra parte, os demais, sabendo que o resultado da desobediência seria morte imediata, se apartariam da transgressão, não por principio senão por temor. A fim de dar aos homens oportunidade de arrepender-se dos pecados físicos e de fazê-los sem que em sua decisão influa o temor da morte imediata, Deus deve postergar por algum tempo as conseqüências da transgressão. Assim o faz, e o resultado justificam o procedimento.
 

Este principio é ainda mais aplicável à lei moral. Deus não deve executar o mastigo da transgressão da lei moral imediatamente, afim de não viciar seu plano e tornar difícil senão impossível a salvação. Embora seja as vezes certo que “visto como não se executa logo o juízo sobre a má obra, por isso o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para praticar o mal”, Deus não precisa executar imediatamente o juízo, para que não aconteça produzir mais mal do que bem. Deus sabe o que faz. Impôs-Se a tarefa de salvar a humanidade, e a realiza da melhor maneira possível.
 

A lei divina escrita, tal qual se contém nos dez mandamentos, sintetiza todo dever do homem para com Deus e para com os homens.

O Deus que fez a lei da natureza é o mesmo Deus que fez os dez mandamentos. Ambas as leis são dadas por Deus, e conquanto atue em reinos diferentes, estão igualmente em vigor e não podem ser transgredidas impunemente. A lei de Deus tal como foi escrita nas duas tabuas de pedra, bem como no coração do crente, esta em harmonia com a lei Divina e não escrita.
 

Mas a natureza não indica em parte alguma um dia definido de descanso. Isto aparece na lei divina escrita. Os pagãos tem percepções do bem e do mal, e sua consciência os acusa e os desculpa. Este não parece ser o caso, no entanto, no tocante ao sétimo dia, ou dia de repouso, nada há na natureza que induza à alguém a observância de um dia em cada sete, e muito menos um sétimo dia definido. Isto pode exigir algum estudo.
O sábado foi instituído por ocasião da criação. “Foi feito por causa do homem”. Marcos 2:27. Por Seu próprio exemplo de repouso, Deus santificou esse dia e o abençoou. Entre todos os dias da semana escolheu um, pondo de parte para um uso santo. Desde então foi abençoado entre os demais dias, santificado pelo próprio Deus.
 

A escolha de um dia particular da semana foi um determinado ato de Deus que só se pode conhecer pela revelação. A natureza não nos dá chave alguma quanto a que dia é o de repouso, ou se há algum dia de repouso. O mandamento de observar o sétimo dia é uma declaração do Deus soberano, que põe de parte um dia determinado como tempo santo. Conquanto pareça acertado que o ultimo dia da semana da criação haja sido escolhido como dia de repouso, é concebível que a quarta-feira ou qualquer outro dia pudesse cumprir igualmente o propósito, se assim o houvesse ordenado o criador. A escolha do sétimo dia repousa não sobre algum feito da natureza, mas sobre uma ordem positiva de Deus, não acompanhada de lei adicional alguma elementar ou natural. Baseia-se inteiramente num “assim diz o Senhor”.
 

Cremos que isso tem uma razão e prosseguiremos com este estudo.

 

19.  O SÁBADO

“Lembra-te do dia do sábado para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas; porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou”. Êxo. 20:8-11.
 

Se uma pessoa que não houvesse conhecido antes os dez mandamentos se encontrasse repetidamente face a face com eles, surpreender-se-ia imediatamente com seu caráter de razoabilidade e bom senso. Ao ler o mandamento: “Não furtarás”, concordaria em que é um bom mandamento. O mesmo pensaria dos demais mandamentos: “Não matarás”, e “Não cometerás adultério”. Observaria, sem duvida, que a maioria das nações tem leis similares e as considera necessárias e boas. Não poderá encontrar defeito na lei de Deus.
 

No entanto, uma coisa poderia deixá-la perplexa. Por que se deve considerar santo o sétimo dia? Poderia ver a razão dos outros mandamentos, mas o mandamento do sábado lhe pareceria arbitrário. Do ponto de vista da saúde, cada quinto ou sexto dia, ou cada oitavo ou décimo dia, serviria igualmente bem. E como quer que seja, por que escolher o sétimo dia da semana, de preferência a somente uma sétima parte do tempo? Os outros mandamentos são razoáveis, pensaria ela, mas o mandamento do sábado é de índole diversa. Não se baseia na natureza nem nas relações humanas; mas é um decreto arbitrário, sem razão suficiente para ser obedecido ou imposto.
 

O autor entreteve uma vez com certa pessoa uma conversação em que foram apresentados os argumentos mencionados. Era uma pessoa culta. A conversação foi encaminhada para a lei de Deus, e especialmente para o mandamento do sábado.

O argumento apresentado foi mais ou menos o seguinte:
 

“Aprecio a contribuição de sua igreja para a ordem e a legalidade. Numa época como esta, em que prevalecem a criminalidade e a iniqüidade, devemos esperar que as igrejas defendam rigidamente a justiça. Lamento notar que algumas igrejas não estão fazendo isso. Zombam da lei de Deus, e isto não pode senão refletir-se sobre os assuntos civis. Se se pode impunemente fazer abstração da lei de Deus, é fácil assumir atitude idêntica para com a lei civil. Alegro-me, portanto, de que estejais pregando a lei tanto como o evangelho. Ambas as coisas são necessárias.
 

“Há, no entanto, uma coisa em que creio estais enganados. Guardais o sétimo dia, e credes que Deus o requeira de vós. Conquanto eu honre vossa crença e vos julgue sinceros, penso que estais enganados. Dediquei estudo à questão, e creio que a vontade e o propósito de Deus se podem cumprir tão bem guardando o primeiro dia da semana como o último; e ser-vos ia muito mais fácil, além de que vossa influencia aumentaria. Se bem que pessoalmente eu creia não ter importância que se observe um dia ou outro, ou nenhum dia, honro os que dedicam um dia a Deus. Mas creio que estais enganados em crer que deveis observar o sétimo dia. Deus não requer isso de vós. O mais que Ele poderia esperar seria que guardásseis um dia de cada sete.
 

“O mandamento do sábado é diferente dos outros. Distingue-se pela circunstancia de não se basear na natureza do homem, como os outros mandamentos. Se um grupo de homens que nuca houvesse ouvido falar dos dez mandamentos tivesse de viver junto, não tardaria em elaborar uma serie de leis para seu próprio governo. As nações pagãs e as tribos selvagens têm regras contra o roubo, o assassínio e o adultério. Creio que esses povos primitivos elaboraram, depois de algum tempo, um código de leis em conformidade com o Decálogo; mas não posso ver como produziriam jamais uma lei do sábado. Não há na natureza coisa alguma que os guiasse numa empresa tal. Isto prova, creio eu, meu argumento de que a lei do sábado não se alicerça na lei natural, não se fundamenta na natureza do homem, como os outros mandamentos, e os homens mantêm para com esse mandamento uma relação diversa da que têm com os demais.

Considero que os outros mandamentos estão em vigor, mas não o do sábado”.
 

A isto respondemos mais ou menos como segue:
 

“Sem admitir a verdade de todos os argumentos, admitamos que o mandamento do sábado repousa sobre uma base diferente da do resto dos mandamentos, e que o homem, sem a ajuda da revelação, não poderia nunca chegar a crer no repouso do sétimo dia.
 

“Que o mandamento do sábado ocupe um lugar único na lei de Deus é, cremos, reconhecido pela maior parte dos que têm estudado a questão. É o único mandamento que trata do tempo. Tem a particularidade de declarar certas coisas corretas, se feitas num tempo taxativo, e más as mesmas coisas, se feitas noutro tempo. Cria o bem e o mal por definição, sem razão perceptível baseada na natureza. Nisto difere dos outros mandamentos.
 

“Foi este mandamento que Deus escolheu nos tempos antigos para que servisse de mandamento de prova. Antes que a lei fosse proclamada publicamente no Sinai ‘toda a congregação dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e contra Aarão no deserto; e os filhos de Israel disseram-lhes: Quem dera que nós morrêssemos por mão do Senhor na terra do Egito, quando estávamos sentados junto às panelas de carne, quando comíamos pão até fartar! Por que nos tendes tirado para este deserto, para matardes de fome a toda esta multidão’. Êxo. 16:2 e 3. A situação era crítica. Era preciso agir. ‘Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão dos céus, e o povo sairá, e colherá cada dia a porção para cada dia, para que Eu veja se anda em Minha lei ou não’. vs. 4. “O recolher e preparar o pão que Deus enviara do céu constituía para Israel uma prova, ‘para que Eu veja se anda em Minha lei ou não’. Cada dia, deviam recolher maná suficiente para as necessidades do dia, mas no sexto dia deveriam recolher quantidade dobrada, a fim de lhes sobrar para o sábado. Se bem que de costume o maná não se conservava mais que um dia, no sexto dia o Deus o preservava milagrosamente de corrupção. Assim é que ‘ao sexto dia colheram pão em dobro’. vs. 22. ‘E ele disse-lhes: Isto é o que o Senhor tem dito:

Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor; o que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobejar, ponde em guarda para vós até amanhã. E guardaram-no até amanhã, como Moisés tinha ordenado; e não cheirou mal, nem nele houve algum bicho. Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor; hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele não haverá’. vs. 23-26.
 

“Alguns do povo não ficaram satisfeitos, porém, ‘Saíram para colher, mas não o acharam. Então disse o Senhor a Moisés: Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis? Vede, visto que o Senhor vos deu o sábado, por isso Ele no sexto dia vos dá pão para dois dias; cada um fique no seu lugar, que ninguém saia do seu lugar no sétimo dia. Assim repousou o povo no sétimo dia’. vs. 27-30.
 

“Dentre todos os mandamentos, Deus escolheu o quarto como o mandamento de prova. Ele queria ver se o povo andaria ou não em Sua lei, e disse-lhe que cada dia recolhesse maná suficiente para suas necessidades, porção dupla no sexto dia, e nada no sétimo. Essa foi a prova. Desobedecendo, não só quebrantavam o sábado, mas sim a lei toda. ‘Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?’ perguntou Deus. Ele não perguntou: ‘Por que não guardais o sábado?’ A questão era mais ampla que isso. Envolvia a lei toda. A guarda do sábado era a prova. Se guardavam esse dia, eram obedientes. Se o violavam, violavam a lei toda.
 

“É a esta experiência e a outras, posteriores, que Ezequiel se refere quando cita a Deus dizendo, no deserto: ‘também lhes dei os Meus sábados, para que servissem de sinal entre Mim e eles: para que soubessem que Eu sou o Senhor que os santifica’. Eze. 20:12. Declara-se aí que o sábado de Deus é sinal de santificação. No versículo 20, o sábado do Senhor é chamado ‘sinal entre Min e vós, para que saibais que Eu sou o Senhor vosso Deus’. No primeiro versículo citado, o sábado é chamado sinal de santificação; no segundo, sinal de que Deus é o Senhor nosso Deus. Em ambos é denominado um sinal.

“É interessante notar as circunstâncias sob as quais são feitas essas afirmações. Os anciãos de Israel vieram a indagar do Senhor, mas Ele declarou categoricamente que não queria ser por eles consultado. Ezeq. 20:3. Tantas vezes já lhes falara, não Lhe havendo eles dado ouvido! Por que Se comunicar com eles, se se recusavam a fazer o que lhes ordenava? Eram exatamente como seus pais, disse Deus. Os pais não foram obedientes, tão pouco mostravam os filhos qualquer inclinação a dar ouvido. Quando Ezequiel deseja interceder por eles, o Senhor lhe ordena que lhes diga claramente onde faltaram. ‘Faze-lhes saber as abominações de seus pais’, diz o Senhor. vs. 4. É o que Ezequiel passa a fazer, recordando-lhes a dificuldade que o Senhor tivera em tirar Israel do Egito para a Terra Prometida, e em levar aquele povo a observar Seus mandamentos, especialmente o quarto.
 

“Estavam ainda no Egito, quando Deus lhes ordenou que pusessem de parte todos os ídolos. Não o fizeram. Contudo, Deus os tirou do Egito e os conduziu pelo deserto, onde lhes proclamou Sua lei. Nessa lei destaca Ele o sábado, dizendo-o Seu sinal de santificação e acentuando Seu desejo de que o santificassem. ‘Mas a casa de Israel se rebelou;... e profanaram grandemente os Meus sábados; e Eu disse que derramaria sobre eles o Meu furor no deserto, para os consumir’, vs. 13. Deus, porém, resolve não os consumir. Por outro lado, acha que os não podia ‘deixar entrar na terra que lhes tinha dado,... porque... profanaram os Meus sábados’. vs. 15 e 16.
 

“Deus os admoesta: ‘Não andeis nos estatutos de vossos pais, nem guardeis os seus juízos, nem vos contamineis com os seus ídolos. Eu sou o Senhor vosso Deus; andai nos Meus estatutos, e guardai os Meus juízos, e executai-os. E santificai os Meus sábados, e servirão de sinal entre Mim e vós, para que saibais que Eu sou o Senhor vosso Deus’. vs. 18-20. Mas, ‘os filhos se rebelaram;... profanaram os Meus sábados; por isso Eu disse que derramaria sobre eles o Meu furor, para cumprir contra eles a Minha ira no deserto’, vs. 21. Deus resolve espalhá-los ‘entre as nações, e os derramar pelas terras; porque não executaram os Meus juízos, e rejeitaram os Meus estatutos, e profanaram os Meus sábados, e os seus olhos se iam após ídolos de seus pais’. vs. 23 e 24.

“Duas vezes é feita a afirmação de que os filhos de Israel se ‘rebelaram;... profanaram os Meus sábados’. Deus por fim decide separar dentre eles ‘os rebeldes, e os que prevaricaram contra Mim’, impedindo-os de entrar na terra de Israel. vs. 38. A relação entre os ‘rebeldes’ e os que profanam o sábado parece bastante intima.
 

“Ninguém pode ler reverentemente este capítulo sem chegar à conclusão de que Deus dá muita importância ao sábado, que é uma prova, um sinal, escolhido dentre os outros mandamentos como prova de obediência. ‘Para que Eu o prove’, diz Deus, ‘se ainda na Minha lei ou não’. A guarda do sábado é a prova. É o sinal de santificação. O sinal de que ‘Eu sou o Senhor vosso Deus’.
 

“Por que teria Deus escolhido exatamente o mandamento do sábado como prova, de preferência a qualquer dos demais mandamentos? Admitindo o fato de que o sábado repousa unicamente sobre um ‘assim diz o Senhor’, é-lhe, "ipso facto" concedida preeminência especial. Os outros mandamentos se baseiam não só num decreto de Deus, mas também na natureza do homem, parte da lei elementar ou natural. Um mandamento é escolhido dentre os demais, para ficar como prova, como sinal, de que a pessoa que obedeça a ele, está em harmonia com a lei toda.
 

“É como se Deus arrazoasse assim acerca dos outros nove mandamentos: Eu lhes dei Minha lei. Escrevi-a em seu coração. Está gravada em cada fibra de seu ser. Eles sabem instintivamente o que é reto e o que não é Sua própria consciência dá testemunho da testemunho da veracidade de Minha lei. Uma coisa, porém, é necessária. A lei é tão clara, é tão evidente a todos que esses mandamentos básicos são necessários à existência, à paz e à vida, que se poderia dar o caso de deixarem os homens de aceitá-los como de origem divina. Haverá quem pretenda que os nove mandamentos são tão essenciais e evidentes que, mesmo desajudados da direção divino, os homens seriam por si próprios capazes de fazer uma lei comparável à Minha. Jactar-se-ão de que, através dos séculos, chegaram, pela experiência, à conclusão de que não convém roubar, mentir ou matar, e elaboraram leis apropriadas acerca dessas questões, não sendo essas leis de origem divina, mas resultado da experiência humana, e definitivamente integradas à raça.

Apontarão confiantemente para tribos e raças que por séculos estiveram isoladas de civilização, possuindo, entretanto, regras que cobrem muitos pontos da lei. Pretenderão ser isto uma prova de que o homem, desajudado do poder divino, é capaz de reproduzir Minha lei. Afirmarão não ser a lei de origem divina, que os homens estão apenas seguindo uma lei que sua própria experiência lhes ensina ser para bem da humanidade.
 

“Prossegue o Senhor: Tomarei, quanto a Minha lei, uma providencia que não se baseia na lei elementar ou natural; que não tem nenhuma correspondência na natureza; que será uma ordem definida, e para a qual não serão capazes de encontrar qualquer razão além de Minha ordem. Para os outros mandamentos vêem os homens uma razão. Os mandamentos falam ao seu bom sendo. Para esse mandamento, porém nenhuma outra razão haverá senão Minha palavra. Se lhe obedeceram, obedecer-Me-ão a Mim. Rejeitando-o, a Mim Me rejeitarão. Farei esse mandamento uma prova, um sinal. Fa-lo-ei um meio de provarem se guardam ou não a Minha lei. Farei dele um sinal de que Eu sou o Senhor.
 

“Farei o sábado e lhes mandarei que o observem. Não existe no mundo coisa alguma para indicar um dia de repouso. Se guardarem o mandamento do sábado, será porque Eu o ordeno. Farei dele uma prova. Ele provará se andam na Minha lei ou não. O sábado será Meu sinal, Minha prova de obediência. O sétimo dia, não um dia dentre sete. Quem quer que o observe Me obedecerá. Todo que o rejeitar, rejeita não só o sábado, mas a lei toda. Mais do que isso, rejeitando o sétimo dia, rejeitam-Me a Mim. A guarda do sábado do sétimo dia é o sinal de que Me aceitam como seu Deus.
 

“Com o transcorrer do tempo surgirão homens que pretenderão ser religiosos, mas que na realidade confiam em seu próprio entendimento. Muitos deles rejeitarão o registro da criação divina, substituindo-o por suas próprias teorias acerca da existência das coisas. Conquanto não tivessem estado presentes no ato da criação, quando Minha palavra chamou à existência os seres, hão de pontificar presunçosamente sobre a maneira em que isso foi feito, rejeitando Meu testemunho de fato.

Alguns dentre eles Me rejeitarão positivamente. Outros pretenderão crer em Mim, mas em se apresentando uma desarmonia entre Minha palavra e seus conclusões, rejeitarão Minha palavra para se apegarem a suas próprias teorias. Rejeitando o relato da criação, rejeitarão naturalmente o monumento comemorativo da criação, o sábado. Não aceitarão aquilo que não se enquadre nos limites de seu raciocínio. Seu próprio modo de pensar é para eles a final autoridade. Dar-lhe-ei uma prova que há de mostrar se crêem em Mim ou não. Prova-los-ei, para ver se andam realmente na Minha lei ou não. Se aceitarem Meu sinal, Minha prova, Meu sábado, reconhecerão, nesse ato, uma Inteligência mais alta que a sua. Se rejeitarem Meu sábado, rejeitar-Me-ão a Mim, a mInha palavra. Minha lei. Farei do sábado a prova.
 

“Os homens compreenderão o repto. Não serão capazes de lhe fugir. Verão claramente que, aceitando o sábado, terão de aceitar Minha palavra pela fé, e não por seu próprio raciocínio. A guarda do sábado repousa sobre a fé, unicamente. Não o podem os homens descobrir seguindo tão somente os métodos de seu raciocínio, à base da humana experiência ou investigação. Se aceitarem o sábado, fa-lo-ão em virtude de sua fé em Mim.
 

“O maligno, Meu adversário, envidará todos os esforços pra destruir a fé de Meu povo. Tentará falsificar Minha obra. Advogará um dia de repouso espúrio, tornando-o mais conveniente e popular do que o dia por Mim escolhido, por ocasião da criação. E alcançará êxito com grande Numero de pessoas, que o hão de aceitar a ele, e não a Mim. Ele atacará Meu dia de repouso, conclamando o povo para junto de seu pavilhão. O povo terá ante si uma questão apresentada com toda a clareza. Será uma questão de Meu sábado e Minha palavra de um lado, e o sábado falsificado do Meu adversário do outro lado. Eu tenho Meu sinal. Ele tem o dele. A cada qual dos homens caberá escolher a bandeira sob a qual deseja colocar-se.
 

“Conhecendo o fim desde o principio, escolhi deliberadamente o sábado como prova, a fim de ver se os homens andarão em Minha lei ou não. Por isso é que o coloquei no centro da lei. Isto também explica porque preferi não o relacionar com a lei natural.

Destaca-se absolutamente só, repousando unicamente em Minha palavra. Fi-lo o mandamento da prova. É Meu sinal”.
 

Não queremos afirmar que Deus fizesse todo esse raciocínio aí sugerido. Ele sabe todas as coisas. Por boas e suficientes razões deu Ele sábado como sinal, como prova. Cremos poder distinguir algumas razões para tanto. Compete-nos colocar-nos de todo o coração do lado de Deus, nesta importante questão.
 

O mandamento do sábado tem relação estreita com a expiação. Com referencia à transgressão da lei era o sangue aspergido no ritual do santuário. Era quando alguém fazia “contra algum dos mandamentos do Senhor, aquilo que se não deve fazer”, que ele carecia de expiação. Lev. 4:27. Constitui a transgressão do mandamento do sábado “aquilo que se não deve fazer” contra um mandamento? Números 15 contém uma lição.
O Senhor falando a Israel, diz: “Quando vierdes a errar, e não fizerdes todos estes mandamentos, que o Senhor falou a Moises,... será pois perdoado a toda a congregação dos filhos de Israel, e mais ao estrangeiro que peregrina no meio deles, porquanto por erro sobreveio a todo o povo”. Num. 15:22-26.
 

Qualquer pecado que Israel ou o estrangeiro cometesse ignorantemente, devia ser perdoado. “Para o natural dos filhos de Israel, e para o estrangeiro que no meio deles peregrina, uma mesma lei vos será para aquele que isso fizer por erro”. vs. 29.
Se alguém pecava voluntariamente, era tratado de modo diverso. “A alma que fizer alguma coisa à mão levantada, quer seja dos naturais quer dos estrangeiros, injúria ao Senhor: e tal alma será extirpada do meio do seu povo, pois desprezou a palavra do Senhor, e anulou o Seu mandamento: totalmente será extirpada aquela alma, a sua iniqüidade será sobre ela”. vs. 30 e 31.
 

Segue uma ilustração acerca do que significa pecar “à mão levantada”(“afoitamente”, diz a Trad. Bras.): Foi encontrado um homem apanhando lenha no dia de sábado. Os dirigentes não sabiam o que fazer, de maneira que “o puseram em guarda; porquanto ainda não estava declarado o que se lhe devia fazer”. vs. 34.

O Senhor não os deixou por muito tempo em suspensão. “Disse pois o Senhor a Moisés: Certamente morrerá o tal homem; toda a congregação com pedras o apedrejará para fora do arraial. Então toda a congregação o tirou para fora de arraial, e com pedras o apedrejaram, e morreu, como o Senhor ordenara a Moisés”. vs. 35 e 36.
 

Deus proclamara a Israel os Seus mandamentos. Ordenara-lhes que se lembrassem do dia do sábado. Anunciara ser este a prova por ele instituída, para mostrar se andariam ou não em Sua lei. Não havia desculpa. Quando saiu o homem a lenhar no sábado, não estava ele em ignorância. Era rebelde. “Desprezou a palavra do Senhor”. Violou os mandamentos. Só existia para ele uma lei. Pecara “a mão levantada”.
 

Uma coisa é pensarem os homens, apenas, em mudar o dia de sábado. Outra coisa é tocarem eles a eterna lei de Deus, que é a base de Seu trono no céu. Estes mandamentos constituem a base e razão de expiação. Um exemplar deles se mantinha na arca sagrada, no santíssimo do santuário terrestre. Ninguém senão o sumo-sacerdote podia entrar no santíssimo. A lei era o próprio alicerce do trono e governo de Deus. Quando, certa ocasião, um homem tocou a arca, foi fulminado. I Crôn. 13:9 e 10. Que não teria acontecido se tivesse posto a mão ao interior da arca, tentando mudar a escrita de Deus nas tabuas! Entretanto, os homens, ímpiamente, consideram isso uma possibilidade! Esquecem a santidade de Deus e da lei, a não falar na impossibilidade de mudar aquilo que foi gravado em pedra, e isso pelo próprio dedo de Deus!
 

Será possível que a lei, que é a base da expiação e que requereu a morte do Senhor, tenha sido mudada? Se foi mudado o mandamento do sábado, foram-no também outros? Morreu Cristo por uma coisa no Velho Testamento e por outra no Novo? Exigiu Deus a pena de morte pela voluntária transgressão do mandamento do sábado um dia antes de expirar Cristo na cruz, e não no dia seguinte? Ou haveria uma zona “neutra” quanto à sentença de morte? Pode haver entre os cristãos divergências de opiniões quanto a muitas coisas. Pode, porém, havê-las quanto à necessidade de expiação? É Cristo ainda nosso Sumo-sacerdote?

Em caso afirmativo, pelo que faz Ele expiação? Está ainda a lei sob o propiciatório, na arca?
 

Sem a lei, a expiação torna uma farsa, a encarnação de Cristo uma fábula piedosa, Sua morte um desvio da justiça, o Getsêmane uma tragédia. Se a lei – ou qualquer dos mandamentos – pode ser transgredida impunemente; se a lei foi abolida ou mudados os seus preceitos; se a lei, dada pelo próprio Deus, deixou de ser a norma no juízo, torna-se então desnecessária a morte de Cristo, o Pai mesmo deixa de ser a personificação da justiça e bondade, e Cristo já não pode escapar à acusação de ser cúmplice de um erro. Clamem todos os cristãos contra semelhante doutrina! Destruída a lei, torna-se desnecessária a expiação, dispensa-se a Cristo. Permaneçam sempre em todos os espíritos os fatos: Cristo por nós viveu, sofreu, morreu e ressurgiu. Tínhamos pecado, transgredido a lei, e estávamos sentenciados à morte. Cristo nos salvou, não por meio da abolição da lei – pois neste caso não precisaria morrer – mas sim pela morte por nós, estabelecendo assim para sempre a vigência da lei. Ele agora por nós apresenta os méritos de Seu sangue, no santuário celestial. É nosso Advogado, nossa Segurança, nosso Sumo-Sacerdote. Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Pela fé nEle somos salvos.

 

20.  O ULTIMO CONFLITO


Em Daniel 8:14 encontra-se uma declaração que reclama nosso estudo. Reza assim: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”.
 

Qualquer declaração relativa ao santuário, é importante. Em particular e é o texto acima citado. Declara que, em determinado tempo, o santuário será purificado. Isto é de algum modo extraordinário, pois o santuário terrestre era purificado todos os anos, no Dia da Expiação. Por que, então, devia decorrer um certo tempo – dois mil e trezentos dias – antes que se efetuasse essa especial purificação?
 

O capítulo oitavo de Daniel contém uma importante profecia. Descreve uma visão tida por Daniel quanto a u m carneiro e a um bode:
 

“No terceiro ano do reinado do rei Belshazzar apareceu-me uma visão, a mim, Daniel, depois daquela que me apareceu no principio. E vi, na visão (acontecendo, quando vi, que eu estava na cidadela de Susã, na província de Elã), vi pois, na visão, que eu estava junto ao rio Ulai. E levantei os meus olhos, e vi, e eis que um carneiro estava diante do rio, o qual tinha duas pontas; e as duas pontas eram altas, mas uma era mais alta do que a outra; e a mais alta subiu por último.
 

“Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte e para o meio-dia; e nenhuns animais podiam estar diante dele, nem havia quem pudesse livrar-se da sua mão; e ele fazia conforme a sua vontade, e se engrandecia. E, estando eu considerando, eis que um bode vinha do ocidente sobre toda a terra, mas sem tocar no chão; e aquele bode tinha uma ponta notável entre os olhos; e dirigiu-se ao carneiro que tinha as duas pontas, ao qual eu tinha visto diante do rio; e correu contra ele com todo o ímpeto da sua força. E o vi chegar perto do carneiro, e irritar-se contra ele; e feriu o carneiro, e lhe quebrou as duas pontas, pois não havia força no carneiro para parar diante dele;

E o lançou por terra, e o pisou a pés; não houve quem pudesse livrar o carneiro da sua mão. E o bode se engrandeceu em grande maneira; mas, estando na sua maior força, aquela grande ponta foi quebrada: e subiram no seu lugar quatro também notáveis, para os quatro ventos do céu”. Dan. 8:1-8.
 

A interpretação é dada nos versículos 20 e 21: “Aquele carneiro que viste com duas pontas são os reis da Média e da Pérsia; umas o bode peludo é o rei da Grécia; e a ponta grande que tinha entre os olhos é o rei primeiro”.
 

Entre os comentadores há unânime acordo em que “a ponta grande” é Alexandre o Grande. Enquanto se achava ainda “na sua maior força aquela grande ponta foi quebrada”. vs. 8. Em seu lugar surgiram quatro outras, denotando as quatro divisões do Grande Império pela morte de Alexandre. vs. 22.
 

A parte da profecia em que estamos especialmente interessados, começa com o versículo nove. “E de uma delas saiu uma ponta mui pequena, a qual cresceu muito para o meio-dia, e para o oriente, e para a terra formosa. E se engrandeceu até ao exercito do céu; e a alguns do exercito, e das estrelas, deixou por terra, e as pisou. E se engrandeceu até ao príncipe do exército: e por ele foi tirado o continuo sacrifício, e o lugar do seu santuário foi lançado por terra. E o exercito lhe foi entregue, com o sacrifício contínuo, por causa das transgressões; e lançou a verdade por terra; fez isso, e prosperou. Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo aquele que falava: Até quando durará a visão do contínuo sacrifício, e da transgressão assoladora, para que seja entregue o santuário, e o exército, a fim de serem pisados? E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”.
 

É evidente que a profecia se refere à “ponta mui pequena” que “cresceu muito”, Alexandre é a “ponta grande”. Dan. 8:21. O poder simbolizado pela ponta pequena começou de maneira obscura, mas “cresceu muito”. É digno de nota o que faz essa ponta. Ela “destruirá maravilhosamente” o povo de Deus. vs. 24. Isto é feito, não tanto por guerra, mas “por causa da tranqüilidade”, quer dizer, em paz. vs. 25. É entendido e astuto, agindo por meio de “engano”. vs. 25. É poderoso, mas “nas pelo seu próprio poder”, e “fez isso, e prosperou”. vs. 24 e 12.

É um poder orgulhoso, pois “no seu coração se engrandecerá”, “e se engrandeceu até ao príncipe do exercito”, vs. 25 e 11. É um poder perseguidor, pois destrói “os fortes e o povo santo”, e todo um “exercito” lhe foi entregue para ser pisado. vs. 24, 10 e 13. Ensina falsas doutrinas, e “lançou a verdade por terra”. vs. 12. Combate contra a verdade; o santuário é “lançado por terra” e pisado, e isto “por causa das transgressões”. vs. 11-13. O apogeu é atingido quando ele se levanta “contra o Príncipe dos príncipes”. É então quebrado “sem mãos”. vs. 25. Quando Daniel viu tudo isto em visão, tão afetado ficou, que, diz, “enfraqueci, e estive enfermo alguns dias”. Ficou espantado com a visão, e nem ele nem ninguém a compreendeu. vs. 27.
 

Interessamo-nos especialmente no tempo mencionado pelo versículo catorze. A conversa tida pelos dois anjos, foi evidentemente para beneficio de Daniel. A visão do carneiro e do bode parece ser relatada apenas para levar a história da ponta pequena que “cresceu muito”. Quando Daniel viu as perseguições efetuadas por esse poder, e como ele prosperava por métodos astutos e se engrandecia e destruía “maravilhosamente”, naturalmente cogitou por quanto tempo aquilo havia de durar. Na conversa dos anjos, é-lhe dito que deve haver um período de dois mil e trezentos dias, durante os quais, “o santuário, e o exercito” seriam “pisados”, e esse mau poder havia de prosperar.
 

Como esse poder “fortalecerá a sua força, mas não pelo seu próprio poder”? Parece uma contradição. Como poderia deitar por terra “alguns do exército, e das estrelas”e pisá-las? Como poderia derribar e espezinhar o santuário? Como poderia lançar “a verdade por terra”, e prosperar nessa obra? Entretanto, é justamente o que havia de fazer. vs. 24, 10-12 e 25. Daniel ficou atônito, não compreendendo a visão.
 

Mas ele ficou mais do que atônito. Quando viu o que esse poder faria ao santuário, à religião, ao povo de Deus, à verdade, ficou “enfermo alguns dias”. vs. 27. Aí estava um poder blasfemo que perseguiria o povo de Deus, tentando destruir a verdade, e prosperando nesse empenho. Até mesmo o santuário seria lançado por terra e apisoado.

O único raio de esperança quanto a essa visão,dizia respeito ao tempo. Nem para sempre seriam conculcados o santuário e a verdade. Esta voltaria ao seu pedestal. Reivindicar-se-ia. No final de dois mil e trezentos dias o santuário seria purificado. Esse tempo devia o povo de Deus aguardar.
 

Tal acontecimento, em si, não poderia, entretanto, representar grande conforto a Daniel. Que significavam os dois mil e trezentos anos? Quando deviam começar? Quando terminar? Não o compreendia. Começou a estudar mais fervorosamente do que nunca. Seu estudo o levou a compreender “pelos livros que o Numero de anos, de que falou o Senhor ao profeta Jeremias, em que deviam acabar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos”. Daniel 9:2. Ainda não recebera, porém, luz sobre os dois mil e trezentos dias. Teriam estes qualquer relação com o término dos setenta anos? Começariam, porventura, ao finalizar-se esse período? Não o sabia Daniel. Entregou-se, pois, à oração. Era preciso que recebesse luz sobre a questão.
 

Mantêm alguns comentaristas que a ponta pequena, que se tornou excessivamente grande, representa o reino dos seleucidas, especialmente sob o reinado do Antíoco Epifânio e Antíoco o Grande. Esta opinião justifica sérias objeções. É verdade que esses reis perseguiram. Eram astutos, ímpios, arrogantes. Dificilmente se poderia, porém, dizer que o foram mais que outros, antes e depois deles. Ninguém dirá que foram maiores que Alexandre o Grande. A visão, entretanto, o requer. Antíoco Epifânio, a quem muitos julgam referir-se especialmente a passagem, era perseguidor; interveio no ritual do santuário; nem por isso, entretanto, era tão grande que merecesse a atenção dispensada na visão à ponta pequena. Desempenhou por alguns breves anos a sua parte no drama e passou, não deixando rastos como os de Alexandre, e teria há muito tomado lugar entre os insignificantes reis daquele período, não fossem os persistentes esforços de comentaristas para lhe dar indevida preeminência.
 

A visão do capitulo 8 de Daniel é uma visão isolada. A Medo-Pérsia e a Grécia não são aí mencionadas pela primeira vez. O capítulo 7 trata de assunto correlato e menciona os animais que representam a Medo-Pérsia, e a Grécia, referindo-se também a uma “ponta pequena”.

Diz o profeta: ”Estando eu considerando as pontas, eis que entre elas subiu outra ponta pequena, diante da qual três das pontas primeiras foram arrancadas; e eis que nesta ponta havia olhos, como olhos de homem, e uma boca que falava grandiosamente”. Dan. 7:8. Esta ponta pequena intrigava a Daniel. Queria saber mais “daquela ponta... que tinha olhos, e uma boca que falava grandiosamente, e cujo parecer era mais firme do que o das suas companheiras”. vs. 20. Vira que “esta ponta fazia guerra contra os santos, e os vencia”. vs. 21. Viu,mais, que “proferirá palavras contra o altíssimo, e destruirá os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão entregues na sua mão por um tempo, e tempos, e metade dum tempo”. vs. 25. Finalmente, porém, “o juízo estabelecer-se á, e eles tirarão o seu domínio, para o destruir e para o desfazer até ao fim”. vs. 26. O capítulo assim termina: “Aqui findou a visão. Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos muito me espantavam, e mudou-se em mim o meu semblante; mas guardei estas coisas no meu coração”. Veres. 28. É fácil ver que esta profecia trata de modo geral dos mesmos acontecimentos considerados no capítulo 8.
 

Daniel ficara perturbado com o que vira. No capítulo 7 fora-lhe apresentado um poder perseguidor que fazia guerra aos santos do Altíssimo, falando contra Deus, cuidando em mudar tempos e leis – poder que era diferente de outros reis (vs. 24), e que seria afinal destruído. Esse poder era a “ponta pequena”, que tinha olhos como os de homem, e boca que falava grandiosamente. Quem seria representado por tal poder? Daniel pensou muito e acabou perplexo. “Meus pensamentos muito me espantavam”. (“perturbaram”, Trad. Bras.), confessa ele. vs. 28. Mas conservou no coração o assunto. Estava certo de que Deus tinha maior conhecimento. O capítulo 8 volta a tratar desse poder, e o capítulo 9 continua a explanação.
 

É impossível conceber que a ponta pequena de Daniel 7 seja Antíoco Epifânio ou qualquer outro Antíoco. Quase todos os comentadores protestantes da escola antiga concordam em que se refere ela ao papado, no qual desde logo se vê que encontra completo cumprimento. Como poderia ser verdade, quanto a qualquer dos Antíocos, que “fazia guerra contra os santos, e os vencia.

Até que veio o Ancião de dias, e foi dado o juízo aos santos do Altíssimo; e chegou o tempo em que os santos possuíram o reino”? vs. 21 e 22. Antíoco há muito que está morto. Reinou pouco tempo apenas. De que outro poder senão o papado é verdade que fez guerra aos santos do Altíssimo, ou tentou mudar tempos e leis?
 

Não são a sagacidade, a sabedoria, a vasta política do papado expressivamente sugeridos pela ponta que tinha “olhos, como olhos de homem, e uma boca que falava grandiosamente”? vs. 8 Cremos achar-nos sobre sólida base exegética quando sustentamos que a ponta pequenas de Daniel 8 é Roma, primeiro pagã e depois papal; e a ponta pequena de Daniel 7, o papado.
 

Estas considerações nos ajudarão em nossa tentativa de estabelecer a significação dos dois mil e trezentos dias de Daniel 8:14. Ocorrem no meio de uma profecia que trata de um poder que existiu por mais tempo do que qualquer outro sobre a terra. Sendo esse período parte de uma profecia, não há dúvida de que se trata do tempo profético. Neste caso, os dois mil e trezentos dias representam outros tantos anos, de acordo com a consagrada interpretação das profecias. “Um dia te dei por cada ano”. Ezeq. 4:6.
 

Se aceitarmos o ponto de vista de que a ponta pequena de Daniel 8 se refere a Roma imperial e à igreja católica romana, torna-se nosso dever descobrir qualquer relação possível entre ela e o santuário mencionado em Daniel 8:14. Consideremos agora esse assunto.
 

A igreja católica romana constitui uma tentativa de restabelecimento da velha teocracia de Israel, com o ritual do santuário que a acompanhava. A igreja católica adotou do judaísmo a parte principal do ritual, juntamente com alguns cerimoniais do paganismo. Possui um estabelecido ritual do santuário, com seus sacerdotes, sumo-sacerdotes, levitas, cantores e mestres. Possui um serviço de sacrifícios, culminando na missa, com o ritual que a acompanha e a oferta de incenso. Tem os seus dias de festas, segundo o molde de costume israelita. Tem os seus círios, seu altar do incenso, sua mesa com o pão e seu altar mor. Em evidencia está a pia com a água benta; observa-se a missa diária. É quase completo o paralelo entre a antiga religião israelita e a católica romana.
Tudo isso não seria muito importante, não fosse o fato de constituir uma tentativa de obscurecer a verdadeira obra de Cristo no santuário celestial.

Terminado o período do Velho Testamento, quando Cristo começou Sua obra no santuário celestial, era intento de Deus que os serviços do santuário na terra cessassem. Rasgou-se de alto a baixo o véu do templo – e posteriormente foi destruído o templo todo – significando a cessação do ritual na terra e a inauguração do serviço no céu. Cristo entrou num templo não feito por mãos. Entrou no próprio céu, para ali ministrar em nosso favor. Os homens são convidados a irem ter com Ele, levando-Lhe os seus pecados e recebendo perdão. O ritual do tabernáculo terrestre preparou os homens a olharem para o verdadeiro santuário no céu. Chegara o tempo para se fazer a transferência.
 

A igreja católica não compreende absolutamente nem aprecia a obra de nosso sumo-sacerdote, no céu. Não compreende que o ritual do santuário terrestre não deveria prevalecer. Restabeleceu as velhas cerimônias e crenças, tentando levar os homens à prática de um ritual caduco. E, em grande parte, teve êxito. “Toda a terra se maravilhou após a besta”. Apoc. 13:3.
 

Isso, como se disse, tendeu a obscurecer a obra de Cristo. Os homens perderam o conhecimento do santuário celestial e da obra de Cristo ali. Sua atenção foi chamada para a obra rival de Seu pretenso vigário na terra. Enquanto Cristo, no céu, perdoa os pecados, o sacerdote na terra alega fazer a mesma coisa. Enquanto Cristo intercede pelo pecador, o sacerdote faz o mesmo. E as condições impostas pelo sacerdote para receber-se o perdão dos pecados, são muito mais fáceis do que as de Cristo. Os homens se esqueceram por completo de que há um santuário no céu. Essa verdade foi lançada por terra. Transcorreram os séculos sucessivos, e a igreja conservou os homens em completa ignorância quanto a importantíssima obra que se processa no céu, ao mesmo tempo que exaltava o que ela tinha a oferecer, mercadejando com o que há de mais sagrado.
 

O papado tornou-se, assim, verdadeiramente um competidor, um rival de Cristo. Tentou expulsá-lo do espírito dos homens, no que teve êxito notável. É tarefa da igreja, designada por Deus, chamar a atenção para Cristo e a verdade. É o único instrumento que Deus tem para instruir os homens. Quando Cristo subiu ao alto para iniciar Seu ministério no santuário celestial,

Tornou-se dever e privilegio da igreja proclamar essas novas até aos confins do mundo. Daí por diante não mais haveria sacrifícios na terra. Isso cabia à velha dispensação. Cessara também o sacerdócio levítico. Rasgou-se o véu, abrindo-se ao homem novo e vivo caminho. Os homens tiveram livre acesso a Deus, podendo apresentar-se com ousadia ante o trono da graça, sem intercessor humano. Todo o povo de Deus se tornara sacerdote real, não devendo daí por diante homem algum colocar-se entre uma alma e seu Criador. Abriu-se a todos o acesso a Deus.
 

Que o papado se tornasse um rival, um competidor de Cristo, ano é mera figura de linguagem. Consideremos a situação. Cristo é nosso Sumo-Sacerdote. No calvário morreu, como Cordeiro de Deus. Derramou o sangue em nosso favor. Os sacrifícios mosaicos, durante séculos, tinham sido profecias disso. Viera agora a realidade, da qual aquilo foram sombras apenas. Como no Velho Testamento não bastava a morte do cordeiro, tendo de ser suplementada pelo ministério do sacerdote, que aspergia o sangue no altar ou no lugar santo, o mesmo se dava com a morte e o sangue de Cristo. Provido o sangue, tornou-Se Cristo “Ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem”. Heb. 8:2. Assim, “vindo Cristo, o Sumo-Sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por Seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção”. Heb. 9:11 e 12.
 

O Santuário aqui mencionado não se refere ao tabernáculo terrestre. “Por que Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus”. Heb. 9:24. Perante Deus, Cristo intercede e apresenta Seu sangue, que não santifica meramente para purificação da carne, como se dava com o sangue de bodes e bezerros antigamente, “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo? Heb. 9:14. Todo aquele que deseje purificar a consciência pode, pois, com “ousadia... entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou,

pelo véu, isto é, pela Sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa”. Heb. 10:19-22. No Velho Testamento ninguém, a não ser o sacerdote, podia entrar no santuário. Hoje todos o podem. E um “novo e vivo caminho que Ele nos consagrou”.
 

Esse bendito novo e vivo caminho é o privilegio e dever da igreja tornar conhecido. Cada qual pode ir diretamente a Cristo. Não é preciso, como no santuário na terra, intervir um sacerdote. Isto foi abolido. Todo homem pode apresentar-se diretamente ao seu Criador, sem intervenção humana. Pode com ousadia entrar no santuário.
 

O papado, porém, pensava e ensinava diversamente. Tentou estabelecer a crença do Velho Testamento, de que o homem só se pode aproximar de seu Criador mediante representantes especiais, tais como sacerdotes. Os homens foram afastados de Deus mais que nunca. A igreja fechou o novo e vivo caminho aberto por Cristo, e levou os homens a procurar aproximar-se de Deus mediante o sacerdócio, que tinha de apelar a algum santo padroeiro que tivesse influência junto de Maria, a qual, por sua vez, exercia influência junto de Cristo, e Este junto de Deus. O sistema todo era uma tentada reencarnação das ordenanças mosaicas que haviam sido definitivamente abolidas, e que se não podiam comparar com o novo e vivo caminho do Novo Testamento.
 

Qual foi o resultado? Os homens afluíram à igreja de Roma, olvidando o santuário celestial e seu Ministro. A igreja romana obscureceu eficazmente o ministério de Cristo, tanto que poucos cristãos têm a noção da existência de um templo no céu, a não falar do ritual que ali se processa. Dia a dia Cristo aguarda a oportunidade de apresentar Seu sangue, esperando que homens encontrem o novo caminho. Muito poucos, porém, o encontram. Por outro lado, milhões afluem para a igreja romana, para ali receber indulgências e perdão dos pecados, sob condições aceitáveis. O papado quase conseguiu tornar de nenhum efeito o ministério de Cristo. Inaugurou outro ministério, estabelecido, não nas promessas de evangelho, nem na base do novo concerto, tão pouco em Cristo como Sumo-Sacerdote, mas sim nas vãs promessas de um sacerdote terrestre que carece, ele mesmo, do perdão e do poder do sangue expiador de Cristo.
 

Dizendo que o papado tentou substituir a verdadeira obra mediatória de Cristo por um falso sistema de mediação, estamos bem cientes do fato de que a igreja católica romana crê no sacrifício de Cristo na cruz, que é Ele o advogado e intercessor do homem e que é por Ele que somos salvos. Sobre o caso, vêm a propósito as declarações seguintes:
 

“Coisa alguma existe da qual deve o fiel derivar maior gozo do que da reflexão de que Jesus Cristo Se constituiu nosso advogado e intercessor perante o Pai, junto a quem são supremos Sua influencia e autoridade”. “Certo, existe um só mediador, Cristo o Senhor, que, unicamente, nos reconciliou por Seu sangue (I Tim. 2:5), e que, tendo efetuado nossa redenção e entrado uma vez no santuário, não cessa de interceder por nós. Heb. 9:12; 7:25”. – Catechism of the Council of Trent, Pág. 59 e 247, tradução do Rev. J. Donovan, edição de 1829.
 

“Podemos apresentar-nos a Deus com toda a confiança, diz S. Arnoldo, pois que o Filho é nosso mediador junto do Pai eterno, e a mãe é nossa mediadora junto do Filho”. – Glories of Mary, de Afonso Liguori, doutor da igreja, pág. 224, edição revista.
 

É no que respeita ao ministrar do sangue, na relação que existe entre o homem e Cristo, que o papado procurou erigir um sistema falso. Aí foram interpostos santos, e especialmente Maria, entre a alma e Deus. Isto achamos uma gravíssima perversão da verdade, visto como interpõe pessoas estranhas à mediação como necessárias para nos aproximarmos de Deus, quando as Escrituras ensinam que “há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. I Tim. 2:5. A Bíblia não reconhece ninguém mais como mediador, e ensinar a igreja de outro modo é fazer de nenhum efeito a verdade de Deus.
 

Existem, pois, dois ministérios que prometem aos homens perdão e cancelamento dos pecados: o de Cristo, no céu, e o do papado, na terra. Cada qual tem um sacerdote e as cerimônias que o acompanham. Cada qual pretende pleno poder de perdoar. O papado se jacta de possuir as chaves do céu. Pode abrir e fechar. É senhor de um tesouro de méritos sem o qual bem poucos se podem salvar.

Está de posse da “hóstia”, o santo mistério de Deus. Possui um chefe infalível. Tem poder sobre o purgatório. Pode indultar do castigo. Pretende ter autoridade sobre os reis da terra. Não reconhece superior. É supremo.
 

Todas essas pretensões cairiam por terra, se tão somente os homens conhecessem o verdadeiro ministério de Cristo. O conhecimento da verdade quanto ao santuário, é o único antídoto aos falsos reclamos da hierarquia romana. Por esta razão é para o papado importante que a questão do santuário permaneça desconhecida. Por esta razão tornou Deus o Seu povo depositário de Sua verdade relativa ao santuário.
 

Não precisamos entrar em detalhes acerca dos problemas matemáticos dos dois mil e trezentos dias. Remetemos o leitor para O Conflito dos Séculos, por Ellen G. White, e outras obras denominacionais adventistas. Basta dizer que esses dias – ou antes, anos - começaram em 457 antes de Cristo e terminaram em 1844 depois de Cristo. Nesse ano deveria ser purificado o santuário.
 

É evidente que essa purificação não se pode referir ao santuário terrestre. Este há muito que foi destruído, suspendendo o ritual. Tem de referir-se, pois, ao santuário celestial, do qual se diz, com efeito, ser purificado “com sacrifícios melhores”do que os do Velho Testamento. Heb. 9:23.
 

Já estudamos em detalhes a questão da purificação do santuário da terra. Essa purificação era símbolo da purificação do santuário do céu. Como os sacerdotes ministravam no primeiro compartimento do tabernáculo cada dia do ano, até ao grande Dia da Expiação, assim também Cristo ministrou no primeiro compartimento do santuário celestial até ao tempo de sua purificação. Esse tempo foi 1844. Então Cristo passou para a fase final de Seu ministério. Entrou no Santíssimo. Começou então a hora do Juízo, também chamada juízo investigativo. Concluída esta obra, terminará o tempo de graça e Cristo voltará.
 

Desejamos ainda chamar a atenção para a palavra “purificado”, empregada em Daniel 8:14. Em hebraico é tsadaq, traduzindo-se “justificado”, isto é, tornar-se ou ser considerado justo. Alguns traduzem: “Então será o santuário justificado”. Outros: “Então será o santuário vindicado”. Outros, ainda: “Então o santuário receberá o reconhecimento que merece”.

A palavra encerra a idéia de restauração, assim como de purificação.
 

Estes significados da palavra são importantes, em vista do fato de ter sido o assunto do santuário espezinhado e a verdade lançada por terra. Virá jamais o tempo em que ao assunto do santuário se dê de novo seu legítimo lugar, quando Deus vindique sua verdade e sejam postos a descoberto o erro e as maquinações secretas? Sim, responde a profecia, o tempo virá; surgirá um poder maligno que há de perseguir o povo de Deus, obscurecer a questão do santuário, lançar por terra a verdade, e prosperar nessa obra. Estabelecerá seu próprio sistema, em competição com o de Deus, tentando mudar a lei, enganando a muitos por sua política astuciosa. Será, porém, desmascarado. No fim dos dois mil e trezentos dias surgirá um povo possuidor de luz acerca da questão do santuário, povo que seguirá a Cristo, pela fé, até ao santíssimo, e que terá a solução capaz de quebrar o poder do mistério da iniqüidade, saindo a batalhar pela verdade de Deus. Tal povo será invencível. Proclamará destemidamente a verdade. Fará a contribuição suprema em defesa da verdade do santuário. Edificará “os lugares antigamente assolados”; levantará “os fundamentos de geração em geração”; será chamado “reparador das roturas, e restaurador de veredas para morar”. Isa. 58:12.
 

O conflito final será bem definido. Todos compreenderão os riscos e as conseqüências. O ponto principal será a adoração da besta ou a adoração a Deus. Nesse conflito o templo de Deus se abrirá no céu, e os homens verão “a arca do Seu concerto... no Seu templo”. Apoc. 11:19. O povo de Deus na terra terá parte em mostrar aos homens o templo aberto. Por outro lado, a igreja apóstata abrirá a boca “em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do Seu nome, e do Seu tabernáculo, e dos que habitam no céu”. Apoc. 13:6.
 

É grande privilégio ser-nos permitido ter parte numa obra como esta. Mas, a querermos vencer, temos de saber onde nos achamos e porque. Conceda-nos Deus graça para que sejamos achados fiéis.



21.  A ÚLTIMA GERAÇÃO


A demonstração final do que o evangelho pode operar na humanidade e em favor dela, está ainda no futuro. Cristo apontou o caminho. Revestiu-Se do corpo humano e, nesse corpo, demonstrou o poder de Deus. Os homens devem seguir-Lhe o exemplo e provar que o que Deus fez em Cristo, pode efetuar em todo ser humano que a Ele se submete. O mundo está à espera dessa demonstração. Rom 8:19. Quando isso se realizar, virá o fim. Deus terá cumprido Seu plano. Ter-se-á mostrado verdadeiro, e Satanás, mentiroso. Será reivindicado Seu governo.
 

É hoje ensinada no mundo muita doutrina espúria a respeito da santidade. Acham-se, de um lado, os que negam o poder divino para salvar do pecado. Do outro, há os que ostentam sua santidade diante dos homens e querem fazer-nos crer que estão sem pecado. Contam-se, entre a primeira classe, não só descrentes e cépticos, mas também membros da igreja cuja visão não inclui vitória sobre o pecado, mas transigência com ele. Da outra classe fazem parte os que não tem conceito exato do pecado nem da santidade divina, e cuja visão espiritual se acha tão obscurecida que não podem ver suas próprias faltas, e daí se crêem perfeitos. Suas idéias acerca de religião são tais, que seu próprio entendimento da verdade e retidão é superior ao revelado na Palavra. Não é fácil decidir qual o erro maior.
 

Que a Bíblia inculca a santidade é incontestável. “O mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”. I Tess. 5:23. “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”. Heb. 12:14. “Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação”. I Tess. 4:3. O Termo grego hagios, em suas várias formas, é traduzido “santificar”, “santo”, “santidade”, “santificado”, “santificação”. Emprega-se o mesmo vocábulo para ambos os compartimentos do santuário, e significa aquilo que é posto à parte para Deus.

A pessoa santificada é a que é posta à parte para Deus, e cuja vida toda está a Ele dedicada.
 

O plano da salvação tem de incluir necessariamente não só o perdão do pecado, mas também restauração completa. Salvação do pecado é mais do que perdão do pecado. Perdão pressupõe pecado e é concedido sob condição de o abandonarmos; santificação indica libertação de seu poder e vitória sobre ele. O primeiro é um meio de neutralizar o efeito do pecado; a segunda é restauração do poder para alcançar a vitória completa.
 

O pecado, como algumas moléstias, deixa o homem em estão deplorável – abatido, desanimado, desalento. Tem pouco controle sobre a mente, falta-lhe força de vontade e, com as melhores intenções, não pode fazer o que é correto. Julga não haver esperança. Sabe que a si mesmo cabe a culpa, e o remorso enche-lhe a alma. Aos males físicos, junta-se a tortura da consciência. Sabe que pecou e que é culpado. Não se compadecerá alguém dele?
 

Chega-lhe então o evangelho. Pregam-lhe as boas novas. Embora seus pecados sejam como escarlata, tornar-se-ão brancos como a neve; conquanto vermelhos como carmesim, serão como branca lã. Tudo está perdoado. Ele está “salvo”. Que maravilhoso livramento, esse! Seu espírito está em paz. Não mais o atormenta a consciência. Foi perdoado. Seus pecados foram lançados no fundo do mar. Transborda-lhe o coração de louvor a Deus, por Sua misericórdia e bondade para com ele.
 

Assim como um navio avariado, rebocado ao porto, se acha a salvo mas não são, assim também o homem está “salvo” mas não são. É preciso reparar o navio antes de se poder declará-lo em condições de navegar, e o homem necessita reconstrução antes de estar plenamente restaurado. A esse processo da restauração se chama santificação, e inclui o corpo, a alma e o espírito. Concluída a obra, o homem é “santo”, está completamente santificado e restaurado à imagem divina. Essa demonstração do que o evangelho pode fazer em favor do ser humano, é o que o mundo aguarda.
 

Na Bíblia, tanto o processo como a obra terminada são denominados santificação. Por esse motivo são os “irmãos” chamados santos e santificação. Por esse motivo são os “irmãos” chamados santos e santificados, embora não tenham alcançado a perfeição. (I Cor. 1:2; II Cor. 1:1; Heb. 3:1). Quem lê as epístolas aos Coríntios, logo se convence de que os santos mencionados tinham suas faltas.

Apesar disso, diz-se que são “santificados”e “chamados santos”. O motivo está em que a santificação completa não é obra de um dia ou de um ano, mas da vida toda. Inicia-se no momento em que a pessoa se converte e continua a vida inteira. Cada vitória apressa o processo. Poucos cristãos há em que obtiveram a vitória sobre algum pecado que antes muito os molestavam e os vencia. Mais de um homem que era escravo do fumo alcançou a vitória sobre o vício e nela se regozija. O fumo deixou de ser uma tentação. Já não mais o atrai. Obteve a vitória. Nesse ponto está santificado. Assim como se tornou vitorioso sobre uma tentação, pode chegar a sê-lo sobre todo pecado. Terminada a obra e alcançado o triunfo sobre o orgulho, a ambição, o amor ao mundo e todo o mal, estará pronto para a trasladação. Terá sido provado em todos os pontos. O maligno terá vindo e nada terá achado. Estará irrepreensível mesmo perante o trono de Deus. Cristo porá sobre ele Seu selo. Estará salvo e são. Deus terá terminado nele Sua obra. Estará completa a demonstração do que Ele pode fazer com a humanidade.
 

Assim sucederá com a última geração que vive sobre a terra. Por meio dela, Deus efetuará a demonstração final do que pode fazer com a humanidade. Tomará os mais fracos dos fracos, os que levam todos os pecados de seus antepassados e neles revelará Seu poder. Estarão sujeitos a toda tentação, mas não cederão. Provarão que é possível viver sem pecar – demonstração que o mundo tem aguardado e para a qual Deus tem estado a fazer preparativos. Será evidente a todos que o evangelho pode com efeito salvar plenamente. Deus será achado verdadeiro em Suas palavras.
 

O último ano trará a prova final; mas esta tão somente demonstrará aos anjos e ao mundo que nada do que o maligno faça abalará os escolhidos de Deus. Cairão as pragas, ver-se-á destruição por todos os lados, os remidos enfrentarão a morte, mas, como Jô, manter-se-ão firmes em sua integridade. Nada os pode fazer pecar. Guardarão “os mandamentos de Deus e a fé de Jesus”. Apocalipse 14:12.
 

Através de toda a história do mundo, Deus tem tido Seus fiéis. Têm suportado aflições mesmo em meio de grande tribulação. E mesmo em meio aos ataques de Satanás, como diz o apóstolo Paulo, conseguiram praticar “justiça”.

Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada: andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos e montes, pelas covas e cavernas da terra”. Heb. 11:37 e 38.
 

E além dessa lista de testemunhas fiéis, muitas das quais foram martirizadas por sua fé, Deus terá nos últimos dias um remanescente, um “pequeno rebanho”, por assim dizer, no qual e por meio do qual dará ao universo provas de Seu amor, poder e justiça que, com exceção da vida piedosa de Cristo na terra e Seu supremo sacrifício no Calvário, serão a demonstração mais vasta e concludente de todas as épocas.
 

Na última geração que viver na terra, ficará plenamente revelado o poder divino para a santificação. A manifestação desse poder é a reivindicação de Deus. Eliminará qualquer acusação que Satanás tenha apresentado contra Ele. Na última geração o Senhor será reivindicado, e Satanás derrotado. Talvez seja necessário ampliar isto um pouco mais.
A rebelião que se verificou no céu e introduziu o pecado no universo de Deus, deve ter sido terrível tanto para Ele como para os anjos. Até certo momento, tudo fora paz e harmonia. Desconhecia-se a discórdia: prevalecia apenas o amor. Depois ambições profanas possuíam o coração de Lúcifer. Resolveu ser igual ao Altíssimo. Elevaria seu trono acima das estrelas de Deus. Além disso, propunha-se sentar-se “no monte da congregação”, “da banda dos lados do norte”. (Isa. 14:12-14). Essa asserção equivale a intentar depor a Deus e ocupar Seu lugar. É uma declaração de guerra. Onde Deus Se sentava, Satanás queria sentar-se. Deus aceitou o repto.
 

Não temos explicação bíblica, direta, quanto aos meios empregados por Satanás para aliciar ao seu lado uma multidão de anjos. É muito claro que mentiu. Também é incontestável que desde o princípio foi homicida. (João 8:44). Como o homicídio tem seu começo no ódio e como esse ódio culminou na morte do Filho de Deus no Calvário, podemos crer que a ira de Satanás não se dirigia apenas contra Deus o Pai, mas também, e mais especialmente contra Deus o Filho. Em sua rebelião. Satanás foi mais longe que uma simples ameaça. Exaltou realmente seu trono, dizendo: “Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento”. Ezeq. 28:2.
 

Quando Satanás assim estabeleceu seu governo no céu, a questão ficou bem definida.

Nenhum dos anjos já podia estar em dúvida. Todos deviam decidir-se a favor de Satanás ou contra ele. Em caso de rebelião há sempre algum agravo, real ou imaginário, que se apresenta como pretexto. Surge em alguns o descontentamento, e ao não conseguirem remediar o mal, recorrem à rebelião. Os que simpatizam com a causa rebelde a ela se unem, os demais permanecem leais ao governo e naturalmente correm o risco de perecer.
Ao que parece, chegou-se no céu a essa situação. O resultado foi a guerra. “Houve batalha no céu: Miguel e os Seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e os seus anjos”. (Apoc. 12:7). Poder-se-iam ter previsto as conseqüências. Satanás e seus anjos “não prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. vs. 8 e 9.
 

Satanás foi derrotado, mas não destruído. Por seu ato de rebelião, declarara que o governo de Deus tinha faltas. Pelo estabelecimento de seu próprio trono pretendera possuir maior sabedoria ou justiça que Deus. Essas pretensões são inerentes à rebelião e ao estabelecimento de outro governo. Dificilmente podia Deus dar a Satanás a oportunidade de demonstrar suas teorias. Para tirar toda dúvida da mente dos anjos, e mais tarde do homem, Deus devia deixar que Satanás prosseguisse em sua obra. Permitiu-lhe, pois, viver e estabelecer seu governo. Durante os últimos seis mil anos, te estado demonstrando ao universo o que fará quando se lhe oferecer ensejo.
 

Permitiu-se que essa demonstração continuasse até agora. E o que tem sido ela! Desde que Caim matou a Abel, tem havido ódio, derramamento de sangue, crueldade e opressão na terra. Têm-se espezinhado a virtude, a bondade e a justiça; o vício, a vileza e a corrupção têm triunfado. O justo tem sido presa do mau; os mensageiros de Deus, torturados e mortos: a lei divina calçada no pó. Quando Deus enviou Seu Filho, em vez de honrá-Lo, os homens perversos, sob a instigação de Satanás, O penduraram no madeiro. Mesmo então não destruiu Deus a Satanás. A demonstração devia ser completa. “Unicamente quando se realizarem os últimos acontecimentos, e os homens estiverem a ponto de exterminar-se uns aos outros, Ele intervirá para salvar os Seus. Então não estará dúvida no espírito de ninguém de que, se Satanás houvesse assumido o poder, teria destruído todo vestígio de bondade, arrojado a Deus do trono, dado a morte a Seu Filho, estabelecendo um reino de violência, fundado no egoísmo e na cruel ambição.
 

O que Satanás tem estado patenteando é realmente seu caráter, e a que ponto pode levar a ambição egoísta. A princípio quis ser como Deus. Não estava satisfeito com sua posição como o mais elevado dos seres criados. Queria ser Deus. E as provas têm revelado que, quando uma pessoa fixa um alvo egoísta, não se deterá ante obstáculo algum para alcançá-lo. Quem quer que se lhe oponha, terá de ser tirado do caminho. Embora seja o próprio Deus, deverá ser eliminado.
 

A demonstração ensina também que a alta posição não é satisfatória para o indivíduo ambicioso. Precisa alcançar a mais elevada, e ainda assim não se contenta. A pessoa de posição humilde sente-se tentada a crer que estaria satisfeita se sua situação melhorasse. Está pelo menos segura de que ficaria contente se alcançasse a mais alta posição possível. Mas ficaria de fato? Lúcifer não ficou. Ele ocupava a mais alta posição possível. Mas isso não lhe agradou. Queria outra mais elevada ainda. Desejava ser o próprio Deus.
 

A esse respeito é muito frisante o contraste entre Cristo e Satanás. Este queria ser Deus. E desejava-o tanto que estava disposto a fazer qualquer coisa para alcançar seu alvo. Cristo, por outro lado, não considerou o ser igual a Deus coisa que devesse reter. Humilhou-se voluntariamente e foi obediente até à morte, e morte de cruz. Era Deus e fez-Se homem. E que isso não era uma condescendência temporária, tão só com o intuito de mostrar Sua boa vontade, se evidencia pelo fato de que continuará para sempre como Homem. Satanás se exaltou a si mesmo: Cristo Se Humilhou. Satanás quis ser Deus; Cristo Se fez homem. Satanás quis sentar-se como Deus sobre um trono; Cristo, como servo, Se humilhou a lavar os pés aos discípulos. O contraste é completo.
 

No céu, Lúcifer fora um dos querubins cobridores. (Ezeq. 28:14). Isso parece referir-se aos dois anjos que, no lugar santíssimo do santuário, estavam sobre a arca, cobrindo o propiciatório. Esse era indubitavelmente o cargo mais alto que um anjo podia ocupar, porque a arca e o propiciatório estavam na presença imediata de Deus. Esses anjos eram os guardas especiais da lei. Velavam sobre ela, por assim dizer. Lúcifer era um deles.
 

Em Ezequiel 28:12 há interessante asserção acerca de Lúcifer: “Tu eras o selo da simetria e a perfeição da formosura”. (Trad.Brás.) A expressão para a qual queremos chamar a atenção é: “Tu eras o selo da simetria”. O significado disso não é muito claro. Pode-se interpretar a tradução de várias maneiras. Parece evidente, no entanto, que se propõe demonstrar a alta posição e o exaltado privilégio que tinha Satanás, antes de cair. Era uma espécie de primeiro ministro, guarda do selo.
 

Como num governo terrestre um documento ou uma lei deve ter o selo para ser válido, assim também no de Deus se usa um selo. Parece ter Ele dado aos anjos sua obra, assim como a designou ao homem. Um anjo está encarregado do fogo. (Apoc. 14:18) Outro tem domínio sobre as águas. (Apoc. 16:5) Outro tem a seu cargo “o selo do Deus vivo”. (Apoc. 7:2) Embora, como já dissemos, não seja muito clara a expressão de Ezequiel 28:12, alguns se sentem justificados por traduzi-la assim: “Tu aplicavas o selo ao mandamento”. Se isso é sustentável, e Lúcifer era o primeiro ministro e guarda do selo, eis aí mais um motivo por que desejou colocar sua própria marca em lugar do selo de Deus, quando abandonou sua primeira morada.
 

Que Satanás tem estado muito ativo contra a lei, é evidente. Se a lei de Deus é o reflexo de Seu caráter, e se esse caráter é o oposto do de Satanás, este é por ela condenado. Cristo e a lei são um. Ele é a lei vivida, a lei feita carne. Por esse motivo Sua vida constitui uma condenação. Quando Satanás fez guerra a Cristo, combateu também a lei. Ao odiar a lei, aborreceu a Cristo. Cristo e a lei são inseparáveis.
 

No Salmo 40, encontra-se interessante declaração. Disse Jesus: “Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; sim, a Tua lei está dentro do Meu coração”. Embora seja indubitavelmente uma expressão poética e não se deva levá-la demasiado longe, é interessante, no entanto, como indício da posição exaltada da lei. “” A Tua lei está dentro do Meu coração”. Apunhalar a lei é apunhalar o coração de Cristo. Apunhalar o coração de Cristo é apunhalar a lei.

Na cruz Satanás o intentou. Mas Deus queria que fosse de outra maneira. A morte de Cristo era um tributo à lei. Engrandecia-a sobremaneira e a tornava gloriosa. Deu aos homens nova visão de seu caráter sagrado e de seu valor. Se Deus permitia que Seu Filho morresse; se Cristo Se entregava voluntariamente, de preferência a ab-rogar a lei; se é mais fácil passarem o céu e a terra que cair um jota ou um til da lei, quão sagrada e digna de honra deve ser!
 

Ao morrer Cristo na cruz, demonstrara em Sua vida a possibilidade de guardar a lei. Satanás não conseguira induzi-Lo a pecar. Possivelmente não acreditava poder fazê-lo. Mas se tivesse podido levar Jesus a empregar Seu poder divino para salvar-Se, teria alcançado muito. Se Ele o houvesse feito, Satanás poderia ter sustentado que isso invalidava a demonstração que Deus Se propunha efetuar, a saber, de que o homem é possível guardar a lei. Da maneira em que sucedeu, Satanás foi derrotado. Mas até ao fim prosseguiu na mesma tática. Judas esperava que Cristo Se livrasse, usando assim Seu poder divino para salvar-Se. Na cruz, tentaram assim a Cristo: “Salvou os outros, e a Si mesmo não pode salvar-Se”. Mas Ele não vacilou. Teria podido salvar-Se, mas não o fez. Satanás foi derrotado. Não podia compreender isso. Mas sabia que, ao morrer Cristo sem que se houvesse podido fazê-Lo pecar, estava selada sua própria condenação. Ao morrer, Cristo triunfou.
 

Satanás, porém, não renunciou à luta. Fracassara no conflito com Cristo, mas podia ainda ter êxito com os homens. Foi assim “fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo”. (Apoc. 12:17) Se pudesse vencê-los, talvez não ficasse derrotado.
 

A demonstração que Deus Se propõe efetuar com a última geração na terra significa muito, tanto para o povo como para Ele. Pode-se observar realmente a lei divina? Essa é uma questão vital. Muitos negam que se possa cumpri-la; outros dizem voluvelmente que se pode fazê-lo. Ao considerar-se toda a questão da observância dos mandamentos, o problema assume grandes proporções. A lei divina é excessivamente ampla; abrange os pensamentos e intentos do coração. Julga tanto os motivos como os atos, os pensamentos como as palavras.

A guarda dos mandamentos significa completa santificação, vida santa, inquebrantável fidelidade à retidão, afastamento completo do pecado e vitória sobre ele. Bem pode exclamar o mortal: Para essas coisas quem é idôneo!
No entanto, é essa a tarefa a que Deus Se propôs e que espera realizar. Ao lançar Satanás o repto, afirmando: “Ninguém pode guardar a lei. É impossível. Se existe alguém que possa fazê-lo ou que o haja feito, mostra-mo. Onde estão os que guardam os mandamentos?” Deus responderá calmamente: “Aqui está a paciência dos santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus”. (Apoc. 14:12)
 

Digamo-lo reverentemente: Deus deve aceitar o repto de Satanás. Não é Seu plano, nem parte de Seu desígnio, submeter os homens a provas em que unicamente possam sobreviver uns poucos escolhidos. No Jardim do Éden, não podia Ele idear prova mais fácil do que a que planejou. Ninguém terá jamais motivo de dizer que nossos primeiros pais caíram, porque a prova era demasiada difícil para eles. Era a mais leve que se podia imaginar. Se caíram, não foi porque não se lhes houvesse concedido poder para resistir. A tentação não estava constantemente diante deles. Não se permitia a Satanás molestá-los em toda parte. Podia ter acesso a eles apenas num lugar, a saber, na árvore da ciência do bem e do mal. Eles conheciam esse lugar. Podiam manter-se afastados dele, se o quisessem. Satanás não podia segui-los. Se iam aonde ele estava, era porque queriam. Mas mesmo quando fossem examinar a árvore, não precisavam permanecer ali. Podiam afastar-se. Mesmo que Satanás lhes oferecesse o fruto, não necessitavam tomá-lo. Mas tomaram-no e o comeram. E o comeram porque desejaram, não porque fossem obrigados. Transgrediram deliberadamente. Não havia excusa. Deus não podia ter ideado prova mais fácil.
 

Ao ordenar Deus aos homens que guardem Sua lei, não cumpre o propósito de Sua vontade o ter tão somente uns poucos que a observem precisamente os suficientes para demonstrar que se pode fazê-lo. Não está de acordo com Seu caráter escolher homens preeminentes, de propósitos firmes e magnífico preparo, demonstrando por eles o que pode realizar. Está muito mais em harmonia com Seu plano tornar Seus reclamos tais que mesmo os mais fracos não precisem fracassar, de maneira que ninguém possa dizer que Deus pede o que apenas uns poucos podem fazer.

Por esse motivo, reservou Ele Sua maior demonstração para a última geração. Esta sofre as conseqüências de pecados acumulados. Se existem fracos, são os membros desta geração. Se há que sofre tendências herdadas, são eles. Se alguns têm excusa por qualquer fraqueza, são eles. Se, portanto, podem guardar os mandamentos, ninguém de nenhuma outra geração tem desculpa por não o haver feito.
 

Mas isso não basta. Deus Se propõe revelar em Sua demonstração, não só o que os homens comuns da última geração podem suportar com êxito uma prova como a que deu a Adão e Eva, mas que subsistirão a outra muito mais difícil do que a que toca em sorte aos homens comuns. Será comparável à que Jô suportou, assemelhar-se-á à que o Mestre sofreu. Prova-los-á até ao máximo.
 

“Ouvistes qual foi a paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso”. (Tiago 5:11) Jó passou por algumas provações que se repetirão na vida dos escolhidos da última geração. Talvez seja bom considerá-las.
 

Jó era homem bom. Deus confiava nele. Dia a dia oferecia sacrifícios por seus filhos. “Porventura pecaram meus filhos”, dizia (Jó 1:5) Era próspero e desfrutava as bênçãos divinas.
 

Então “um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles”. (vs. 6) Acha-se registrada uma conversação que houve entre Jeová e Satanás, acerca de Jó. O Senhor disse que Jó era bom, o que Satanás não nega, mas insiste em que Jó teme a Deus simplesmente porque o beneficia. Declara que, se o privasse de Suas misericórdias, Jó O amaldiçoaria. Faz essa declaração em forma de repto, e Deus o aceita. Dá a Satanás permissão para tirar as propriedades de Jó e afligi-lo de outras maneiras, mas sem tocar nele.
 

Satanás sai imediatamente a fazer o que se lhe permitiu. Desaparecem as riquezas de Jó, e seus filhos morrem. Ao suceder isso, “Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou, e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.

Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma”. (Jó 1:20-22)
 

Satanás foi derrotado, mas faz outra tentativa. Na próxima vez em que se encontra com o Senhor, sem reconhecer sua derrota, alega não se lhe ter permitido tocar em Jó mesmo. Se isso lhe tivesse sido concedido, afirma, Jó teria pecado. A asserção é de novo um repto, e Deus o aceita. Dá-lhe licença de atormentar a Jó, mas sem tirar-lhe a vida. Imediatamente parte Satanás a cumprir sua missa.
 

Tudo o que o maligno pode fazer, faz a Jó. Mas este permanece firme. A esposa lhe aconselha que renuncie a sua fidelidade, mas ele não vacila. Sob intensa dor física e angústia mental, mantém-se fiel. Novamente se diz que suportou a prova. “Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios”. (Jó 2:10) Satanás é derrotado e não mais aparece no livro.
 

Nos capítulos seguintes do livro de Jô, é-nos dado um pequeno vislumbre da luta que se trava em seu espírito. Está muito perplexo. Por que lhe sobreveio toda essa calamidade? Não tem conhecimento de nenhum pecado. Portanto, por que o aflige Deus? Sem dúvida nada sabe do repto de Satanás. Não sabe também que Deus nele confia na crise por que está passando. Tudo que sabe é que de um céu sereno lhe sobrevieram calamidades até que ficou sem família, sem riquezas, e com asquerosa moléstia que quase o consome. Não o entende, mas conserva sua integridade e fé em Deus. O Senhor sabia que faria isso. Mas Satanás dissera que não o faria. No repto, Deus triunfou.
 

Humanamente falando, Jó não merecera o castigo que sobre ele caíra. Deus mesmo disse que era sem causa. “Havendo-Me tu incitado contra ele, para o consumir se causa”. (Jó 2:3) Portanto, toda a experiência se justifica unicamente quando se considera como prova específica, ideada com propósito específico. Deus queria fazer silenciar a acusação de Satanás, de que Jó O servia unicamente para proveito próprio. Queria provar que havia pelo menos um homem a quem Satanás não podia dominar. Jó sofreu em resultado disso, mas parecia não haver meio de escape. Mais tarde lhe foi isso recompensado.
 

O caso de Jó foi registrado com um propósito. Além de sua historicidade, cremos que tem ainda significado mais amplo.

Os filhos de Deus que viveram nos últimos dias, passarão por experiências idênticas à de Jó. Serão provados como ele o foi; serão privados de todo apoio humano; satanás terá permissão de atormentá-los. Além disso, o Espírito de Deus se retirará da terra, e será eliminada a proteção dos governos terrestres. O povo de Deus ficará só para combater contra as potestades das trevas. Estará perplexo como Jó. Mas, como ele, se manterá firme em sua integridade.
 

Na última geração, Deus será reivindicado. No remanescente encontrará Satanás sua derrota. A acusação de que não se pode observar a lei, será refutada. Deus providenciará não só uma ou duas pessoas que observem Seus mandamentos, mas todo um grupo, denominado o dos 144.000. Refletirão plenamente a imagem divina. Desmentirão a acusação de Satanás contra o governo do céu.
 

Situação grave ocasionaram no céu as acusações contra Deus lançadas por Satanás. Constituíam, realmente, uma imputação de incapacidade de governar o céu. Muitos dos anjos creram nelas. Colocaram-se ao lado do acusador. A terça parte dos anjos, que devem ter sido milhões, considerou a Deus justamente como o fazia seu chefe, o mais elevado dentre eles, Lúcifer. Não foi pequena a crise. Ameaçava a própria existência do governo divino. Como devia Deus tratá-la?
 

A única maneira de resolver satisfatoriamente o assunto, para que nunca mais surgisse uma dúvida, consistia em que Deus submetesse o caso às regras comuns da evidência. Era ou não justo Seu governo? Afirmava Ele que sim; Satanás dizia que não. O Senhor podia ter destruído a Satanás. Isso, porém, não teria sido um argumento, ou melhor, seria uma prova contra Deus. Não havia outra maneira senão a de apresentarem os partidos suas evidências, seus testemunhos, e deixarem pesar seu caso pelas provas aduzidas.
 

Temos, pois, uma cena de julgamento. Está em jogo o governo divino. Satanás é o acusador; Deus mesmo é o acusado e está em julgamento. Foi acusado de injustiça, de exigir que Suas criaturas façam o que não lhes é possível, e de castigá-las, no entanto, por não o fazerem. A lei é o ponto específico de ataque; sendo, porém, simplesmente um transunto do caráter divino, são Deus e Seu caráter os que estão na cena do julgamento.

A fim de que Deus prove Sua asserção, é necessário demonstrar que não foi arbitrário em seus reclamos, que a lei não é dura nem cruel em suas exigências, mas, pelo contrário, é santa, justa e boa, e que os homens podem guardá-la. Todo o necessário é que Deus apresente um homem que tenha guardado a lei, e Sua causa está ganha. Na ausência de tal caso, Deus perde e Satanás ganha. O resultado depende, portanto, de um ou mais seres que guardem os mandamentos divinos. Nisso pôs Deus em jogo Seu governo.
 

Embora seja verdade que, de quando em quando, muitos têm dedicado a vida a Deus e vivido sem pecado em certos períodos de tempo, Satanás afirma serem esses casos especiais, como era o caso de Jó, e não estarem sob as regras comuns. Exige um caso bem definido em que não possa haver dúvida e em que Deus não tenha intervindo. Pode-se apresentar um exemplo assim?
 

Deus está pronto para o repto. Esteve aguardando Seu tempo. O Filho de Deus, em Sua própria pessoa, enfrentou as acusações de Satanás e demonstrou que eram falsas. A manifestação suprema foi reservada para a contenda final. Da última geração Deus elegerá Seus escolhidos. Não aos fortes ou poderosos, não aos que gozam honras e riquezas, não aos sábios e elevados, mas tão só a pessoas comuns escolherá Deus e, por seu intermédio, fará Sua demonstração. Satanás asseverou que os que, no passado, serviram a Deus, o fizeram por motivos mercenários, que Deus os protegeu e que ele, Satanás, não teve livre acesso a eles. Se lhe tivessem concedido plena permissão para apresentar sua causa, eles também teriam sido ganhos para ela. Mas Deus teve medo de permitir-lhe que o fizesse, alega Satanás. Dêem-me oportunidade justa, diz ele, e eu vencerei.
 

E, assim, para fazer silenciar para sempre as acusações de Satanás; para tornar claro que Seu povo o serve por motivos de lealdade e eqüidade sem considerar recompensa; para defender Seu próprio nome e caráter das acusações de injustiça e arbitrariedade; para demonstrar aos anjos e aos homens que Sua lei pode ser observada pelos homens mais débeis, nas circunstâncias mais desalentadoras e difíceis – Deus permite a Satanás que prove Seu povo até ao máximo. Serão ameaçados, torturados, perseguidos. Estarão face a face com a morte, quando for promulgado o decreto de adorar a besta e a sua imagem. (Apoc. 13:15) Mas não cederão. Estarão dispostos a morrer de preferência a pecar.


Deus retira Seu Espírito da terra. Satanás terá maior medida de domínio que nunca dantes. É certo que não poderá matar o povo de Deus, mas esta será quase a única limitação. Fará tudo que lhe for permitido. Sabe quanto está em jogo. É agora ou nunca.
 

Deus faz mais uma coisa. Aparentemente Se oculta. Fecha-se o santuário celestial. Os santos clamam a Deus dia e noite por sua libertação, mas Ele parece não ouvir. Seus escolhidos estão passando pelo Getsêmane. Provam um pouco do que experimentou Cristo, durante aquelas três horas na cruz. Aparentemente devem ferir sozinhos a batalha. Devem viver sem intercessor à vista de um Deus santo. Mas embora Cristo tenha terminado Sua intercessão, de maneira que ninguém mais possa alcançar o perdão dos pecados, os santos são o objetivo do amor e do cuidado divinos. Santos anjos velam sobre eles. Deus lhes provê refúgio de seus inimigos; concede-lhes alimento; livra-os da destruição e proporciona-lhes graça e poder para viver santamente. (Ver o Salmo 91) No entanto, estão ainda no mundo, tentados, aflitos e atormentados.
 

Resistirão à prova? Aos olhos humanos parece impossível. Se tão somente Deus viesse em seu auxílio, tudo iria bem. Estão resolvidos a resistir ao maligno. Podem morrer, se necessário; mas não precisam pecar. Satanás não tem poder nem jamais o teve para fazer homem algum pecar. Pode tentá-lo, destruí-lo, ameaçá-lo; mas não pode forçá-lo a transgredir. E agora Deus prova pelos mais fracos dentre os fracos que não há excusa, nem houve jamais, para o pecado. Se os da última geração podem repelir com êxito o ataque de Satanás; se podem fazê-lo tendo contra si todas as desvantagens e fechado o santuário, que desculpa há para que os homens tenham alguma vez pecado?
 

Na última geração, Deus prova, afinal, que os homens podem observar a lei divina e viver sem transgredir. Deus nada deixa por fazer, a fim de completar a demonstração. A única limitação que impõe a Satanás é que não pode matar os santos de Deus. Pode tentá-los, persegui-los e ameaçá-los; e ele faz quanto lhe é permitido. Mas fracassa. Não lhe é possível levá-los a pecar. Resistem à prova, e Deus põe Seu selo sobre eles.

Mediante a última geração de santos, Deus é finalmente reivindicado. Por meio deles derrota a Satanás e ganha o pleito. Formam eles uma parte vital do plano divino. Passam por lutas terríveis; combatem contra as potestades invisíveis nos lugares celestiais. Mas puseram sal confiança no Altíssimo, e não serão confundidos. Passaram fome e sede, mas chegará o tempo em que “nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima”. (Apoc. 7:16 e 17).
 

“Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vai”. (Apoc. 14:4) Ao abrirem-se, afinal, as portas do templo, ouvir-se-á uma voz que dirá: “Somente os 144.000 entram neste lugar”. – Vida e Ensinos, pág. 65. Pela fé terão seguido o Cordeiro até ali. Penetraram no lugar santo e com Ele foram até ao santíssimo. E, na eternidade, só os que O seguiram aqui é que O acompanharão ali. Serão reis e sacerdotes. Segui-Lo-ão até ao santíssimo, onde unicamente pode entrar o Sumo-Sacerdote. Estarão na presença imediata de Deus. Segui-Lo-ão “para onde quer que vai”. Não só estarão “diante do trono de Deus”, e O servirão “de dia e de noite no Seu templo”, mas também se assentarão “comigo no Meu trono; assim como Eu venci e Me assentei com Meu Pai no Seu trono”. (Apoc. 7:15; 3:21)
 

O assunto de maior relevância no universo não é a salvação dos homens, por importante que pareça. O essencial é que o nome de Deus seja defendido das falsas acusações feitas por Satanás. O conflito se aproxima do fim. Deus está preparando Seu povo para o último grande embate. Satanás também se está preparando. A crise nos espera e decidir-se-á na vida do povo de Deus. Este em nós confia como confiou em Jó. Está bem colocada Sua confiança?
 

É admirável o privilégio que nos é concedido de, como povo, justificar o nome de Deus por nosso testemunho. É maravilhoso que se nos permita testificar em favor dEle. Nunca se deve olvidar, no entanto, que esse testemunho é o da vida, não simplesmente das palavras. “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens”. (João 1:4) ”A vida era a Luz”.

Assim foi no caso de Cristo, e deve ser em nosso caso. Nossa vida deve ser uma luz como o era Sua. Transmitir luz ao povo é mais que entregar-lhe um folheto. Nossa vida é a luz. Ao vivermos, transmitimos luz aos outros. Sem vida, sem viver a luz, nossas palavras ficam isoladas. Mas quando nossa vida se torna a luz, nossas palavras são eficazes. É nossa vida que deve testificar em favor de Deus.
 

Oxalá a igreja aprecie o excelso privilégio que lhe é concedido! “Vós sois as Minhas testemunhas, diz o Senhor”. (Isa. 43:10) Não deve haver “deus estranho... entre vós, pois vós sois as Minhas testemunhas, diz o Senhor; Eu sou Deus!” (Vs. 12) Oxalá sejamos deveras testemunhas, e testifiquemos do que Deus fez por nós!
 

Tudo isso está intimamente relacionado com a obra do Dia da Expiação. Naquele dia, os filhos de Israel, tendo confessado os pecados, ficavam completamente purificados. Haviam sido perdoados, e agora o pecado era separado deles. Tornavam-se santos e irrepreensíveis. Ficava purificado o acampamento de Israel.
 

Vivemos agora no grande dia real da purificação do santuário. Todo pecado deve ser confessado e, pela fé, ser apresentado a juízo antecipadamente. Ao passo que o Sumo-Sacerdote entra no santíssimo, o povo de Deus deve agora achar-se face a face com Ele. Deve saber que toda transgressão foi confessada e que não resta mancha alguma de pecado. A purificação do santuário celestial depende da do povo de Deus na terra. Quão importante é, pois, que Seus servos sejam santos e irrepreensíveis! Neles deve ser consumido todo pecado, a fim de poderem subsistir à vista de um Deus santo e sobreviver, apesar do fogo consumidor. “Ouvi, vós os que estais longe, o que tenho feito: e vós que estais vizinhos, conhecei o Meu poder. Os pecadores de Sião se assombraram, o tremor surpreendeu os hipócritas. Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas? O que anda em justiça, e o que fala com retidão; o que arremessa para longe de si o ganho de opressões; o que sacode das suas mãos todo o presente; o que tapa os seus ouvidos para não ouvir falar de sangue, e fecha os seus olhos para não ver o mal. Este habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas águas serão certas”. (Isa. 33:13-16)

 

22.  O JUÍZO


HÁ UMA tendência crescente de não crer na ressurreição corporal. Os partidários da alta crítica há muito que rejeitaram esta idéia, e muitos cristãos do tipo mais conservador se inclinam a fazer o mesmo. Não podem ver necessidade alguma da ressurreição do corpo, se a existência é completamente espiritual.
 

Pela mesma razão consideram desnecessário um juízo futuro. Se a alma está já desfrutando a felicidade de uma existência etérea, ou se experimentando as torturas dos réprobos, parecerá absurdo interpor um juízo. Este deve haver-se realizado antes que haja sido decidido o estado futuro, e não depois. A crença na bem-aventurança ou condenação imediata, após a morte, torna um juízo futuro, no fim do mundo, não somente desnecessário, mas inconseqüente.
 

A Bíblia é muito clara em suas declarações acerca destes temas. Há uma ressurreição corporal. Há um juízo. As Escrituras ensinam ambas essas coisas. Como aqui nos preocupa principalmente o juízo, a ele dedicaremos agora nosso estudo, observando tão somente de passagem que parece muito mais satisfatório crer que a existência dos salvos ficará amoldada ao plano original do Jardim do Éden, onde Adão e Eva desfrutavam a existência de um plano não muito diverso do nosso, atual, mas sem pecado. Parece razoável que Deus não tenha abandonado Seu plano original. E se não o fez, deverá haver uma ressurreição do corpo.
 

A idéia de um juízo no fim do mundo pressupõe que os homens não recebem seu castigo ou recompensa ao morrer. Isto parece razoável, além de ser apoiado por provas bíblicas. Consideremo-lo mais pormenorizadamente.
 

Aceita a crença no castigo e na recompensa, observemos primeiramente que o registro de nenhum homem pode completar-se ao morrer ele. Sua vida terminou, mas sua influência continua, “suas obras o seguem”. Se somos responsáveis por nossa influência, e cremos que assim deve ser, o registro não pode ser completo até ao fim do tempo.
 

Ao asseverarmos isto não desejamos inferir que o homem não haja selado o seu destino ao morrer. Cremos que sim.

O que queremos afirmar é que, a menos que o juízo pressuponha o mesmo castigo ou recompensa para todos, o registro não pode ser encerrado por ocasião da morte do indivíduo. Poder-se-á deveras argüir que se sabe se uma pessoa está salva ou perdida, e que, portanto, ela ode ser considerada como tendo entrado num ou noutro lugar. Isto se pode dar por assentado, mas não resolve a dificuldade. Mesmo nos tribunais terrestres, o resultado de um crime cometido tem que ser aguardado, antes que se pronuncie o julgamento. Se numa luta com arma de fogo um dos contendores fica ferido, o julgamento não se baseia no efeito imediato, mas no resultado final do tiroteio. A pessoa ferida pode viver uma ou duas semanas. O criminoso não tem o direito de exigir um julgamento imediato, baseado na circunstância de que o ferido não morreu, e que, portanto, não houve homicídio.
 

O homem é responsável de algo mais que o efeito imediato de seus atos. Parece mais razoável que o juízo seja postergado até que todos os fatos estejam reunidos, e se possa então chegar a uma estimativa justa. Se admitirmos que alguns serão castigados com muitos açoites e outros com poucos (S. Luc. 12:48), o juízo não pode nem deve ocorrer sem que todos os fatores sejam considerados. Isto só pode ser feito no tempo designado por Deus: o fim do mundo. Harmoniza-se com isto a declaração de que Deus reserva “os injustos para o dia de juízo, para serem castigados.” II S. Pedro 2:9.
 

Os ímpios serão julgados pelos justos. “Os santos hão de julgar o mundo.” I Cor. 6:2. Assim como os anjos têm sua ocupação no céu, terão os remidos, a sua. Deus revela Seus planos os Seus, e lhes confia responsabilidades. Aos santos se lhes dá o privilégio e a responsabilidade de julgar. Humanamente falando, Deus não quer correr nenhum risco de descontentamento nem dúvidas. É concebível que se perderão algumas pessoas a quem outras consideravam dignas de salvarem-se. Ao verificar-se a falta de alguma pessoa no céu, poderia surgir na mente de outros uma dúvida acerca do porquê de sua ausência. Poderá ser alguém que nos é querido, a quem amamos e por quem tenhamos orado. Mas ei-la que está perdida. Não conhecemos as circunstâncias; não sabemos porque.

Se tomamos parte no juízo; se nós mesmos examinamos o caso e as provas; se depois de pesar todos os fatores, chegamos afinal à conclusão de que esta pessoa ao quis ser salva e não se sentiria feliz no céu, nenhuma dúvida surgirá jamais em nossa mente quanto à justiça do que foi feito. Participamos do juízo, e conhecemos os pormenores. Ali estávamos. Ficamos satisfeitos. Além disso, esse plano assegura um juízo justo e misericordioso. Teremos amado alguns dos que se perderão. Por eles teremos orado. Seremos bondosos para com eles até ao fim. Ninguém sofrerá castigo maior do que merece. O plano divino assegura-nos isso.
 

Deve-se notar que os santos participarão do julgamento daqueles a quem conheceram. Se parte do propósito divino ao tornar-nos participantes do juízo consiste em assegurar-se de que não surgirá jamais em nossa mente dúvida alguma, os santos devem julgar sua própria geração e seus próprios conhecidos. Isto é ao mesmo tempo terrível e bom. Deus não deve correr o risco de que alguém diga ou pense: “Alguns de meus amigos se perderam, e eu nunca tive a oportunidade de averiguar o que aconteceu. Pensei que estariam salvos. Eu os considerava melhores que qualquer outra pessoa, e gostaria de haver sabido um pouco mais de seu caso.” Coisa tal, por certo nunca ocorrerá. Deus cuidará disso. Cada qual ficará convencido da justiça e da misericórdia divinas. O plano de Deus está devidamente ordenado. Saberemos por que certas pessoas se hão de perder. Participaremos de seu julgamento.
 

Se o exposto é correto, não poderá haver julgamento por ocasião da morte. Um grupo de cristãos ora por um jovem extraviado. Oram um dia após outro, e ano após ano, mas sem resultado. Repentinamente morre esse jovem. Que sucederá no juízo? Os que o conheceram e por ele oraram, ainda vivem. Se o jovem deve ser julgado pelos santos imediatamente, todos eles teriam que morrer imediatamente a fim de participar de seu julgamento. Se assim não fosse, teria que ser julgado por outros que não o conheceram. Isto se aplica a todos os ímpios que uma vez viveram. Em regra, e se hão de ser julgados pelos justos, não poderiam sê-lo senão uma geração após sua morte. Mas, o não serem julgados pelos justos, ou serem-no por outras pessoas deles desconhecidas, frustraria o plano divino. Portanto, sustemos que, se os ímpios hão de ser julgados pelos santos, não podem eles sê-lo ao morrerem. Deus diz que os ímpios estão reservados para o juízo, no fim do mundo.

Se bem seja verdade que cada geração se compreende melhor a si mesma e deve ser julgada à luz de seus próprios conhecimentos, de maneira que um pecador do Velho Testamento não deve ser julgado pelas normas do Novo Testamento, é também verdade que antes que se possa realizar qualquer juízo coerente, deve haver certo conhecimento das regras e princípios gerais que lhe servirão de diretriz. Isto pressupõe instrução e educação, e essa instrução basear-se-á em todos os fatores envolvidos. A morte de Cristo deve ser tida em linha de conta, bem como Sua expiação e ensino. Em vista disso, como poderiam os santos das primeiras gerações que viveram na terra, haver julgado os ímpios de sua geração? É evidente que a idéia de que os santos participem do juízo deve ser abandonada se o juízo ocorre por ocasião da morte. Admirável é o plano concebido por Deus. O plano divino de que os santos participem do juízo, faz do céu um lugar seguro e ergue uma barreira eficaz contra quaisquer dúvidas posteriores.
 

E como será o julgamento dos justos? É evidente que deve realizar-se alguma investigação antes de lhes ser concedida entrada na bem-aventurança eterna. Precisar-se-á decidir se sua vida e procedimento justifica que se lhes confira vida eterna; e esta decisão deve ser tomada antes de o Senhor vir buscá-los. Não é mais razoável salvar os justos e realizar depois o julgamento, que condenar os ímpios e fazê-los comparecer depois perante o tribunal. Há aí, porém, uma diferença. Os ímpios não são destruídos senão ao fim do milênio. (Apoc. 20:4 e 5). Isto provê tempo abundante para julgá-los depois que o Senhor vier. Mas não ocorre assim com os justos. Se hão de ser julgados e se se lhes há de dar alguma recompensa, o caso deles precisa ser decidido antes que venha o Senhor. Quando vier trará consigo o Seu galardão. (Apoc. 22:12) Daí o dever a condição dos justos ser determinada de antemão.
 

Alguns opuseram objeção a este ensino. Não crêem que haverá um julgamento dos justos antes que o Senhor venha. Sem embargo, isto parece ser a única coisa conseqüente. Preciso é que o caso dos justos esteja decidido antes que o Senhor venha, pois ao contrário, como se poderá saber quem se há de salvar?

Se a objeção é feita aos termos “juízo investigativo” que têm sido usados, dever-se-ão procurar outros melhores. A isto estamos dispostos. Não se trata de um juízo executivo. Chama-lhe a Bíblia “a hora do juízo” em contraste com o “dia do juízo” (Apoc. 14:7; Atos 17:31) Cremos que a expressão “juízo investigativo” se adapta ao caso do julgamento dos justos.
 

Parece eminentemente apropriado que em se apresentando a questão de quem se há de salvar, os anjos estejam presentes para dar o seu testemunho e acompanhar o processo. (Dan. 7: 9 e 10) Eles têm estado vitalmente empenhados em nosso bem-estar; têm sido espíritos ministradores. Precisamos associar-nos com eles e com eles estar, e eles têm o direito de saber quem será admitido nas mansões celestiais. Esse também é o plano divino. Os anjos experimentaram alguns dos resultados do pecado. Viram Lúcifer apostatar. Viram milhões de anjos o seguirem. Viram o Salvador sofrer e morrer, e conhecem a miséria que o pecado tem causado. Estão vitalmente interessados em saber quem há de possuir a vida eterna. Não têm eles o desejo, de repetir a experiência do pecado pela qual passaram. É, portanto, um plano sábio da parte de Deus, que eles participem do juízo.
 

O Dia da Expiação é um tipo adequado do dia do juízo. Bom seria que, à luz destas considerações, o leitor repassasse o capítulo sobre o Dia da Expiação. Naquele dia se fazia separação entre os justos e os ímpios. A decisão dependia inteiramente de quem havia ou não confessado os seus pecados. Eram apagados os pecados dos que haviam levado suas ofertas e cumprido com o ritual. Os outros eram “extirpados”.
 

Ignoramos se era mantido no santuário terrestre qualquer registro dos que, através do ano, ali se apresentavam com sacrifícios. Conquanto isso fosse possível, não é provável que se mantivesse semelhante registro. Sabemos, no entanto, que o sangue aspergido constituía em si mesmo um registro. Deus ordenara que se apresentassem sacrifícios. Cremos que Ele respeitava Sua própria ordem e anotava aqueles que O serviam em verdade, justiça e integridade. Em Seu livro eram registrados como sendo fiéis.
 

Acerca do juízo do último dia, está escrito: “E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.” Apoc. 20:15.

Este texto fala taxativamente do livro da vida, e diz, em verdade, que somente os que nele forem achados serão salvos. Notem-se as palavras: “Aquele que não foi achado escrito no livro da vida.” Isto implica um exame do livro para descobrir quais os nomes nele registrados. “Aquele que não foi achado.” Que é isto senão uma investigação? É como se se desse a ordem: “Vede se este nome se acha no livro.” Recebe-se, em resposta, a informação: “Achei-o”, ou, “Não o achei”. Qualquer informação indica uma investigação. A expressão: “Aquele que não foi achado”, justifica o argumento de que há um exame do registro, dando em resultado a separação, para a salvação ou para a condenação.
 

Afigura-se tão claro que deva haver, antes da vinda do Senhor, uma investigação do registro mantido no céu, que admira haver quem duvide sinceramente disso. É certo que Deus poderia, num momento, se o quisesse, decidir todas as questões quanto ao destino futuro de cada pessoa. Com exatidão infalível, poderia destinar uma parte da humanidade para ser condenada e a outra parte para ser salva. Mas Deus não poderia fazer isso e ao mesmo tempo consentir que os anjos e os homens participassem do juízo. E isto é de vital importância. Deus precisa proteger quanto possível a existência futura. Os homens, por sua própria investigação, precisam estar certos da justiça do castigo imposto. Os anjos que foram espíritos ministradores, precisam estar presentes quando os santos são julgados. Por este motivo são mantidos os livros. Por esta razão milhões de anjos presenciam o juízo. (Dan. 7:10) Deus toma todas as providências que se fazem mister para assegurar o futuro. O céu e a terra precisam ser protegidos. Deus não admitirá repentinamente milhões de seres humanos à felicidade do céu e ao privilégio da vida eterna sem consultar os anjos.
 

Dizemo-lo com reverência. Os anjos têm passado por algumas tristes vicissitudes por causa do pecado. Viram perderem-se milhões de seus companheiros. Viram Cristo morrer na cruz. Tiveram conhecimento de parte dos pesares do Pai, motivados pelo pecado. E não se haveriam de interessar na concessão da vida eterna a milhões de pecadores remidos? Não deveriam possuir alguma segurança de que o admitir homens no céu não significa introduzir ali o pecado?

Falamos em linguagem humana. Cremos que precisam possuir essa certeza. E cremos que Deus lha dá. Estão presentes quando se decide o caso dos justos. Assim como os santos participam do julgamento dos ímpios, os anjos participam do julgamento dos justos. Isto constitui uma segurança para o futuro. Nenhuma dúvida se levantará nem se poderá jamais levantar na mente de ninguém. Deus cuidou disso.
 

Durante o milênio os anjos terão oportunidade de conhecer-nos melhor e nós a eles. Com eles trabalharemos no juízo. Durante esse tempo serão julgados os homens e os anjos. Nós participaremos desse julgamento. Os anjos dele participarão. Os homens e os anjos têm companheiros que se perderão e por quem têm interesse. Deus protege todos os interesses de maneira que o pecado não se levante segunda vez. Os anjos têm mantido o registro. O que está escrito nos livros, ali foi escrito por eles. Não hão de participar do exame do registro ao serem tomadas as decisões finais? Terão parte na execução do juízo. (Apoc. 20:1-3; 18:21; Ezeq. 9:1-11) Ao findar este, darão seu testemunho no tocante à justiça das decisões tomadas. (Apoc. 16: 5 e 7) Podem fazê-lo porque têm conhecimento dos fatores em jogo.
 

“O Pai ama o Filho, e todas as coisas entregou nas Suas mãos.” S. João 3:35. Talvez não estejamos certos do motivo de haver o Pai entregue todas as coisas nas mãos do Filho. Mas a declaração ocorre tantas vezes que se torna evidente que Deus quer que o conheçamos. Além da declaração citada, notemos a seguinte: “Todas as coisas Lhe sujeitaste debaixo dos pés”. Heb. 2:8. “Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai.” S. Mat. 11:27; S. Luc. 10:22. “... Lhe deste poder sobre toda a carne”. S. João 17:2. Este poder inclui o de julgar. “O Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo.” João 5:22. Cristo “foi constituído juiz dos vivos e dos mortos.” Atos 10:42. Deus “com justiça há de julgar o mundo, por meio do Varão que destinou.” Atos 17:31. Isto inclui a execução do juízo, pois o Pai “deu-Lhe o poder de exercer o juízo, porque é Filho do homem.” S. João 5:27. De fato, a concessão da autoridade ao Filho pode resumir-se na significativa declaração do próprio Cristo: “É-Me dado todo o poder no céu e na terra”. S. Mat. 28:18. Isto não deixa dúvida alguma quanto ao alcance do poder a Ele dado. É todo o poder no céu e na terra.

Estas declarações avultam em interesse em vista das palavras nela contidas. Ao Pai pertenciam todas essas prerrogativas, mas por alguma razão as legou ao Filho. Notemos como Deus “deu”, “sujeitou”, “entregou”, “constituiu”, “deu-Lhe poder”. Tudo quanto o Pai possuía, deu ao Filho. Nalgum tempo passado, Deus pôs todas as coisas sob as ordens de Cristo, ordenou-Lhe que reinasse, que executasse o juízo e Lhe deu todo o poder no céu e na terra.
 

Todo o conflito revela um traço muito confortador do caráter de Deus. Deus poderia haver tratado os rebeldes de maneira diversa. Não precisava haver dado ouvidos às acusações feitas contra Ele por Satanás. Mas submeteu o Seu caso a julgamento segundo as provas apresentadas. Poderia esperar e deixar que os seres criados decidissem por sua conta. Sabia que Seus caso era justo e que podia resistir à investigação. Foi eminentemente justo em todo sentido.
 

Isto nos dá margem para crer que o juízo vindouro se realizará de acordo com os nossos mais altos conceitos de justiça e retidão, sem mencionar a misericórdia. Deus não é vingativo. Não espera uma oportunidade para dar-nos a “retribuição merecida.” Quer que todos os homens se salvem e venham a arrepender-se. Não toma prazer na morte dos ímpios.
 

Há, no entanto, algumas coisas que Deus não pode fazer. Sentir-se-ia feliz com salvar a todos, mas o fazê-lo não seria o melhor. Há para isso várias razões. Muitos não desejam ser salvos mediante as condições, únicas, que podem assegurar a vida. As regras que Deus estabeleceu para nossa guia são as regras da vida, e não decretos arbitrários. A sociedade não pode existir, nem aqui nem no céu, se os homens não deixam de matar-se uns aos outros. Isto se afigura tão evidente que ninguém intentaria discuti-lo.
 

O homicídio tem suas raízes no ódio. Não seria seguro permitir a quem odeia seu irmão – ou odeia qualquer outra pessoa – viver no céu com outros. Seria insensatez esperar paz e harmonia em tais condições. Os homens demonstraram à saciedade que o ódio conduz ao homicídio. Isso não precisa de mais demonstração. Se Deus espera ter um céu pacífico, deve excluir dele os homicidas. Isto significa que deve excluir todos os que odeiam.
 

Significa ainda mais. O amor é o único eficaz antídoto do ódio.

Unicamente quem ama está seguro. A ausência de amor significa ódio, mais cedo ou mais tarde. Daí vir a ser o amor uma das leis da vida. Unicamente quem ama cumpre a lei, pelo que só ele tem direito à vida. Esse direito não deve ser posto em perigo permitindo que medre o ódio. Os que acariciam ódio em sua vida, violam a lei da vida. Não seria seguro salvar os tais, mesmo se quisessem ser salvos. No céu não deve haver homicidas nem violadores do mandamento que diz: “Não matarás”. O mesmo argumento é aplicável aos demais mandamentos.
 

Portanto, ao permitir Deus que os homens e anjos participem do juízo, faz alguma coisa mais do que simplesmente permitir que com Ele colaborem. Isto é importante. Por causa do futuro, é necessário. Precisamos da segurança que nos dará a participação pessoal no juízo. Mas alguma coisa mais está implicada no caso. Ao permitir Deus que santos e anjos participem do juízo, eles estão em realidade sentenciando os atos de Deus. As regras, os princípios, as leis que governam homens e anjos, caem sob seu escrutínio. Em certo sentido, estão julgando a Deus. (Rom. 3:4).
 

À luz destas declarações, a circunstância de que os homens e os anjos, no final do letígio, expressam sua crença na justiça e retidão divinas, assume novo significado. A grande questão sempre foi: É Deus justo, ou são verazes as acusações de Satanás? Ao fim do letígio, o anjo das águas diz: “Justo és Tu, ó Senhor.” Diz outro: “Na verdade, ó Senhor Deus Todo-poderoso, verdadeiros e justos são os Teus juízos.” Grande multidão no céu diz: “Aleluia, Salvação e glória, e honra, e poder pertencem ao Senhor nosso Deus. Porque verdadeiros e justos são os Seus juízos.” Os que saíram vencedores da besta e de sua imagem, dizem: “Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei dos santos.”Ao reassumir Deus o governo, sobre o trono, “uma grande multidão” “como que a voz de grandes trovões”, “exclama: “Aleluia, pois já o Senhor Deus Todo-poderoso reina.” Deus, porém, não quer reinar sozinho. Quando “os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo”, quando o acusador jaz finalmente derrotado, será então estabelecido o trono de Deus e do Cordeiro. Gloriosa consumação de nossa esperança! Apoc. 16:5 e 7; 19:1; 15:3; 19:6; 11:15; 12:10; 22:5.

 

NOTA No Tempo do Fim: Que DEUS nos abençoe em nossa busca pela Verdade!

 

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